segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Gárgula

À gárgula, um monstro pueril, não se impunha nenhuma regra. Era uma noite triste e tenebrosa como esta, dizia ele, para mim num diálogo impressionante, considerando a origem dele. Neste caso específico, era um gárgula, um masculino, bravo e totalmente rebelde, onde o que era natural não passava de um ícone impassivelmente imóvel, mas, para este, não. A rebeldia o transformara em um monstro noturno, capaz de incomodar e tornar a noite calma e pacífica das crianças em uma totalmente ameaçadora e cheia de medos e transtornos. Ele tinha a desenvoltura de uma onça ou tigre em seu próprio habitat. Andava em todos os lugares da casa sem ser notado. Realmente as pessoas normais não conseguiam o ver, a não ser em ocasiões bem especiais, como uma noite de lua cheia, ou uma de escuridão total.
A criançada ficava à volta da casa, na varanda e espreitava os locais prováveis de aparecimento do gárgula. Este gárgula desafiara a todos para um duelo e um de nossos tios resolvera desvendar este mistério e ele prometera que hoje à noite não passaria sem que ele desvendasse o mistério do gárgula.
Eles chegaram por volta das oito. O gárgula já aparecera a pelo menos três meninos que com medo gritaram o mais alