sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

A alegria vem do Amor

A alegria de ter reunida em volta de mim mesmo, a minha família, completa, aquela como se fosse possível novamente tê-la como nos tempos de outrora. Os três filhos, um menino, o Alexandrinho e duas meninas, a Maysa e a Gabriela, com suas famílias formam o time completo, que me deu muitas alegrias e me sofisticou, à custa de algumas noites indormidas, sendo refinado aqui e ali, nas madrugadas de choros sentidos, seja de fome, quando crianças de colo, na hora exata da mamada, com os gritos mais agudos que já ouvi, até a mãe vir com a papinha quentinha a saciar-lhes ou na doença, quando o sofrimento realmente triplica e a gente se vê ali impotente, sem ação, diante do tamanho da dor de um ente querido, que está embutida na vida e a nossa incapacidade de resolver o que não cogitamos saber.
É uma volta no tempo. Vejo hoje aqui, um pouco mais ampliado agora com quatro netos, os quadros vívidos de nossas vidas entrelaçadas, a minha e dos outros componentes de minha família, esposa, filhos e netos. O Alexandrinho, Maysa e Gabriela, cada um no seu próprio jeito fazendo a vida valer a pena. Ele, hoje, auditor fiscal do estado de Roraima, bem colocado na vida, dono do rumo de sua vida e de sua família, junto com a Natássia e o Alexandre Neto e o Enzo, formam agora sua própria juntada e caminham por si sós, num terreno firme, independente, que me causa estranheza, pois que, assim como as meninas ainda os considero como que as mesmas crianças de um passado não muito longe, onde eu cuidava de tudo e de todos, o que é curial de quem possui uma disposição para viver em amor.
A Maysa engenheira da informática, cursando mestrado em Curitiba, PR, chegou para as festas natalinas completando a família já que a Gabriela mora aqui conosco com o João Gabriel e o Guilherme seus filhos. A Maysa ainda é solteira, mas, está noiva do Heitor, candidato a integrante de nossa família e que quer casar no final do ano que vem. Brincamos o tempo que dá para brincar. Sorrimos o tempo que dá para sorrir e choramos o tempo que nos é imputado para tal ação e assim não percebemos a passagem inexorável do tempo.
O fato é que estamos todos juntos novamente, enquanto é dia. O brilho da luz do amor provocado por um convívio íntimo de todos nos dá suporte para enfrentarmos os percalços da vida e continuarmos a viver o agora, o hoje, como sempre.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Panegírico à Natássia Cruz.

Natássia Cruz é uma arquiteta que consegue insculpir em sua logomarca o laivo de qualidade requerido em seu labor, trabalho altamente criativo. Agora mesmo, em Boa Vista, RR, merecidamente de uma vez só arrebatou de uma banca composta por arquitetos e engenheiros de fora, o primeiro e segundo lugares do concurso em uma exposição, para amostragem de materiais e ambientes. O préstito de fans, é claro, aumentou sensivelmente. É o reconhecimento público de um trabalho que começara a brotar quando Natássia ainda era estudante, acadêmica da Ulbra-AM, e já demonstrava sua enorme capacidade criativa sendo, em seus projetos, diferente de seus colegas e mesmo de professores. Isto, é óbvio, demonstrava o florescer de um novo gênio na ciência arquitetônica e na arte do desenho, o que é corroborado agora nesse concurso.
O amor à arquitetura, às formas, às cores, ao desenho, as nuances das sombras e da iluminação é mostragem frequente em seus trabalhos, dos mais simples ao mais sofisticado mostruário de sua filocalia. Por fazer estritamente o que ama, Natássia avulta-se aos demais, e por ser lhana, sabedora de suas limitações, produz o melhor de si, resultando em harmonia e equilíbrio tanto em projetos complexos quanto em paisagismo e interiores, também em projetos mais simples, os quais, são sempre diferentes, habilidades curiais de pessoas geniais.
Não me surpreendi com tal resultado. Era de se esperar que a criatividade avultasse no concurso e assim aconteceu. Parabéns, Natássia Cruz, extensivo à toda sua equipe, sem a qual não se realiza nada, que juntou-se a você na execução dos projetos.
É o começo de uma carreira promissora, mas, devo lembrar-lhe que o cultivo da humildade é a tiriaga para todos os venenos, as maldades do mundo, sendo que o pior deles é o orgulho cego, aquele que obnubila a criatividade sadia.
Deus continue a lhe abençoar com muitas e muitas vitórias, sempre maiores que estas que você acaba de conquistar.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Oração que Deus não quer.

Estamos sob fogo cruzado. De um lado o peso quase morto dos governos oficiais, aqueles eleitos e oficiais, de outro os governos paralelos e que com mais freqüência dominam as cidades de nosso país. Governadores se enroscam com todos os tipos de patrocinadores, que claro cobram seus investimentos em tais campanhas. Agora mesmo, não sei por que veio à tona a séria questão de corrupção no governo do Distrito Federal. Deixaram escapar um filme onde é mostrado o governador, no caso, ainda deputado federal, em 2006, recebendo 50.000,00 reais de propina. Em outro vídeo os corruptos se reúnem depois da distribuição do dinheiro em oração, agradecendo a Deus, por ser tão bom com eles ofertando-lhes essas oportunidades, de receberem propinas e prebendas, dinheiro sujo, desviado de outras atividades sadias e assim prejudicando a ação dessas atividades que teriam ou têm repercussão na sociedade. Em todos os níveis há uma farta fatia de cidadãos que se deixaram envolver em negócios escusos, prejudicando a todos.
No Rio de Janeiro, os chefes do tráfego das drogas comandam descaradamente a sociedade e ditam os caminhos que a cidade e seus cidadãos devem seguir. Aqui em nossa cidade famílias influentes estão diretamente envolvidas com o tráfego, assassinatos e toda a sorte de falcatruas. A sociedade normal, os que vivem para o trabalho e a família resolveram como solução, se trancarem em suas casas onde o perigo da violência existe, mas, é menor que nas ruas, nos restaurantes, boates, cinemas, shoppings, carros, praças, pontos de ônibus, bairros sem luz, semáforos, enfim, em quase todos os lugares da cidade. Podemos dizer que é um fenômeno social espraiado por todo país. A molecagem das autoridades, molecagem entendida como o desencadeamento de ações contra alguém que pode ser disparador de exposição de alguma atividade ilícita, normalmente, de alguém com poder nas mãos, a falta de organização social por parte da sociedade civil, a falta de vontade política dos governantes, facetas dos poderes legislativo e judiciário, não recomendáveis, além de enfraquecer a sociedade geral, deixa proliferar interesses outros que em tudo prejudicam o bem estar social.
- Não tem para quem reclamar, pois, todos estão comprometidos, as instituições, as pessoas, os comandos... Dizia um conhecido meu com referência a uma conta que tinha que pagar e que dos iniciais 6.000,00, com os custos processuais, multas, advogados chegara a 15.000,00 reais descaradamente e como já julgados o acordo só seria efetivado por tempo de pagamento e não por questionamento de quanto valeria o débito realmente.
- É uma molecagem institucionalizada, dizia outro, participante da conversa, veja o imposto de renda que se paga. O assalariado desconta na fonte e quando chega ao final do ano ainda tem que pagar a diferença entre o que a empresa paga e o que é devido ao fisco. Não se pode reclamar sob pena de ser submetido a devassa em sua vida financeira e há um retração nos pensamentos e ações das pessoas.
A constituição demanda juros de hum por cento ao mês no máximo, portanto, doze per cento ao ano, mas, em qualquer transação econômica há juros, multas, e outros encargos que como não se enquadram na palavra juros a molecagem permite que sejam cobrados normalmente arrebentando o orçamento das pessoas.
Acho que estamos em uma hora propícia para uma enorme reunião dos homens de boa vontade para, em se reunindo, orarem, pedindo a Deus por uma nova visão de relacionamento, desprovidos do empenho capitalista de conquistar e querer mais e mais, mesmo que isso signifique o esmagar de outras pessoas, que por sinal formam a grande maioria da sociedade. A reforma política, regulamentada e dando roupagem nova a condução e forma de se fazer política; a reforma tributária onde o estado ganhe mais, mas, não ganhe depauperando o pobre, o homem de modo geral, talvez com a criação de um imposto único; a reforma no judiciário onde a sociedade se sentisse segura na questão da justiça, no geral, sentindo que a lei deve estar em sintonia com os anseios da sociedade. Está na hora de repensarmos o mundo que vamos legar à nossos filhos, netos e bisnetos.
Maranata, Senhor.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Índia, pureza, sim senhor.


Pintei um quadro, à óleo, de uma índia ianomâmi, com lábios carnudos e provocativos, com cabelos brilhantes e coloridos, e, lógico suas pintas habituais, não de guerra, mas, parecia-me de amor, naquelas danças e festas onde o amor para o indígena é o mais valer. Pintei-a, imaginando a candidez da pureza da índia menina, flor a desabrochar, em meio a sua tribo, lá por volta de seus quinze ou dezesseis anos. Seios pequenos, empinados, uma pele macia como a pele do caju, cadeiras em formação, rosto redondo, com olhos estreitos e os cabelos lisos e pintados, coloridos, nas mais variadas matizes.
- Hei, esta não é uma índia, pelo menos uma índia amazonense. Você, doutor, não entende de índias, me disse um cliente, meio zangado por ver uma índia tão diferente daquela que ele estava acostumado a ver nas pinturas.
O quadro não vendeu. Não saiu comercial. Lá está ele assentado na parede de meu consultório com suas dimensões a chamar para si a atenção de quem entra na sala. Os olhos, grandes, porém puxados, como as das índias, acompanham a gente aonde a gente vai. É uma expressão rústica, do amor, da gentileza e do perdão. Lá está ela a ensinar todos os dias as verdades do dia a dia da gente que não é índio, pelo menos não está na floresta morando em ocas e tabas. São verdades que vêm de longas datas e por isso incompreensíveis para todos nós. São complexos tratados éticos e morais, creditando pureza e sabedoria, passada ao longo do tempo de pajés para pajés, de chefe para chefe, cacique a cacique, tuxaua a tuxaua, morubixaba a morubixaba. É claro que não entendemos tais tratados, tão complexos, simples e sábios, para um entendimento tão sofisticado como nossos códigos e vendas de imagens, impensáveis no universo índio. Lá está a majestade da índia, ainda cunhã, a mostrar o caminho do bem. É linda, tão linda que incomoda.
- Lascívia, é o teu nome, me disse um paciente, cliente, que não entendeu a mensagem da índia. Os lábios carnudos, o possível seio empinado, mostrando as estrelas, a pele de uma cor morena pintada com cor ainda não catalogada, de tão pura e simples, deixam a quem olha o quadro, estático, querendo saber o que significa realmente o todo, o complexo e o simples pôster da índia.
- Não existem índias com os lábios carnudos e tão convidativos, tão charmosos, me disse um outro.
Às vezes, fico ali, quando me dá na sina, observando a minha criação. Penso que quer falar. Conversar. Ensinar-me algo. Disfarço, pensando que eu estou ficando tão besta que penso ser, este quadro, uma grande obra de arte. Depois, fico rindo com os meus dentes de porcelana, que estou a fazer, desenhando-os de um modo mais simples possível para tentar imitar a simplicidade da vida que é ao mesmo tempo tão sofisticada que os índios não conseguem absorvê-la. E fico ali meditando o quanto a gente destrói, nas nossas invenções, e nas nossas maiores incompreensões o que há de mais belo e mais perfeito da criação de Deus, a natureza, simplesmente por querer ser o maior, ser o melhor de toda essa criação.

Dia calorento.

Depois de um bom cafezinho, no Café do Ponto, no Manauara, segui direto para a fila do banco para o pagamento da última parcela do imposto de renda deste ano. Quando adentrei no tal banco, a fila desanimante me convidou a deixar para outra hora o pagamento, mas, a veleidade da ação me compungiu a continuar adentrando para meu posicionamento na fila, com mais ou menos umas cem pessoas. Em tal multidão de gente não podemos e não devemos detalhar nada, a não ser as pessoas que estão mais perto de nós, ali sendo massacradas tanto quanto nós. Assim, é de rir, para quem está ali simplesmente para pagar, sem a preocupação de ter que correr para outro lugar após a façanha, e, se despreocupar, pois, certamente a hora irá avançar continuamente sem a intervenção de ninguém.
A senhora que estava á minha frente, vestida com uma camisa vermelha florida, estava falando ao telefone e parecia com raiva, sem paciência com o interlocutor:
- Já disse que não vou poder sair daqui agora. Mais tarde ligo e digo para onde estou indo.
- Não, a fila, pois estou no banco está muito grande. Não dá para dizer a hora que vou sair daqui, dizia outro senhor, na curva da fila, à direita e que agora quase assomava a entrada das cordas que canalizavam as pessoas até os caixas.
Outro, atrás, dizia, ao telefone, que não poderia pagar hoje o compromisso, pois, não sabia a hora exata da saída do banco que ainda estava apinhado de gente.
Olhei para frente e vi, no caixa, um homem, por volta de seus cinqüenta, tentando receber dois cheques e simultaneamente depositar uma quantia de dinheiro. O olhar da moça da esquerda, quase na saída das cordas, já perto dos caixas era de ódio, pelo menos uma espécie de ira, pela demora provocada pelo homem, que agora insistia em pagar, depois do depósito uma conta e como ainda não houvera compensação dos cheques estava com a conta sem provimento e não conseguia entender tal procedimento do banco. A moça tentara por duas vezes interferir na negociação, mas, contivera-se.
- Um absurdo, dizia um rapaz, com o cabelo cortado bem baixinho, o que acentuava seu nariz e sua testa, que agora estava molhada pelo suor, comum a todas as pessoas e no abafado do ambiente a irritação era algo comum, uma vez que apenas dois caixas não eram suficientes para o atendimento de tão grande multidão.
Os guardas, seguranças do banco se desdobravam, tentando perceber algo diferente em cada cidadão ou cliente. Uma pessoa tentara entrar no saguão do banco, onde ficavam os caixas, com o celular na mão esquerda, e, quando o guarda viu, imediatamente, acionou o botão que breca a porta giratória, travando-a imediatamente. A pessoa olhou para dentro do salão à procura de uma resposta lógica para tal procedimento, mas, tivera que voltar a trás e depositar seu celular em uma caixa de acrílico, à esquerda da entrada.
Agora eu tinha avançado uns dois metros à frente e a moça raivosa mantivera a posição quase a entrada dos caixas, um pouco mais a frente. Os caixas estavam visivelmente irritados, com o calor, pois, o ar-condicionado central não estava funcionando a contento e não havia realmente refrigeração suficiente para o mínimo de refrigeração no tocante a quantidade de gente no saguão.
- Vamos sair daqui de noite. É um absurdo, deviam colocar mais caixas à disposição dos clientes. Que gerente incompetente. Devia ter mais caixas.
- É verdade, disse um senhor de idade, que sem motivo, optara a entrar na fila normal, evitando a sua fila menor, o caixa para a terceira idade. Bastava um telefonema para o Procom para que este banco fosse multado. Deviam ligar.
Uma senhora aparentando menos que sessenta anos, agora, gritava bem alto:
- Tenho problemas de saúde e meu marido que não mora aqui tem receber este dinheiro hoje. Socorro, alguém me ajude... Gritava chantageando a todos.
Alguém se apiedando de sua situação, sem querer inana, dissera ao gerente adjunto:
- Por favor, deixe que ela entre na fila dos idosos e seja logo atendida.
Depois da aquiescência do subgerente ela acomodou-se na vigésima posição da fila dos idosos, sempre falando alto, dizendo de sua doença, que podia morrer a qualquer momento e falou até um tempo depois e então se calou.
Um homem entrara no salão e queria a todo custo falar com o gerente, pois, a máquina, lá fora, em outro ambiente, negara-lhe o depósito do salário e como todos os seus amigos já o recebera e ele não o desespero tomara conta dele.
O rosto denotava toda irritação que devia ser direcionada para a empresa onde trabalhava, mas, que agora era totalmente direcionada para o banco, que sem ter o que explicar apenas dizia que o dinheiro ainda não fora depositado, o que aumentava a irritação do homem, que resolvera sair inconformado excomungando a todos os funcionários.
Eu estava agora a duas pessoas do fim das cordas. O senhor a minha frente dizia:
- Deviam ter posto mais um caixa. O calor aqui é insuportável.
- É verdade, disse eu.
A senhora da frente foi atendida e logo depois o senhor a minha frente. Depois a minha vez. Fui atendido e paguei o pesado imposto de renda, no caixa, que coitado tentava ser maleável e atencioso com os clientes, sem a mínima condição de sê-lo.
Sai dali rápido, encharcado de suor, com a cabeça necessitando de um bom sorvete da Kibom, ou quem sabe um bom açaí. Enderecei-me a praça de alimentação do shopping e pedi um açaí com leite moça e tapioca. Que bom pensei e me senti reconfortado.

sábado, 28 de novembro de 2009

Guilherme, meu professor. A vida é breve.

Estou todo besta. Meu quarto neto, Guilherme, é uma pessoa muito especial. Ele fica horas, intervalos entre as mamadas de três horas, dormindo e nos ensinando que a disciplina é tudo na vida para quem quer seguir uma boa forma de viver, sem cobranças e sem direcionismos onde o que conta realmente é a pureza e a leveza da vida que se está vivendo. Pode ter o barulho e os sons mais estranhos para acordá-lo, ele está ali para desdizer o tal barulho, dorme tranquilamente e nos dá a lição de que a vida pode balançar de um lado para outro, nos sacolejando de um lado para outro, que o que vale é a forma de vermos tal borrasca e a certeza de que ela vai passar e que logo tudo vai estar bem novamente fluindo de maneira satisfatória, nos dando a felicidade de podermos viver em uma sociedade, a nossa igreja, de modo a agradar a Deus.
Ele, agora, está dormindo, seu irmão João Gabriel saiu com o pai e a casa está em um raro momento de paz e tranqüilidade. Não há choro, nem gritos de protestos pedindo ou gritando por comida, não há protestos por posições de dormir, enfim, não há requisições disso ou daquilo. A prioridade sempre vai ser os meninos; lembro do Alexandre Neto, agora com onze anos, com seus desejos, suas vontades, todas efetivadas, na medida do possível, e, também seu substituto imediato, o Enzo, com seu cabelo e vontades bem compridos e também satisfeitos na medida do poder. Eles estão aqui comigo, uns pessoalmente, como o João Gabriel e o Guilherme, e outros ainda chegando perto de mim como o Alexandre Neto e o Enzo, me dando a felicidade total, aquela que é preenchida pelas presenças dos filhos e netos, mas, daqui a pouco preenchida efetivamente por todos os filhos e netos presentes aqui.
O Guilherme ainda não consegue ver nada, mas, percebe, este sentimento superior, aquele aonde não há erro, pois, a pureza é a principal fonte de todas as emoções. Ele consegue saber ou perceber, com dois dias de nascido, quem está perto, se quem está ali é bom ou não, se é capaz de supri-lo de alimento, de paz, de companheirismo ou não. Fantástico, fico fascinado a cada nascimento de criança, pelo menos dos meus, com a capacidade de percepção do que é ruim ou não, do que é bom ou não que cada um tem, inerentemente. Por isso Jesus dizia:
- “Deixai vir a mim as criancinhas, porque, deles é o reino dos céus...”
É a pureza e a única forma de acusar os adultos de estarem devendo a vida a essa pureza, pois, todos esses corrompidos e adulterados, são como que perdoados pelo nascimentos desses inocentes que insistem em chegar ao mundo, tão leves e puros que a única coisa que conta para a vida é a alimentação na hora certa, a certeza de que está sendo bem cuidado e protegido.
Guilherme me diga o que fazer com tantos problemas e confusões, que acho que na sua tranqüilidade você tem as respostas para todos os problemas de nossa pequena, curta e tão sofisticada vida.
Perdi o fio da meada e encontrei-a novamente em você, Guilherme. Oriente e proteja nossa vida, como diz seu nome. Diga-me o que fazer.
Maranata, Senhor.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Bem vindo Guilherme ou Achega-te Alegria.

Está chegando entre nós, minha família e para o mundo, o Guilherme, meu neto número quatro e o segundo filho de minha filha Gabriela, e, motivo de muita alegria determinante de felicidade em nossos corações. Lembra-me da efemeridade da vida, de como a vida passa numa incrível velocidade muitas vezes maior que a de um meteoro cortando o céu em sua queda, e, também o conceito de felicidade do viver intensamente o aqui e agora, proposto de uma forma brilhante por Platão em seu Fédon quando da morte de Sócrates, com seu pensar até o infinito:
- Devo um galo a Esculápio por me curar deste grande mal que é a vida, através da morte.
A cena descreve a incrível capacidade de nunca parar de raciocinar de Sócrates, mesmo ante a iminente chegada da morte, justificando o diálogo com os amigos, já que tomara a cicuta e sente a morte chegar como se fora uma dormência a começar pelos pés e vindo na direção da cabeça:
- Engraçado estava com as correntes nos pulsos e pernas, eram um peso, um sofrimento, uma espécie de sofrimento, agora, mas tiraram-nas e sinto alívio, uma espécie de prazer. O sofrimento e o prazer andam juntos.
A morte não é empecilho para Sócrates, o que ele quer é continuar pensando, vivendo. Mesmo agora passado tantos anos sinto sua presença, flutuante, como se estivesse aqui neste momento dizendo à Gabi:
- Esse enorme peso, sua barriga, as contrações, as dores de parto, todo esse sofrimento, vai gerar em você uma enorme felicidade de nascer e crescer uma vida, nessa nossa continuidade eterna de procriação, através do Guilherme.
É isso aí, Guilherme. O mundo no qual vivemos e moramos está muito confuso. Há muita confusão pela sobrevivência, pela expectativa de água no planeta, pois, os mananciais estão acabando, a fome, os governos paralelos, a falta de ordem e segurança, as mentiras e ações de governos fascistas, as guerras, as catástrofes, tsunamis, terremotos, raios X, infravermelhos, ultravioletas, a confundir nossas consciências do que é realmente importante, essencial, para nosso viver em felicidade, e o que falta ao homem para que saiba o necessário para a sua volta ao Éden, a utopia, o lugar perdido, início da criação.
Nesse cenário maluco, não muito recomendável para se viver, espero, com sinceridade, que você seja o que o seu nome significa: aquele que protege; seja luz, homem de boa vontade, vivendo e ensinando aos outros e a si mesmo que o mais importante na vida é o Amor, a Esperança e a Fé, esses três sentimentos que geram respectivamente a felicidade, o sonho e a certeza de que nascemos para sermos o que somos, ou seja, simplesmente homens vivendo intensamente o momento do hoje, amando aos outros como a nós mesmos, interagindo com a natureza e com os outros homens de forma sensata.
Guilherme seja bem vindo a nossa família e ao mundo, e, viva a vida exatamente como se apresenta, significando que toda ela se resume em simplesmente viver o agora, modificando-a quando dá para modificá-la, esculpindo-a para servir ao próximo, procurando o acerto em tudo quando dá para acertar, errando sem receio de que a humildade nos dá autoridade para o recomeço, refazendo e consertando o erro.
Assim seja. Chega-te Alegria, teu nome é Guilherme.

domingo, 22 de novembro de 2009

Cem, cem por cento, cem.

Esta é minha centésima crônica, por isso é uma crônica de reflexão e de retrospectiva, sem a veleidade de ser laivo de supra-sumos ou panegírico pessoal, não merecedor, que sou, é claro, de nenhum reconhecimento por parte do leitor sempre crítico e responsável, sabedor de suas obrigações enquanto leitor e que voluntariamente se dispõe a leitura desses contos e crônicas, umas sérias, outras superficiais, outras sem mensagens, outras incúriamente vestidas, sem a preocupação da construção da escrita tradicional, outras incuriosas, talvez pela inépcia do escritor, outras de puro prazer pessoal do autor. Enfim, seja como tenha sido escrito, eles têm em comum a boa vontade de tão somente conduzir o leitor à reflexão pessoal em todos os assuntos até aqui escritos, seja no conjunto do assunto familiar, tão forte no escritor, seja nas incursões filosóficas e mesmo sociológicas e tentativas, na maioria inconclusivas, de desantropomorfar, tirar o enorme complexo de superioridade do homem em relação à natureza, por si considerar o centro da criação, a principal criação de Deus.
Alguns meses transcorreram desde que algumas pessoas incentivaram o aparecimento do blog. O começo, difícil de por na tela do computador o pensamento exato do pretendido, do pensado, depois, uma facilidade maior e os presentes ganhos de leitores, amigos, que a guisa de incentivo, acabaram incentivando de fato o amadurecimento do contocronica.blogspot.com. É lógico que a redação segue o curso do rio caudaloso da criação, que nunca pára, como a correnteza do rio que segue marcando terras e deixando sua marca nas beiradas da terra, e, a percepção da vida de quem cria intrinsecamente ligada às ondulações do humor, conhecimentos, relações, clima, viagens, sonhos, e, o mais importante de todas as percepções, a sensação da solidão, quando tudo está planado, os montes lisos, sem elevação, o solo liso, dramaticamente hostil, a terra encontrando o céu lá longe no horizonte, onde nem sempre o céu é azul, lugar comum a todos os seres viventes, lugar de onde a criação brota como uma fonte de águas sem fim, e, encontra-se a sensação que Jesus descreveu como “as raposas têm seus covis para dormir, mas, o filho do homem não tem onde descansar..”. Para o ser humano não é dado o descansar, somente o trabalhar, onde as coisas principais são esquecidas, como a morte, esse único fato real da vida, disfarçado constantemente em todos os níveis de relação. O trabalho desliga o cérebro da atenção do principal, a vida, onde o tempo não existe somente o viver e o viver bem, na procura incessante de respostas para essa mesma vida.
Cem, cem contos e crônicas. O tempo, que não existe, passa rápido. Aproveito para escrever o que tem e vem no pensamento, aproveite o que é para aproveitar, despreze o que é para desprezar; o que é curial da existência é o viver intensamente o presente, este tempo que se chama de agora.
Viva a vida.

sábado, 21 de novembro de 2009

Mude homem, então.

Em Kolyma’s Tales, Varlam Shalamov descreve os horrores da reclusão em tal prisão, onde esteve presidiário por dezessete anos, na Rússia e chega à conclusões tremendas a respeito do ser humano e suas relações. A tragédia, forte e imprevista, presente na vida de todos nós humanos, impinge a todos, em sua ausência ou fraca manifestação, uma felicidade que realmente, infelizmente, não é inerente ao homem, pois, é dependente de seu tamanho e duração dessa tragédia. Não há amizade ou amor na tragédia e se por um motivo qualquer florescer, nesse deserto algo parecido, é que não houve intensidade suficiente, força trágica, para o preenchimento das necessidades individuais requerida em todos os momentos da vida, e, portanto, na tragédia também.
De alguma forma as necessidades de preservação da espécie, de saciação da fome, de defesa de si e de seus mais próximos, de ter que mostrar, para um conjunto, sua capacidade de dar volta por cima, de brecar a forte pressão social, na tragédia, que empurra o homem para o fundo de um caldeirão de emoções e sentimentos, onde o instinto de sobrevivência se manifesta em toda sua intensidade, e, não há mais lugar para a solidariedade, amizade, amor, companheirismo, carinhos, amenidades, e, o que passa a ser o universo humano é somente a busca pela sobrevivência de sua dignidade que vai desvanecendo à medida que o tamanho e a duração da tragédia aumenta.
Impressionante o momento de sua liberdade que ele está retornando à Moscou. Liberdade e o peso de dezessete anos de prisão, humilhação e anulação do ser e de repente a sensação de sentir-se obrigado, cobrado, pela dádiva da liberdade, de ter que esquecer aqueles dias, o que ele recusa imediatamente, e, só consegue descansar e dormir depois que entende que é impossível viver sem a lembrança do passado massacrante, e, que isto faz parte de seu ser, e, então ele dorme, descansado, em paz consigo mesmo, na viagem de volta à vida. Em Moscou toma conhecimento que sua esposa o abandonara e vivia com outra pessoa, seu filho não quer mais vê-lo e com todos esses massacres continuou a viver até sua morte aos setenta e cinco anos, entendendo que a tragédia é quem determina a vida das pessoas e a compreensão da maldade humana vai além, muito além do vernáculo, da simples maneira de falar o mal. Há uma espécie de determinismo histórico. Ao homem é dado viver as tragédias que ele mesmo produz.
No Olimpo os deuses devem se divertir com as mazelas que o homem impõe a si próprio. Traçam seus destinos, com seus livres arbítrios, e, vão massacrando uns aos outros, e, enquanto a tragédia não bate a sua porta os homens, insanos vão vivendo suas vidas, pensando que são felizes.
Ainda há tempo de mudança. O homem, causador e criador das tragédias, deve pensar o quanto ele concorre para a morte ou sofrimento efetivo de seu parceiro, esposa, marido, filho, filha, netos e amigos, sua comunidade, sua cidade, seu estado e seu país, e, seu mundo, com suas ações, com seu modo de agir diante de problemas, de problemas individuais que têm na relação interpessoal, do massacre que, às vezes, é imposto de modo impensado e desleixado. O homem criou um método de fazer ou criar tragédias no seu dia a dia, principalmente quando tem poder nas mãos. Tem como massacrar fisicamente, psicologicamente, ou de qualquer maneira com suas iras repentinas, seus preconceitos e seus desamores, a quem diz que ama e que respeita, mas, que na verdade só vende a imagem de que é um ser humano bonzinho e que pensa no bem da humanidade, do ser humano, principalmente nos mais perto, dos seus amores na natureza.
Mude homem, então.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Café da Manhã.

A mesa era farta. A tapioca com manteiga, derretendo na quentura da tapioca, convidava para o início do café da manhã. O suco de cupuaçu gelado, em sua acidez, delicioso, viera junto com o sanduíche de tucumã, a carne de sol, a macaxeira frita pra ser comida com manteiga, pães com ovos e tucumã, e, também com queijo e presunto, pupunha, suco de maracujá, café preto, leite quente, ovos mexidos com salsichas, fatias de abacaxis, de melancias, água mineral.
O marido pegara o sanduíche de tucumã e colocara nele a metade dos ovos estrelados, que estava em um prato, correspondendo à metade, e, depois começara a comê-lo. O acompanhamento era o suco de cupuaçu. Começara a falar dos políticos e seus escândalos, mas, com o cheiro das comidas e já com o sanduíche nas mãos, simplesmente, procrastinara a conversa e dera uma dentada faminta.
A mãe pusera uma quantidade de pupunhas e macaxeira frita em um prato e também começara a comer. Preferira o suco de maracujá. A sogra estava pensando que o melhor seria comer a carne de sol e vendo que ninguém se interessara por ela, colocara umas fatias em um prato, adicionara macaxeira frita e bebericava café preto.
As conversas definitivamente ficaram para depois.
Na mesa do lado um americano e sua mulher, olhavam curiosos para a variedade de pratos e comparavam as fotos do menu com os pedidos da animada mesa lateral.
- Waitress, eu querer igual esta, e, mostrava a foto do que ele estivera olhando e desejando.
O lugar era agradável, possuía um playground e as crianças, deixadas lá por seus pais, e, observadas pelas empregadas, se divertiam no escorregador, no pula-pula, nos roliços corredores aéreos, feitos de corda, pendurados entre uma passarela e outra. Quando em vez uma mãe vinha conferir o cuidado de sua empregada ao seu filho e vê se estava tudo bem.
Na primeira fila, à direita, um homem pedira suco de buriti, e, sua esposa um açaí gelado. As garçonetes andavam quase correndo de um lado para outro na pressa de atender bem os clientes. A supervisora, de longe, controlava tudo de maneira que nenhuma das mesas ficaria sem seus pedidos. Por trás do enorme balcão de madeira enxergava-se, através de grandes janelas, a cozinha com seus cozinheiros trabalhando arduamente para confeccionarem os pedidos que vinham de fora, do salão. A fumaça não parava de sair dos exaustores.
A sogra agora começara a cortar em fatias a melancia que viera bandada ao meio. O marido e a mulher tomavam café com leite e comiam mistos.
- Este café regional daqui é muito bom.
- Essa pupunha é muito gostosa e os sucos são muito bons.
- Provem esta melancia, está uma delícia.
- Será que tem algum tipo de doce? Perguntou o marido.
- Moça, por favor, você tem algum tipo de doce que possa recomendar? Perguntou ela a uma das garçonetes que passara por lá.
- Temos doce de cupuaçu com doce leite, com chocolate, temos também doce de buriti, bolo podre, bolo de macaxeira, bolo de tapioca, mouses de manga e de açaí e de maracujá.
- Ah! Vou provar o bolo de tapioca e o doce de buriti.
- Eu também vou querer, mas, quero bolo de macaxeira, disse a sogra.
- Eu, agora, vou tomar um café preto, somente.
Os americanos de deliciavam com seus pedidos. Pouco a pouco as mesas foram ficando desocupadas. Algumas iam sendo preenchidas novamente, mas, dentro de pouco tempo a área do café regional estava ficando deserto. O enorme salão ficara vazio e o trabalho agora era deixá-lo preparado para outro dia. Era quase o meio do dia. O calor estava ficando insuportável, suplicando para que outro dia chegasse trazendo os fulvos e amenos raios do sol da manhã de outra manhã, propícios para um bom café da manhã.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

O fila, animal feroz.

A casa era grande em profundidade e em largura. O consultório ficava na sala da frente da casa, precedido somente por outra menor que servia de sala de espera com seu sofá creme ladeado por duas poltronas iguais. No meio da parede, divisória, um quadro de um belo sorriso chamava a atenção de quem entrasse. Uma TV de quatorze polegadas divertia os pacientes, sempre impacientes, esperando a vez de ser atendidos.
Era de tarde e o paciente, uma jovem senhora, da hora encontrava-se pronto para a moldagem, ato que é feito logo após o preparo dentário. Tinha sido um pouco dificultoso, pois, o espaço entre o dente superior e o inferior era quase nulo e depois de muito esforço para não conduzir o tal dente para tratamento de canal, deixei-o totalmente apto para a moldagem.
Começara a separar, junto com minha atendente, uma menina de uns dezessete anos, os instrumentos necessários para os passos seguintes, quando bateram à porta. Como ainda não começáramos os procedimentos ela, sem luvas, abriu a porta e foi perguntada pelo vendedor de gás de cozinha, à sua frente, se estávamos precisando trocar as botijas de gás da casa. Esqueci de dizer que este consultório era em uma casa, pertencente à família de minha esposa, na qual, além do consultório era usada para moradia também.
- Doutor, o rapaz está perguntando se queremos gás.
- Pergunte a moça lá de dentro, ela deve estar lá no fundo, na lavanderia.
Com a resposta positiva de que era necessária a compra das botijas e autorizado pela moça o rapaz transportou duas botijas para a despensa da casa. Quando ele passou por perto de uma árvore, mangueira, enorme, carregada de frutos, o enorme fila começou a querer pegá-lo e pulava desesperadamente em sua direção. O rapaz alocou as botijas em seus lugares e saiu portão afora. Minha atendente, sem imaginar o que estava prestes a acontecer, voltou para falar com a moça que estava lavando roupas, e, passou novamente por perto da árvore onde o fila estava amarrado. Ele começou a se jogar violentamente na sua direção forçando incrivelmente a corrente que o segurava. Ela inocente continuava a dialogar com a empregada, quando de repente, sem avisar a corrente cedeu e o fila, completamente fora de si, querendo resguardar seu terreno, furioso, arremeteu violentamente contra ela. A primeira dentada, com seus possantes caninos e incisivos, penetrou sua coxa esquerda. A dor lancinante e sob o ataque feroz, sob o efeito da brutal descarga de adrenalina na corrente circulatória, fê-la , instintivamente puxar e recolher a perna e coxa numa tentativa de sair daquela mordida. Os dentes caninos saíram-lhe cortando, como a uma manteiga, os músculos até a saída deles na altura do joelho deixando um profundo sulco de carne cortada e retorcida. Os gritos eram ensurdecedores e quando os dentes se libertaram saindo dos músculos imediatamente virou sua enorme cabeça para o outro lado e fez a mesma manobra no lado direito. A empregada desesperada entrou no consultório gritando que o fila estava comendo a atendente e que ela estava se debatendo muito no chão, com muito sangue liberado.
Sai correndo, e, confesso nunca vi tanto sangue na minha vida. Ele me mirava com sangue escorrendo pelos cantos da boca e com os olhos injetados de sangue e de ódio. Os caninos estavam bem salientes e quando me aproximei num momento de indecisão dele, consegui tirar a moça dali e puxá-la pra fora de seu raio de ação. Levei a moça, imediatamente para o pronto socorro, junto com uma paciente, com o tratamento no seu meio, e, anestesiada como estava foi comigo, apavorada, segurando a moça que estava em estado de choque, sem falar e sem mais chorar.
Pensei que a menina não fosse mais andar e que as marcas das dentadas não sairiam e ficariam para sempre em suas coxas, mas, qual o que, a idade que ela tinha, propiciou uma recuperação perfeita e nada de queloídes se viu depois de um tempo, uma regeneração celular perfeita. Só o trauma psicológico de um ataque feroz e quase mortal persistiu ainda por um tempo. Em mim ficou a culpa de uma corrente quebrada tamanha a força, mal calculada, de um animal de guarda que infelizmente era de guarda mesmo. Depois desse fila continuei a criar cães, mas, agora um de raça mais dócil, mais amigo, mas, também de guarda, o Rottweiler, boa raça, bom animal.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Gárgula

À gárgula, um monstro pueril, não se impunha nenhuma regra. Era uma noite triste e tenebrosa como esta, dizia ele, para mim num diálogo impressionante, considerando a origem dele. Neste caso específico, era um gárgula, um masculino, bravo e totalmente rebelde, onde o que era natural não passava de um ícone impassivelmente imóvel, mas, para este, não. A rebeldia o transformara em um monstro noturno, capaz de incomodar e tornar a noite calma e pacífica das crianças em uma totalmente ameaçadora e cheia de medos e transtornos. Ele tinha a desenvoltura de uma onça ou tigre em seu próprio habitat. Andava em todos os lugares da casa sem ser notado. Realmente as pessoas normais não conseguiam o ver, a não ser em ocasiões bem especiais, como uma noite de lua cheia, ou uma de escuridão total.
A criançada ficava à volta da casa, na varanda e espreitava os locais prováveis de aparecimento do gárgula. Este gárgula desafiara a todos para um duelo e um de nossos tios resolvera desvendar este mistério e ele prometera que hoje à noite não passaria sem que ele desvendasse o mistério do gárgula.
Eles chegaram por volta das oito. O gárgula já aparecera a pelo menos três meninos que com medo gritaram o mais alto que puderam à vista de tal monstro. Ele viera deslizando pelo telhado lateral da casa e se fizera notar dando um cascudo em um dos pequenos, que agora gritava a plenos pulmões numa agonia de fazer pena, e, os outros sem entender nada também gritavam em um coro infernal.
- Este gárgula é um péssimo elemento, diziam todos.
Os tios e os primos tinham acabado de chegar quando a última aparição do gárgula se dera. O tio, português, se apressara a consolar os pequenos dizendo que desta noite não passaria a descoberta da identidade do tal gárgula. A lua prateava a rua, os telhados e a rua propriamente dita. O terraço da frente da casa estava totalmente iluminado pelo luar. De repente a luz central da casa fora desligada deixando tudo às escuras, e, as pequenas crianças, começaram a gritar por socorro a plenos pulmões. O tio tentava a todo custo acalmá-los dizendo que neste exato momento estava entrando na casa e que iria ao pátio lateral da casa e pegaria o monstro.
A escuridão era incrível e realmente negra. Não se via nada em uma pequena distância. O tio ia à frente da turma, pé ante pé, tentando espreitar todos os cantos visíveis da casa, até chegar ao pátio lateral da casa. Quando ele adentrou, e, deu os primeiros passos no pátio foi recebido por um jato de água fria, vindo de uma balde e que foi suficiente para que ele desse um grito por socorro, num papel ridículo, ante as perplexas crianças que sem entender exatamente o que se passava, passaram a gritar junto com o tio em busca de socorro.
Todos correram em direção à porta de saída da casa. Chegaram ao pátio da frente da casa e quando olharam a figura ensopada do tio caíram na gargalhada, num riso histérico, sem motivo a não ser o do medo extremo.
Eu que assistia a tudo quietamente ria a não poder mais. Tinha combinado com o gárgula, meu irmão mais velho, que faríamos exatamente daquela forma. Eu mesmo tinha feito as perfurações dos olhos em uma camisa azul escuro, com uma tesoura. Fomos anistiados, é claro, por minha mãe, e, meu pai que no começo ficara zangado com o tratamento dispensado ao meu tio que estava completamente encharcado e querendo justiça a todo preço.
- O gárgula ataca em noites frias e tenebrosas como esta, ficou sendo nosso jargão quando queríamos colocar irmãos e primos na linha, isto é, como a gente queria que as coisas acontecessem.
Um dia, todos os familiares na sala de estar, fomos eu e meu irmão, surpreendidos pelo meu irmão menor que veio com a camisa furada, com dois olhos, azul, a cor do gárgula, que ele achara ao remexer a gaveta de meu irmão mais velho, dizendo:
- Mamãe, olha o que achei.
Fiquei amarelo, com medo e cheio de culpa, a identidade do gárgula estava para ser descoberta. Baixamos a cabeça e ficamos esperando a punição, mas, o que veio foi um riso profundo vindo da alma de nossos pais, uma loa à criatividade dos filhos e à lembrança do cunhado totalmente molhado, encharcado por uma baldada de água, vinda das mãos do gárgula, Tony, encoberto por seu irmão Alé, eu. Riram que se acabaram de rir, ainda bem. Sempre dei graças a Deus pela sabedoria de minha mãe e de meu pai, mas, sei que esta foi por pouco. Ufa!

sábado, 14 de novembro de 2009

Rosinha.

Chegávamos cedo ao sítio. O terreno era plano em toda extensão frontal, isto é, o terreno ia plano até certo ponto e depois caia numa descida áspera e íngreme, que terminava no vale, lá embaixo, onde um córrego, represado enchia a piscina de madeira.
Fora construído um enorme barracão com grande mesa, bancos e cadeiras de madeira dali mesmo, na parte plana do terreno. Logo atrás desse barracão tinha uma casa de alvenaria, nunca usada, grande, com grandes quartos e como sempre vazia, servia mais de guarda tudo. Desde vassouras até alimentos, enlatados, carrinhos de mão, enxadas, foices, fios elétricos, camas, quadros, sofás nunca usados, cadeiras, e, tudo que podia trazer conforto, mas, se usava um outro conforto, o da rede, estendida de uma coluna de madeira, acariquara, para outra de sustento do barracão.
No barracão havia inúmeras cadeiras de macarrão, nas mais diversas cores, espalhadas no seu eixo maior, normalmente, colocadas mais perto do fogão e geladeira, talvez, que pela proximidade desses, houvesse facilidade em apanhar quaisquer produtos de dentro, principalmente da geladeira, tanto de noite quanto de dia. A mesa era grande, de uns vinte lugares. Ali se faziam as refeições e reuniões, quando se dormia por lá. Bom era acordar, bem cedo, sentindo o cheiro do café coado e da tapioca sendo feita. O galo lá longe cantando, acordando todo mundo. É hora de acordar.
Chegávamos cedo e logo nos deparávamos com um casal de araras azuis que invariavelmente vinham logo, logo, nos dar bom dia. Era infalível a vinda do par. As penas eram azulzinhas e o casal vinha atrás de comida, servida na mão, e, depois, talvez em agradecimento, ficavam por ali, brincando e se exibindo, um para cada lado, até que numa determinada hora que nunca sabíamos, se reunia e ia embora, primeiro para uma jaqueira próxima e quando menos esperávamos não as víamos mais.
As araras têm um senso familiar extremamente aguçado. Vivem juntos, depois de escolhidos os parceiros, por muitos anos, numa lealdade sem fim, até que a morte de um dos dois ocorra e não demora muito, não, o remanescente logo também desaparece, morre também. É assim tão simples. O companheirismo é tão grande, e, a dependência emocional tão forte, que cria em qualquer separação, uma anulação real de vida no outro companheiro.
A Rosinha, era o nome da fêmea, vinha me receber todos os dias quando chegávamos ao sítio. A minha família ficava admirada da empatia entre nós, o que ocasionava ciúmes na arara, quando eu não lhe dava muita atenção por qualquer motivo e então, nesses momentos ela vinha para perto de mim e me bicava as mãos ou mesmo os ombros quando ela estava nos meus ombros, chamando-me à responsabilidade de tê-la cativado, como queria o pequeno príncipe de Saint Exupéry . Era uma bicada carinhosa, mas, dolorida, a me avisar que aquele momento era para ser dedicado exclusivamente à manutenção de nossa amizade, e, então, o jeito que eu tinha, disfarçando por meu erro de relaxamento, era de oferecer alimento em minhas mãos, o que era aceito por ela, prazerosamente, me desculpando e me ensinando que tudo é desculpável.
O tempo, às vezes nosso amigo, às vezes nosso inimigo, passou e um dia a Rosinha não veio nos receber. A tristeza foi grande. O imaginário trabalhando dentro de um raciocínio dava a certeza de que a Rosinha tinha voado para mais longe, aonde não podíamos ir. O caseiro, então contou-nos que o macho morrera e que a Rosinha tinha desaparecido, ele não tinha achado seu corpo, depois de uma semana de muita tristeza da parte dela. A natureza fazia e realizava seu papel. Não teríamos as araras a nos receber, ora alegres, ora agressivas, ora recolhidas, e, agora nos mostrando que é possível conviver pacificamente e viver intensamente a vida do momento, do agora, do presente, como os vividos, apesar da temporalidade da vida.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Hora de recolher.

Sentado na varanda de meu apartamento, deslumbro ao longe, lá no horizonte uma nesga do rio Negro, exatamente no encontro das águas negras do rio Negro com as barrentas, no fulvo de suas águas, do rio Solimões. É uma luta eterna. Faz tempo que Netuno abandonou estas paragens e deixou para os dois rios o resultado da luta. Um não consegue entrar nas águas do outro, numa visão espetacular, que chama os turistas e mesmo os nativos a passearem no lugar, e, que prescinde do tempo como marca. A luta continua dia após dia, anos após anos, numa luta interminável, sem vencedor.
A chuva cai pesadamente. Permaneço lá, sentado, respeitosamente, esperando que a natureza se apiede e não dure muito tempo. Realmente, agora, não se vê nada na distância de um metro ou mais, além da brancura dos pingos compactos neles mesmos, e, que condensam a visão em uma faixa sólida, branca não clara, não transparente. São pingos grossos que fazem barulho no telhado no barracão que abriga a TV, reprodutora de sinal de televisão, nossa vizinha, tão alto que penso ser algo muito grande que está para chegar até o lugar onde estou ou que alguma cachoeira acabou se instalando aqui por perto.
Lembro imediatamente de um hino da igreja batista, onde cresci, que diz:
-“Guarda o marinheiro no violento mar...”
E, lógico, peço a Deus que guarde o marinheiro, onde estiver, no imenso mar, violento ou não, no rio mar, o rio Amazonas, com suas ondas enormes, com mais de quatro metros, quando o rio está iracundo. Nessas horas os barcos e mesmo os navios que passam por lá são sacudidos violentamente por procelas grandiosas, que bramem estrondosas, sentindo a dificuldade que é enfrentá-lo.
Os pássaros contumazes a freqüentar aqui esse lugar, há muito se recolheram a lugares seguros. Aqui e ali, uma buzina de carro anuncia sua presença, na rua abaixo, a outros evitando abalroamento entre eles, e, os jogos de luzes são ativados para a segurança no trânsito.
Um raio corta, horizontalmente, de leste para oeste, o céu inteiro e dá a impressão de cair ali perto. Penso no gnomo a procurar o pote de ouro. No fim do arco-íris tem um pote de ouro. Mais tarde, quando ameniza os pingos de chuva, um arco-íris aparece no céu, cortando-o. Lá no fim deve ter um gnomo procurando seu pote. Um trovão forte, Tupã, cai e grita forte que ele é quem manda ali. Jaci, a lua, timidamente aparece lá longe, na fineza dos pingos que agora são bem amenos, com o abrandamento da chuva, dando a impressão que o lado feminino da natureza se manifesta. A prata de seus raios começa a branquejar as ruas e a moldar os edifícios, como sombras, cinzas, ao longe. Imagino a correnteza do Amazonas, agora, forte neste momento, cortando, agredindo a terra, derrubando tudo por sua frente, inundando impudicamente a terra, debruçando-se, se exibindo como força, derrubando e arrastando árvores que desnudas vão sendo levadas no bojo, no meio da volúpia das águas, entregues, sem questionamentos numa concordância eterna.
O tempo melhorou. A chuva agora está bem fininha. O cheiro da rua, do asfalto molhado, sobe até onde estou. Lá longe as águas continuam a bramir e a correr mais brandas. Um pássaro ousado passa voando desafiando a sorte. Um mini raio cai longe. Penso: é tempo de me recolher.

Cardume.

Era um cardume volumoso. Todos os peixes se curvavam e prestavam loas à liderança do grande peixe. O peixe era gordão, inchado, rico, e, cheio de vida, rodeado de peixes, subservientes, a toda hora, e, tendo o que quisesse a todo o momento. Ele fora guindado a esta fase de sua vida depois de muito trabalho, muita corrupção, muito roubo de todas as maneiras, que iam desde idéias tiradas de outros, até a criação de um imposto, quando teve poder, para poder custear suas necessidades que eram tantas e caras. O séquito era enorme e precisava de manutenção diária. O robalo, o pirarucu, a sardinha que tinha evocado sua popularidade como suporte a manutenção de poder, o peixe pedra, a orca, com sua fama de má, assassina, e, assim, com seu enorme poder de persuasão, com seu tamanho gigante, raivoso, e, que agora prestigiava o tubarão como rei dos mares, mas, que armazenava em seu coração a vontade política de ser o rei, o maior e líder de todos os peixes que compunham o vasto reino submarino onde o maior era medido pela força física, disposição de vencer e desinibição quanto o desvaler das sinceras e dignas fontes de administrar o reino. O desazo, de ver a realidade e de ter o poder de transmitir aos outros, do tucunaré era de dar pena. Os outros companheiros bem que tentaram apoiar, no começo, as idéias inovadoras dele, mas, depois, perceberam que o tubarão, à força, determinava o ritmo e o destino dos demais.
O medo e o pensamento negativo de que nada dava certo quando se ia contra o que determinava o tubarão, começou a ter uma espécie de reação positiva entre os peixes comuns. Tinham pena do tucunaré porque ele tinha os mesmos pensamentos deles, mas, afirmavam que o destino era maior e que não tinha jeito, tinha que ser como o tubarão determinava.
- Amanhã o tubarão quer todos os peixes do reino só comam o que tiver oxigênio na composição alimentar, pois, ele julga que outros componentes são perniciosos à saúde, disse o pirarucu ao bodó, que, estava justamente cavando uma toca para alojar um aparentado que chegara de Belém, e, que não tinha onde ficar. Escolhera um barranco perto do seu, lugar seguro e tranqüilo onde a poluição e maus elementos ainda não tinham chegado.
- Quem ele pensa que é para querer mandar até na nossa comida?
- Ele é o rei de todos os peixes e devemos obedecer, primo, senão, não sei o que pode acontecer.
- Ele que se dane. Temos um banquete nos murerus e marquei para hoje ao anoitecer, essa festa, e, não vou mudar só porque ele quer. Os convidados sabem a delícia que é comer algo que contenha nitrogênio e oxidantes na composição.
- Tome cuidado, as paredes têm ouvidos e contam tudo...
- Pouco ligo para elas.
- O tubarão é um peixe ruim e péssimo quando se sente traído ou acuado. Tem poderes políticos e está muito bem com os outros peixes que concordam com tudo que ele diz.
- Sei que existe molecagem, que consiste em perseguir os outros que são inocentes forjando provas quando não há evidências. Se alocam provas onde elas não existem.
- Só estou dizendo, tome cuidado, porque hoje tudo é muito difícil. Que até as estrelas, que nós não vemos daqui debaixo d’água, são testemunhas contra nós que fazemos corretamente nossas obrigações. Ainda existe, também, peixes ruins que aproveitam isto que estou dizendo para fazerem-se passar por bons peixes sem serem.
- Que os céus caiam sobre o mar e rios se um dia isto não for revisto e a justiça não for feita.
Um dia a festa do tubarão acaba e a liberdade de expressão e de ser, vai ser a tônica da felicidade, da comunhão entre os peixes, grandes e pequenos, e, que em todas as águas seja obrigado a felicidade fazer parte integrante da vida de todos os peixes do mar ou de água doce ou seja do lugar que for.
- Veja os peixes inocentes não podem sair às ruas e viver, têm que ficar trancados em casa, em suas tocas e recintos de dormir sem reclamar, pois, os dono das ruas é mandam. Eles espalham o medo com suas forças e com suas substâncias viciantes e estão em todos os lugares, vigiando e determinando quem passa, quem pode e quem não pode. Quem é e quem não é.
- Ah! Um dia isto acaba. Um dia poderemos sair e nadar para onde quisermos, à vontade, falarmos o que quisermos e termos nossa vontade de ser, realizados em qualquer circunstância. Não podem dominar comunidades para sempre. Vamos nos organizar e colocarmos todos eles para fora do reino.
- Vamos ter fazer uma eleição.
- Tais brincando. É claro que isto nunca vai acontecer. Eles que mandam. Somos apenas um grupo em menor número. Um dia isto muda e poderemos votar em peixes realmente honestos e que se preocupam com toda a população em qualquer mar ou rio do globo terrestre.
Maranata, Senhor.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Saudade.

Ah! Beatles da minha puerícia e começo de minha adolescência, tão ricos em ensinamentos tendo o questionamento como o cerne da comunicação, comprometimento que acabou por acompanhar-me pelo resto da vida. Agora mesmo ouço Paul MacCartney cantando Yesterday tão claro e sólido como o grito do Help pedindo ajuda a quem pudesse ajudá-lo e agora que minha vida parece se apagar nos caminhos da vida grito, também, help bem alto a ponto de minha filha sentada ao meu lado me olhar assustada, explico, é que estou com o alto-falante de ouvido no máximo e, então, falo, falo mais alto que o costume. Help me, anybody... Vou falar mais baixo, prometo.
Miss Lizzy, ô rock bom. I want to hold your hand… A tickect to ride, In my life, a minha predileta, I need you… You don’t realize how much I need you… I need you. You gonna loose that girl, sim vou perder aquela garota, sim vou perdê-la, mas, outras aparecerão. Sim é a vida. Minha filha faz um sinal para cantar mais baixo. Estou perturbando. É nímio de implicação. Estou flutuando e a cabeça rodando em uma velocidade incrível, que coisa linda, tenho que baixar o som e tentar falar mais baixo.
Beatles que mudaram o mundo e a mim, ei, parece que o Mozart se intrometeu nas músicas dos Beatles. Sai Mozart. Caramba, essa lista está uma bagunça, imagine que agora quem canta são os Cantores de Ébano, Green Fields, flutuo mais, e, vôo mais longe, volto à minha infância, Tony, meu irmão mais velho, que vocal, sentados, um de frente ao outro, na sala, que eu não sabia que um dia ao regressar ... e que o encanto, a paz e o calor tornar-se-iam em pranto e amargo. Que santa bagunça. Ô leva eu, minha saudade.
Ah! Taiguara, hoje trago no meu corpo as marcas do meu tempo, o fim do mundo, olhar de imagens distorcidas, minhas mãos enfraquecidas e vazias... noites frias sem você... tenho medo, acordo e te procuro, hoje... Que lindo, continuo a procurar para sempre, é sorte eu não queria e não quero ver a juventude assim perdida, e, continuo procurando uma gente que não viva só prá si. Gente amarga é o que mais tem no mundo, nessa vida sem amor. Ficamos cegos sem amor.
Saudade de um tempo que se foi, de tantas Marias, luas, praias, areias, noites de verão, água, luar, seios doces, lugares que passaram, violão, e, cachaça. Noites quentes, sonhos, esperanças, juventude.
Acabei aprendendo a ser humilde como nossa gente que vive nos bairros, nos interiores, nos mais longínquos rincões de minha terra. Tentando recuperar as ilusões de que um dia tudo vai mudar prá melhor. O que resta é a realidade do amor no corpo de uma mulher, amanhecendo o dia, que bom, ver o sol nascer.
O passado foi muito bom, mas, o futuro vai ser melhor por causa do presente autêntico, esse que vivo hoje e agora, que é o melhor momento de todos, com minha família, filhos, netos, consubstanciando, solidificando as relações para sempre, para mais tarde sentir saudades. Saudades.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Ainda me emociono.

Emocionei-me lembrando dos anos, alguns atrás, vividos por personagens dignos de registro, que conseguiram em seus tempos imporem a vontade correta dos destemidos, dos corajosos, dos que não se conformam com decisões tomadas e assumidamente deterioradas como a violência interna dos países que intentam hiperplasiar-se expandindo seus territórios a outros que não pertencem a eles próprios, aumentando o número de território e lugares, e, que causaram impacto histórico mudando por completo o curso de seus países e os sonhos de uma multidão que não concordava com a posição sempre precipitada de seus governos.
Martin Luther King e seus comícios. Um discurso de tremendo impacto para a segregação racial:
- “Eu tenho um sonho...”
John Lennon e seus refrão contra a guerra do Vietnã e depois do Camboja:
- “Dê uma chance à paz...”
Nelson Mandela e seus gritos contra o apartheid:
-“Abaixo o apartheid”...
Chico Buarque aqui no Brasil com suas canções:
-“Apesar de você, amanhã vai ser outro dia...”
O aglomerado hippie de Woodstock com seu “paz e amor”. “Faça amor e não guerra”.
Enfim, emocionei-me com tanto quanto o homem em sua percepção do correto foi capaz de fazer e será. Fiquei imaginando o quanto de acovardado ficamos em nosso dia a dia em fatos bem menores quando nos omitimos e permitimos injustiças e nos recolhemos a nossas tocas onde hibernamos socialmente, sem a noção clara que nossos irmãos sem nosso saber e luz estão a necessitar de alguém que simplesmente fale e grite as suas necessidades. Fiquei pensando o quanto nos distanciamos dos ensinamentos de Jesus, o maior revolucionário jamais aparecido na História:
- Amai vosso próximo como a si mesmo...
Então, assim, talvez conhecêssemos na íntegra a intensidade do grito de Lennon, Luther King, Mandela, o movimento hippie, Jesus, e, saberíamos porque a guerra acabou, porque Gandhi libertou seu povo da opressão inglesa, porque a segregação social nos EUA diminuiu a ponto de hoje possuir um presidente negro, porque a África aboliu o apartheid e porque a não violência se sobrepôs à violência e aos interesses de governos e pessoas que impunham suas regras como as mais perfeitas e conhecedoras das necessidades do ser humano sem terem noção alguma da vivência do que é a leveza do ser, do viver em amor.
- “Dê uma chance à paz...”
- “Amai o próximo como a si mesmo...”
- “Abaixo o apartheid...”
- “Não à violência...”
Emocionei-me e ainda me emociono com o discurso de Luther King, principalmente neste texto:
- “Eu não esqueci que alguns de você vieram até aqui após grandes testes e sofrimentos. Alguns de você vieram recentemente de celas estreitas das prisões. Alguns de vocês vieram de áreas onde sua busca pela liberdade lhe deixaram marcas pelas tempestades das perseguições e pelos ventos de brutalidade policial. Você são o veteranos do sofrimento. Continuem trabalhando com a fé que sofrimento imerecido é redentor. Voltem para o Mississippi, voltem para o Alabama, voltem para a Carolina do Sul, voltem para a Geórgia, voltem para Louisiana, voltem para as ruas sujas e guetos de nossas cidades do norte, sabendo que de alguma maneira esta situação pode e será mudada. Não se deixe caiar no vale de desespero.

Eu digo a você hoje, meus amigos, que embora nós enfrentemos as dificuldades de hoje e amanhã. Eu ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano.

Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença - nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos, que os homens são criados iguais.

Eu tenho um sonho que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos desdentes dos donos de escravos poderão se sentar junto à mesa da fraternidade.

Eu tenho um sonho que um dia, até mesmo no estado de Mississippi, um estado que transpira com o calor da injustiça, que transpira com o calor de opressão, será transformado em um oásis de liberdade e justiça.

Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje!

Eu tenho um sonho que um dia, no Alabama, com seus racistas malignos, com seu governador que tem os lábios gotejando palavras de intervenção e negação; nesse justo dia no Alabama meninos negros e meninas negras poderão unir as mãos com meninos brancos e meninas brancas como irmãs e irmãos. Eu tenho um sonho hoje!

Eu tenho um sonho que um dia todo vale será exaltado, e todas as colinas e montanhas virão abaixo, os lugares ásperos serão aplainados e os lugares tortuosos serão endireitados e a glória do Senhor será revelada e toda a carne estará junta...”
Este sonho foi possível, e, nós não podemos deixar que todos os projetos de não violência, preservação do planeta e de oportunidades na vida sejam dadas às crianças e ao povo do mundo inteiro, e, que as crianças da Nigéria não morram mais de fome e que a tecnologia seja usada para o bem comum e que o capital deixe de ser o principal motivo de vida, e, que principalmente o amor seja o grande propulsor do desenvolvimento, preenchendo as necessidades reais do ser humano.
Maranata, Senhor.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Sem Tempo.

A vida era uma verdadeira correria, não tinha tempo para nada, nem mesmo para o dentista, assim, estava quase perdendo um dos molares que o molestara algum tempo atrás e que por falta do tal do tempo, piorara sensivelmente o dano ocorrido por total abandono.
Reunião atrás de reunião. Negócios das mais variadas tendências e ele lá, duro na queda, escutando, dando opiniões, discordando, ganhando a cada minuto o que um trabalhador ganharia no mês inteiro, a gordura acumulando, por que não tinha mais tempo de exercícios, as brincadeiras de fim de semana com a família há muito desaparecera e agora mesmo, com pequenas pontadas no meio do peito e com extensão para o braço esquerdo, não poderia mesmo, nem que quisesse parar até para qualquer tipo de exames. A dor vinha e ia embora e nada acontecia. A rotina, recheada de falta de tempo, o desligava constantemente do que se imagina vida.
Neste intervalo, entre uma reunião e outra, comendo um sanduíche de carne, ovos, bacon e alface, acompanhado de coca-cola, pensava o quanto Deus lhe abençoara na vida. Há quarenta anos trabalhando e fabricando essa realidade financeira, boa, pois, podia ter quase tudo na vida, isto é, podia comprar quase tudo e completamente consolidado e respeitado por este sestro que se tornara o seu trabalho, a despeito da família, que se resumia em um encontro fortuito no final do ano e apenas por algumas horas, quando não era obrigado a estar em reunião emergencial, ou viajando, e, portanto, cada vez mais longe das pessoas que ele dizia amar.
Pensava na beleza da esposa, mesmo agora depois de todos esses anos, sempre pronta e bela para ele, e, o danado do tempo a roubar-lhe a delícia que era ficar com ela, mas, por outro lado havia uma compensação em tudo isto o que tornava as coisas mais fáceis de aceitar. Ela tinha todo conforto e o que queria da vida, fosse o que fosse. Os filhos, embora não os visse com freqüência passeavam constantemente por suas retinas e se desenhavam às vezes até no meio dessas malditas reuniões como se fora simples filme ou mesmo um sonho. As feições já não eram tão nítidas e nestas horas ele se esforçava para ter a lembrança clara de cada um deles.
A mente retornou os quarentas anos até a noite dentro de seu primeiro iate, onde ela, sua esposa, na época namorada, já o esperava quando chegou. Era um barco grande e desenhado para suportar as águas doces do rio Amazonas. Nessa noite, especial tinha pedido ao comandante uma reduzida tripulação e o retiro para uma das praias no próprio rio Negro, que era o que mais lhe agradava, pois, havia poucos carapanãs, mosquitos da região que em nuvem eram bastante irritantes.
O barco dera uma volta até o encontro das águas, retornara e passara defronte à Manaus, que dali vista toda iluminada, se assemelhava a um grande oásis iluminado, na imensidão do céu escuro fundido com a floresta a seu redor e com o próprio rio tão escuro quanto seu nome.
O comandante o ancorara em uma praia, baía formada por trás do istmo que adentrava a água. Ali o barco estaria seguro não só de tempestades, mas, também de curiosos. O iate estava no talvegue maior, de maneira, que para chegar-se à praia ter-se-ia que ir de canoa. O vento da noite, o som ambiente, o bom vinho, o carinho do namorado, futuro esposo e a comida deliciosa embalavam e empurrava o sonho da moça a se tornar realidade.
Os beijos, contatos, sussurros e gemidos...
De repente, voltando à realidade, sentira a cabeça rodar, seus pensamentos não fixar em nada, a dor aumentar substancialmente, mas, tinha que voltar para a última reunião do dia, depois iria para casa e com sorte ela estaria acordada, tanto que o sanduíche caíra de sua mão e com esforço conseguira colocar a lata de coca-cola na borda da mesa. Levara a mão ao peito como querendo aninhar a dor e queria chamar seu amigo que conversava animadamente com outro, de costas para ele, mas, o som não saíra de sua boca. O sangue agora não mais chegava a contento na periferia do corpo e ele caíra no chão, em lipotimia, desmaiado, fazendo um barulho alto. Os dois outros viraram e rapidamente correram para socorrê-lo e ele que não estava mais raciocinando, e a respiração acelerada e a cianose dos lábios indicavam que ele não estava bem.
Dez dias depois, estava de alta. Fora safenado e a cirurgia ainda incomodava obrigando-o a andar um tanto curvado para frente. Incrível como tinha tido tempo para os exames e para a cirurgia de reparação do infarto que quase o tirara a vida. A confrontação com a morte, pensava ele, o ensinara que nada nímio serve para coisa alguma e que o tempo é a gente que faz.

domingo, 8 de novembro de 2009

Rei sem Coroa.

A mesa, ao lado, estava ocupada com uma família composta por cinco pessoas. Um pai, uma mãe e três filhos, um menino e duas meninas. As crianças pareciam robôs. Todo gesto necessitava da aprovação do pai que fiscalizava até os pensamentos das crianças e da pobre moça, sua esposa, que agora mesmo se esforçava para satisfazer as vontades do marido. Ele era grande para a sua geração. Devia passar quase uns trinta centímetros do mais alto conterrâneo, o que não justificava a forma de expressar, seu comportamento de amor ou ódio, em relação àqueles que ele julgava como família. Aparentemente as crianças tinham pavor e terror dele tanto como pessoa tanto quanto de pai. A ordem tinha que ser cumprida à risca e a mãe, coitada, só aplaudia o erro, ou pelo menos o que ela julgava errado, na educação, mas, não tinha coragem para expressar, e, permanecia ali quieta, esperando a aprovação do marido.
O mais velho não parava de olhar as outras crianças brincando no parquinho, no pula-pula, na piscina de bolinhas, na escada de cordas, no escorregador, e, ficava ardendo com a vontade de ir também brincar lá, mas, sua vontade era enfarruscada com o rosto severo do pai que agora olhava para ele como se estivesse lendo seus pensamentos. As duas meninas tentavam sublimar seus desejos de brincadeira comendo gulosamente um dos pedaços de pizza que viera à mesa. O pai já mandara a garçonete voltar e trocar por duas vezes as cocas-colas das meninas, pois tinham que ser light e a garçonete as trouxera normal. Ele tinha falado grosseiramente e a garçonete mais que depressa atendera quase de imediato o pedido temendo confusão.
Que infelicidade, pensei. Não é na disciplina exagerada que a felicidade reside. O sofrimento psicológico e o constrangimento de ser manipulado eram patentes e nada havia para ser feito, pois, necessitaria da aprovação da família como um todo e esta estava totalmente desfiada, dilacerada por ordens incompreensíveis. Que pena, para as crianças, continuei pensando.
A bagunça na outra mesa perto da nossa, promovida pela alegria incontrolável de outras crianças que gulosamente e prazerosamente devoravam seus pedaços de pizza, com refrigerante, era exatamente o contrário da mesa anterior. O pai, com um enorme rabo de cavalo, brincava com os quatro meninos e com a mãe, pareciam felizes. Antes da chegada da pizza as crianças tinham exaustivamente brincado no pula-pula e no escorregador e a mãe atenta observava constantemente os movimentos delas, protegendo-as. Observei que a felicidade era algo palpável ali no seio daquela família.
Olhei para o meu neto, com sua boquinha completamente recheada de pizza, e, fiz uma careta para ele que me respondeu com outra. Ele estava sentado bem à minha frente, ao lado de sua mãe. Senti-me feliz por estar ali com os meus, em harmonia, em paz, sem a preocupação de afirmação de autoridade ou a extrema manifestação de autoridade sem amor, e, sim uma discipulada pelo medo e infusão de ódio no psicologismo daquelas crianças.
Terminamos e quando me enderecei à saída, defrontei-me obrigatoriamente com o autoritário pai e sua acuada família, que agora, com as crianças cabisbaixas, se equilibravam na linha paranóica da normalidade. O imperador, ereto, orgulhoso de ser ele o mandatário do poder familiar e cegamente obedecido, sem saber que mais tarde a vida cobrará a falta de equilíbrio e então ao me virar, na direção da saída, me deparei com a outra família sorridente, cheia de vida, expressa em suas brincadeiras, e, vi o rei sem coroa, feliz de comandar sem nímio esforço sua própria comunidade e imediatamente me identifiquei com essa e saí da pizzaria feliz de também não possuir coroa, nem reino, e, sim fazer parte da maior e melhor universidade que existe no mundo que é a família, essa comunidade espetacular, a nos ensinar dia após dia o bê a bá da vida.

sábado, 7 de novembro de 2009

Caridade.

Era um rapazola, talvez uns treze anos. Desazo andava descalço pelas ruas da cidade e vestia-se com incúria. Não teve, nem si deu tempo, de puerícia sadia. A lata de cola, companheira de longos anos, sempre às mãos. Quando em vez a levava por volta das narinas e inalava-lhe os eflúvios que de dentro viam. O sestro tinha-lhe dominado por completo a vida e mesmo um fâmulo da loja que vendia a cola, penalizado aconselhara-o a largar o vício, mas, qual o que. Quanto mais falavam mais vontade tinha de se sentir entorpecido.
Alguns policiais, no começo, tentaram-lhe ajudar.
- Mano, da próxima te levo prá dormir lá com os outros meninos, na casa de recuperação. Volta prá tua mãe...
- Tem mãe, não. Tá bom assim. Pô, meu.
E saia correndo se embrenhando pelas ruelas do centro. Quando a noite chegava e o escuro vinha reunia-se aos outros andarilhos, numa pequena multidão de delinqüência latente. Buscavam até encontrar casas abandonadas ou no próprio centro ou no máximo na periferia do centro. Pequenos furtos, às vezes, assaltos em grupo os tornavam temidos por moradores locais.
Um dia o pequeno parou em frente a um restaurante e ardentemente desejou comer alguma coisa que cheirava bastante bem. Era cheiro de carne assando na brasa de uma churrasqueira. O ácido gástrico começou a fazer seu trabalho e a fome aumentou. Tentou entrar, mas, o segurança o expulsou prometendo uma surra se ele ousasse voltar. Quando se dispunha a sair, um senhor se aproximou e perguntou se ele queria comer alguma coisa.
- Quero, meu.
Daí em diante, todos os dias seguintes, até uma semana depois, o senhor pagava-lhe o prato de comida, o qual era devorado quase que instantaneamente pelo rapazinho. Numa segunda feira o velho perguntou-lhe se ele desejava morar em um sítio que ele possuía e que estava necessitando de ajudantes e que, se ele aceitasse, poderia também ir para a escola que ficava perto do terreno do sítio, na verdade uma espécie de chácara, com um lindo pomar na frente e que ladeava a estrada que terminava na frente da casa maior.
- Quero, meu.
A idéia era afastá-lo dos outros meninos viciados e também da facilidade da obtenção da cola. Empolgado pela conversa do velho o garoto foi morar na vivenda. Moraria em uma casa ocupada pelo caseiro e sua família. Era uma casa simples de madeira, mas, limpar e organizada. O caseiro tinha de tudo dentro da casa desde o fogão até a geladeira. Do lado esquerdo da casa, quase no meio do terreno entre ela e a casa do patrão, a grande jaqueira avultava no cenário. Mais embaixo, pois, um declive no terreno conduzia a um pequeno vale que alguns metros depois ascendia novamente na forma de um outeiro. Aí nesse lugar as ovelhas pastavam e passavam o dia inteiro, sendo recolhidas ao anoitecer, pelo caseiro, para o curral.
O garoto observara as brincadeiras das ovelhas e bodes soltos no campo. Marradas e corridas, numa alegria sem fim. Sentado na cerca que contornava o vale, logo na subida do outeiro, ele teve uma idéia. Foi lá perto da churrasqueira onde se guardava os espetos grandes e alguns médios. Cismou que os mesmos eram espadas e que as ovelhas eram monstros que deviam morrer e que ele estava ali justamente para proteger seu padrinho de tais horríveis criaturas. Escolheu um espeto grande e como se fora espada começou a trespassar algumas das ovelhas que acabaram por morrer. O caseiro ficara apavorado. O patrão só voltaria à chácara no final de semana e ele teria que conviver com o pequeno delinqüente até lá. Nenhum laivo de arrependimento apresentara o pequeno. Dormir nem pensar, pois, imaginava a encarnação do Jack, o estripador, ali perto a espreitá-lo. A noite foi longa, mas, logo ao amanhecer cavalgou, no malhado, um dos cavalos, até uns quatro quilômetros depois da saída da chácara, onde tinha uma vendinha, um pequeno armazém, uma taberna que vendia de quase tudo e que tinha um telefone público, posto ali pelo prefeito da localidade. Ligou para o patrão e relatou tudo inclusive o medo que estava de permanecer ali com tal criatura.
O patrão assim que soube e pode se dirigiu rapidamente até lá, mas, o garoto já tinha fugido e nunca mais foi visto, tanto nas cercanias de lá quanto no centro da cidade, onde o velho achava que ele voltaria para se encontrar com outros meninos afins. Não adianta querer endireitar o mundo, se forçar acontecem tragédias, pensou o velho e dirigiu-se ao carro para voltar a sua vida de sempre, inclusive o almoço naquele restaurante, onde todo dia procurava na multidão o rosto do menino que tentara ajudar.

Humberto Michiles

Um café sempre é bem vindo. Um café forte, sem açúcar é claro, e, em boa companhia, boa conversa, ganha conotação de descanso, aprendizado, coleguismo, e, sobretudo, como no caso de ontem à noite, uma cola a mais na consolidação de uma amizade antiga.
Tenho estima por homens que conseguem impressionar outros. Conheci diversos, mas, um dos mais importantes, não por cargos ou riqueza, mas, por sua singeleza e compreensão da vida e da política, pois, não galgou super-cargos nem angariou tantos bens materiais, como instrumento de paz, ordem e progresso, e das mais diferentes necessidades humanas, principalmente aquelas dos interiores amazônicos onde o sofrer e a felicidade convivem de forma espetacular, servindo como verdadeira universidade a ensinar a compreensão, em sua totalidade, do ser humano em suas mais variadas formas e estilos.
Falo de um amigo de adolescência, amizade consolidada através dos tempos, quando íamos, sempre juntos, como irmãos, ao Colégio Batista Ida Nelson, naquele tempo colégio e não instituto, chamado Humberto Michiles, ou melhor, Darcy Humberto Michiles. Esse nome Darcy, que ele carrega com orgulho, pois, herdade de seu pai, implica em fazer valer o esforço desmedido de um Homem, com H, na colonização de uma das mais importantes cidades Amazonense, Maués. É uma história bonita, digna de edição, nos idos do começo do século XIX. Lhano, seu pai, palavra empenhada, nunca voltava atrás nem se dobrava ao lenho dos poderosos. Herdara de seu pai, o velho Donga, a fazenda, mas, preferia a luta política pelo bem viver dos seus conterrâneos, às vezes, à custa de desgastes sem par, mas, que redundaram em algo maior, a paz em sua consciência, a ciência do dever cumprido.
Esse exemplo de tenacidade, vibração constante em servir e servir bem o povo de sua terra, Humberto, o Beto, como é conhecido, e a humildade que transpira nas mais variadas situações, como ter que compreender um ato ou atos de pessoas cuja veleidade é simplesmente tumultuar, roubar, e não como querem parecer, ajudar as pessoas em suas necessidades mais básicas, como a educação, por exemplo, área em que ele transita com desenvoltura, como fora um PHD, na saúde, na administração transparente e sem dolo, herdou de seus ancestrais.
Conta-se em boca miúda, que o velho Donga, avô do Humberto, uma vez, prometeu ajudar alguém em uma campanha para deputado estadual, e, para sua surpresa seu filho Darcy, o pai de Beto, resolveu na última hora se candidatar e foi pedir ajuda ao pai. Não obteve tal ajuda, o velho Donga tinha apalavrado que o Fulano teria seu apoio e assim foi feito. Por uma palavra dada negou apoio ao filho, a política, a vida e toda sociedade necessita de homens assim.
Herdeiro de fato e de direito da honestidade, da vontade em servir, da lealdade, da verdade, e, do sonho de qualquer homem público, que ame seu próximo como a si mesmo, de deixar um legado, um laivo, no seu povo, que é o das boas providências, das boas legislaturas, das boas administrações, e a boa consciência de ter contribuído para um futuro melhor, sem um nímio esforço.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Amazonas.

O grande estado do Amazonas, ainda é um grande desafio para o preenchimento demográfico de todo seu território, este, prioritário do ponto de vista estratégico para a conservação de seu enorme território fronteiriço. Possui aproximadamente 1.570.745.680 km² e é um pouco menor que o tamanho dos nove estados do nordeste brasileiro. Faz fronteira, ao norte com a Venezuela e Roraima, com o Pará a leste, com o Mato Grosso a sudeste, Rondônia ao sul, e o Acre a sudoeste, com o Peru a oeste e Colômbia a noroeste. Possui a maior bacia hidrográfica e o maior rio do mundo, tanto em volume quanto em tamanho, o rio Amazonas. Esse nome Amazonas é de origem indígena, amassunu, que quer dizer “ruído de águas, águas que retumba”. Em 1541, Francisco Orellana descendo o rio deparou-se com uma tribo guerreira composta por mulheres com a qual lutou e associando-a com as amazonas do Termodonte, da mitologia grega, deu-lhes o mesmo nome, ou seja, Amazonas. Foi frei Gaspar de Carvajal que relatou a luta de Orellana com as amazonas, as icamiabas, que das margens do rio Marañon disparavam-lhes flechas e dardos, as zarabatanas.
É essa imensidão de terra que composta por floresta, com toda sua diversidade, sua flora e fauna que o caboclo, teimoso, tenaz, sobrevive à custa de sua força de vontade e ocasionalmente do favor tecnológico de alguma fundação, governo, ONGs, que fazem incursões a essas bases dando-lhes algum alento nas doenças, provisões e ações preventivas. Normalmente o caboclo, para sua sobrevivência, escolhe as barrancas, os beiradões, para fixarem suas casas e dali invadir a terra, a floresta, desbravando-a numa luta insana, porém, possível, dominando a natureza bravia.
As grandes distâncias entre uma casa e outras nos beirados do rio e a lonjura das vilas e cidades, dão ao destemido caboclo, uma paciência desmesurada de enorme valia quando têm que remar quilômetros e quilômetros, rio acima ou rio abaixo, para ir de encontro a um auxílio, ou para que possa vender seus produtos, ou de plantio, ou de pesca, trocando-os normalmente por produtos comestíveis e todo o necessário para seu trabalho com a terra e com o rio, enlatados, carnes, linhas de pesca, redes, arpão, zagaia, anzol, espingardas, balas de chumbo, machadinhas, enxadas, facões, fósforos, lanternas, querosene, e, todo tipo de produto que ajude-o a sobreviver nesse paraíso e ao mesmo tempo infernal lugar.
Lá vai ele, sob o forte sol amazonense, causticante, queimando sua pele, já totalmente abrasada, tanto faz se pelos raios ultravioletas ou por infravermelhos, remando em sua cadência constante, beirando o rio, pois, subia-o, evitando o talvegue, onde a correnteza é maior, alerta aos movimentos das aves, do vento, as nuvens, a posição do sol. Está indo a uma vila, a mais próxima comprar e trocar mantimentos. Sua esposa está grávida de sete meses, senão, teria vindo junto, ajudar na remada. Ela argumentara com ele, querendo ir, mas, ele irredutível dissera que não, pois, demandaria um nímio esforço. Saíra bem cedinho, pela manhã, com a alva ainda escondida, e, agora, os fulvos raios do sol começavam a aparecer e ele ainda não atingira nem um terço da viagem.
Chegou com o sol a pino. Depois de fechar negócios, dirigiu-se a uma taverna e pediu uma pinga. Tomou de uma vez. Sentiu o ardor da bebida descendo e queimando em direção ao estômago e pediu uma água. Depois outra pinga...
Resolveu que sairia uma hora depois e arrumando tudo na canoa começou a viagem de volta. Comprara um vestido para ela, para quando ela tivesse o neném e o corpo voltando à forma habitual. Lhano, ele tinha se controlado ao ver, em uma das passarelas da vila, uma moça que lhe dera sinal de simpatia, um verdadeiro convite ao amor, o que ele delicadamente negara se obrigando a desviar a atenção para outra coisa. Não queria que sua amada viesse a sofrer qualquer constrangimento se soubesse de algo assim, pois, era na própria vila que vez em quando vinham passear. Nas primeiras horas de viagem aproveitou a correnteza do talvegue e quando alargou preferiu seguir o barranco onde a correnteza diminuía, mas, era de grande ajuda na velocidade da canoa. Planejou chegar logo ao anoitecer. O dia era muito cansativo, mas, o rosto de alegria que ela faria vendo o vestido florido, animou-o a remar numa cadência maior. Pensou em sua vida, sua chegada a este lugar ermo e monótono, o conhecimento com sua esposa, o patrão, dono das terras, a pretensão de ganhar uma estrada na colheita da borracha, nas seringueiras nativas, mas, o patrão dissera-lhe para ficar mais dois anos limpando e cuidando deste lugar onde tinha a veleidade de mais tarde de executar um projeto, financiado pelo BASA, e, aí sim ele poderia ter sua própria estrada e melhorar sua vida e de sua família. Estava trabalhando duro.
Caro leitor, este pensamento do nosso caboclo é outra história, que prometo conto de outra vez, em outro capítulo, assim, por causa do tempo, voltemos a nossa história.
Chegou e por sorte a lua, com seus raios iluminava o íngreme caminho, do pequeno porto até o platô onde estava sua casa. Lá estava ela, a esperar. A barriga grande a dá-lhe um contorno roliço, mas, logo seu sorriso em sua face redonda revelou-se e ele ficou ali a esperar o abraço de boas vindas. Estava com o presente às costas e depois do abraço e beijo:
- Trôxe prá cê, querida.
- Num carece num, brigada.
Todo pensamento maldoso, acometido oito meses atrás, quando seu compadre viera visitar-lhe desanuviou e o carinho preencheu-lhe todo ser. A felicidade era total. O luar, os sons da floresta, grunhidos e piados, gritos e sussurros misturam-se naquele momento infinito em que seus corpo se tornaram mais uma vez um só com a natureza e com o universo.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Fonte de Alegria.

Hoje é o dia de lembranças aos mortos, de nossos mortos. Toda família, da mais abastada a mais simples, todas, tem um morto, defunto querido que um dia habitou entre nós e nos alegrou com sua presença. São bilhões de mortos no mundo todo a nos lembrar, silenciosamente, que nosso lugar de descanso real é aonde seremos enterrados ou colocados, como cinzas, pedaços, corpos inteiros nos cemitérios, enfim, o que fomos um dia e que necessita de entrar na grande cadeia de reciclagem universal, pois, Lavoisier com seu teorema sobre a vida diz que na natureza nada se cria e que tudo se transforma, o que vem de encontro ao pensamento bíblico, transformados seremos.
Aqui em Manaus, está enterrada a maior parte de minha família, talvez, o melhor dela. Minha mãe, minhas avós e avôs, tios, primos, um irmãozinho, minha sogra e sogro. Lá estão eles celebrando a vida, por nos lembrar constantemente as suas lembranças e suas vivências conosco, numa espécie de consolo cósmico, até o infinito. Lembro de minha mãe e seus bolos, tortas, panquecas, peixes, carnes e todo tipo de gostosuras que sedimentaram em mim a convicção que ninguém no mundo cozinharia melhor que ela. Principalmente, lembro dela me ninando:
- Oh! Que saudades que eu tenho
Da aurora de minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais...
Era Casimiro de Abreu. Dormia com o som de sua doce voz me acalentando até o sono, essa espécie de morte, chegar e me entorpecer.
Lembro do barco sendo combalido pelas vagas do rio mar, em um desses temporais tão comuns em nossos rios, e, ela ali, em um banco, cantando hinos, seus prediletos, invocando a proteção divina:
- Oh! Mestre o mar se revolta
As ondas me dão pavor
Os céus se revestem de trevas
Não temos um salvador...
As ondas atendem o seu mandar:
- Sossegai, sossegai.
Seja o encapelado mar
A ira dos homens, o gênio do mal
Tais águas não podem a nau tragar
Que leva o Senhor, rei dos céus e mar.
Pois, todos ouvem o seu mandar
Sossegai, sim, sossegai.
Ah! Que saudade dessa figura, criatura tão amada. Assim como de minhas avós. Cada uma com seu jeito próprio, mas, ambas amorosas, preocupadas em dar o melhor encaminhamento em nossas vidas. Os avôs, mais severos, mas, com corações cheios de bondade paciência a nos ensinarem a sermos homens. Faço um parêntese aqui para um panegírico à minha tia Branca. Pessoa incomum e amiga inseparável de minha mãe, sua irmã, também cozinheira de mão cheia nos deliciava com seus quitutes e sua meiguice nas soluções dos problemas que a vida armadilhava. Lembro que aos domingos, sempre à noite, depois dos cultos na primeira igreja batista de Manaus, íamos saborear a gostosura do filé alto com fritas e uma maionese que só ela sabia preparar. Os mortos fazem muita falta, pois, lacunas não são preenchidas.
Lá estão eles, como disse a nos lembrar de nossa pequena passagem pela vida, essa que vivemos em nível de consciência. Há uma esperança, pregada por quase todos os profetas, de um dia nos encontrarmos novamente, e, isso é uma questão de fé, e, fonte de alegria.

domingo, 1 de novembro de 2009

Esperança, Salvação.

“Crê no senhor Jesus Cristo e serás salvo tu e tua casa...”
Era um enorme painel pintado acima do umbral da porta e da janela de uma casa soterrada por um deslizamento no qual vitimou uma família, cujo pai, o esteio, morrera soterrado, e, que quando filmado a cena, da expectativa de repórter, vendo o versículo acima citado, pensei onde estava Deus, nosso criador?
Fiquei impressionado com o versículo acima da janela e da porta, invocando a proteção de Deus, a casa soterrada e Ele sem ter condições de resposta efetiva, deixando as toneladas de terra, ao caírem, soterrarem a casa e o homem. Vi o filho em uma entrevista, simplesmente, e, praticamente falar de um abandono total em todas as áreas da vida, tanto faz governo, em sua proteção social quanto o propósito de Deus para sua família.
Lembrei as imagens de morte por fome, na Nigéria, e, também as mortes dos tsunamis, na Ásia, e, triste escorreguei na idéia de que o homem estava só no universo. Deus se esquecera de sua criação. Os anjos e querubins partícipes da criação não mais se ocupavam com os homens. Os massacres étnicos na África também corroboravam com tal teoria, Deus se esquecera de sua criação. Os grandes terremotos e catástrofes, a maldade humana aliada a todo tipo de maldição ocorrida na terra, moradia dos homens, mostrada claramente nos magistrais poemas de Castro Alves, o Navio Negreiro e Vozes d’África, davam uma enorme sensação de solidão cósmica. Ouçamos a voz do poeta:
Ele nos traz na imagem de um albatroz a imagem vívida da aproximação do vôo do pássaro até chegar ao tombadilho do navio negreiro:
“Era um sonho dantesco o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho, em sangue a se banhar
Tinir de ferros... estalar de açoites ...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar.
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães.
Outras moças, mas nuas, espantadas
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoas vãs.
E ri-se a orquestra irônica e estridente...
E da ronda fantástica a serpente faz doidas espirais...
Se o velho arqueja e no chão resvala,
Ouvem-se gritos e o chicote estala
E voam mais e mais...
Esse é um trecho de grito de revolta de um poeta que continua em “Vozes da África”:
“Deus! Oh Deus onde estás que não responde?
Em que mundo, em que estrela tu te escondes,
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos mandei meu grito,
Que embalde, desde então, corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...
Entrei nessa. Onde estás, meu Deus? Tanto horror, tanta maldade, tanto domínio do mal, e, nós indefesos entre a eterna luta do mal contra o bem, como se fossemos, apenas uma casca de noz ao léu, no imenso mar da vida.
De repente, compreendi que os caminhos não são só de Deus e sim uma complicada combinação entre Deus, o destino, e, os homens. O homem tem uma grande participação, com seu livre arbítrio, no final da realidade social dele mesmo. Compreendi que o homem é quem decide, com suas decisões, o futuro da humanidade. Nisto consiste a grande responsabilidade do homem sobre o planeta e o universo. Nós fazemos os nossos caminhos. Infelizmente fizemos um que se não repensado gerará o fim do planeta e do homem.
Maranata, Senhor, talvez, aí haja uma esperança, uma salvação.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Tertúlias de Sábado.

Resolvemos nos encontrar aos sábados. Tertúlia capenga, pois, éramos somente o que sobrara de primeira família. Meu irmão mais novo, minha irmã igualmente mais nova e o nosso patriarca o doutor Manoel do Carmo Neves Silva. Tem oitenta e quatro anos, bem vividos. Dois casamentos e cindo filhos, na verdade era para ser seis, mas, infelizmente, um dia minha mãe, ao escorregar em uma pedra, dessas que compõe o cenário de praia, perdeu o equilíbrio e também o seu neném de seis meses de vida intra-uterina.
É um encontro muito bom. Permite-se falar de tudo, desde nossos medos e apreensões até vitórias no dia a dia. Não apenas vitórias, mas, suas conseqüências nas nossas vidas. Os quatro componentes ressentem a falta de dois. Um totalmente possível de freqüência, meu irmão mais velho, o Tony, que mora em São Paulo, mas, quando disponível se faz presente nas reuniões e de nossa mãe, essa não pode participar por não estar mais entre nós, o que é uma pena, pois, sei que se alegraria demais com essas reuniões.
Os membros permanentes são quatro, mas, éramos seis. A vida, é claro, se tornou capenga sem a nossa maior preciosidade, nossa mãe, nosso bem maior, que sempre, em todos os momentos, bons ou ruins estava conosco, nos orientando e nos mostrando a direção correta a seguir. A reunião seria de outro tom, com outra tonalidade. Tentamos nos superar na presença ímpar de nosso pai. Presença totalmente venerada naquele momento por todos nós, o que nos dá uma espécie de sublimação, superação de todos os problemas físicos e psicológicos. Ele representa muito bem a ela e supre totalmente essa falta.
Os assuntos são os mais diversos possíveis. Literatura, como nos nossos primeiros anos, quando nossa mãe nos embalava ao som de poesias de Casemiro de Abreu, Castro Alves, histórias de crianças, das mais variadas matizes, como a do Chapeuzinho Vermelho, A baleia assassina, O macaco e a velha, A bela adormecida etc...; também das histórias dos livros colocados nas prateleiras das estantes por nosso pai, coleções importantes como os Titãs, a Barsa, O Tesouro da Juventude, Machado de Assis, José de Alencar, Jorge Amado e tantos outros que fizeram a base de nossa literatura e nosso gosto pela leitura e o escrever também. Todo passado vem à tona nessas tertúlias. As puerícias, a adolescência de cada um, seus namoros, seus sonhos, suas diversões preferidas são logo desvendadas, revividas pelo carinho dos oitenta e quatro anos de nosso pai. O Tony, quando está, e, quando não, por telefone, Eu, Manoel Filho e Necil, ficamos ali a nos deliciarmos com a beleza do momento desse encontro sui generis, ouvindo a beleza de vida, que brota espontaneamente do coração de nosso pai.
Todos os momentos e peripécias de meninos e de menina são e foram revividos ali na mesa do café, no caso o Fran’s Café, ou o Le Café, ou o Café do Ponto, todos muito bons cafés, sendo o de minha preferência o Café do Ponto, porque, tem sabor mais gostoso do café que se sobressai ao aconchego do Le Café, do shopping Manauara. O prazer de tomar ou degustar um bom café só é ultrapassado pelo da conversa com nosso pai e líder. A oração é que consigamos ainda que por um momento continuarmos a ter essa oportunidade de conversa íntima com quem mais amamos na vida, nossa família, que está ficando capenga, sem alguns membros, cotó, perneta, mas, ainda operacional, e, mesmo assim, enquanto a luz não apaga a continuidade, o nosso aconchego é a maior conversa: a vida.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

1952.

Nasci em 1952. Bom ano para nascer, pois, o mundo se refazia da última grande guerra e se preparava para entrar numa era de muitas e rápidas mudanças, mas, como recém nato não podia nem tinha consciência disso, quero dizer, das mudanças político-sociais no mundo e do mundo, que acabaram por comprometer e mudar as bases familiares, a vida social, a moda, na sua complexidade, desde vestes até o modo de pentear os cabelos, o agir rebelde, pondo em cheque os ensinamentos e vivências dos mais velhos. O negócio é o seguinte: Os pais, homens, chegavam em casa bêbados e briguentos, frustrados por pertencerem a uma classe, a média, que apesar de propiciar alguma modernidade e aparência, não conseguia preencher os desejos totais de consumo que comandava a vida dos pais nessa época, então, eles descontavam suas frustrações em suas mulheres e filhos. Batiam nas esposas, nos filhos, sem a finalidade de correção, só para mostrar a si próprios que lá quem mandava não era o barrigudo, encrenqueiro e chato chefe da sua empresa, mas, ele, ele mesmo era o chefe e supremo comandante de soldados totalmente desgastados pela falta de moral dos seus superiores, que, obedeciam a seguinte norma: Faças o que eu digo, mas, não faças o que eu faço. As crianças, jovens e adultos, cresceram vendo e ouvindo todo tipo de ameaças às mães, e, então desazos diante de tal situação. O resultado foi o desenrolar de, igual uma bola de neve rolando, um total anseio de modificação do quadro. Para que casar? Para que ter filhos? Para que ser isso ou aquilo se tudo estava, às claras, desmoronando e ficando insuportavelmente deprimente.
Este é o pano de fundo de meu primeiro contato com o mundo. Tudo passando por uma transformação geral, transformação essa pressionada pela válvula de escape da panela de pressão social, a rebeldia. Vamos fazer o contrário do que as gerações passadas fizeram para ver como fica e também para ensinar-lhes que todo conhecimento e todo acúmulo de emoções passam pela burocracia das regras e das antipáticas leis, éticas não vividas por aquela geração em seu fim, pensava a emergente geração, da qual eu faria parte; o que produzia a maior e pior de todas as vendas de imagem: a hipocrisia.
A geração paz e amor; faça amor e não guerra; faça amor e não criança espelhava os novos pensamentos dos rebeldes. Flor no lugar de canhão, de murros, de gritos, de desespero, de falta de amor ao próximo, se tornou jargão cuja veleidade era somente demonstrar que era possível uma revolução mundial sem as farpas e sem as marcas diabólicas da guerra, cuja expressão maior era as crianças de Hiroshima e Nagasaqui, cujas puerícias dolorosas mancharam a história para sempre. O fulvo resplendor das bombas, e, depois suas cinzas fumaças ficaram nas lembranças da geração seguinte a aquela, e, mesmo assim, com toda reflexão a guerra do Vietnã foi feita e sofrida por jovens americanos que sequer entendiam a natureza daquilo tudo e que repeliam e repeliram nas pessoas de Elvis Presley, o cantor e Ali,o boxeador.

Sestros, é verdade, ficaram e se tornaram consubstanciados pelo tempo, como indestrutíveis. O maior exemplo é a interdependência dos laços familiares. Novas roupagens de relacionamentos foram firmadas e colocadas em prática, mas, não surtiram respostas aos anseios, por mudança, da nova geração. As amizades coloridas, o sexo, e, a devoção corporal, com seu culto ao corpo, forçou a descoberta de novos caminhos e rotas onde a tônica era a sinceridade da relação, a fidelidade, e, a entrada da mulher no mercado de trabalho, mudando, parcialmente, o conceito da mãe e mulher como trabalhadora do lar. Agora elas eram executivas, legisladoras, e, trabalhadoras conscientes de que o dever para com elas mesmas resultaria em uma auto-estima maior e mais prazerosa, e, ao mesmo tempo que suas novas ações criavam uma nova forma de educação, com sua saída de casa para o trabalho, de seus filhos que ficavam com babás ou começavam a usar as creches, empresas emergentes que tentavam preencheram essa necessidade e que acabaram por melhorar muito até chegar tempos atuais.
A fácies das famílias mudou bastante, mas, continua com o formato da mesmice. Aqui no Brasil a prova disto é representada em uma música de Belchior, um cantor cearense:
“... o que mais dói é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo o que fizemos,
ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais..”
1952 ano bom para nascer. 60’s anos bons para aprender e curtir. 70’s aprendendo sempre. 80’s entrada no mercado de trabalho. 90’s boas viagens e aprendendo sempre. 2000 novo século, nova visão. 2009 ano de continuidade.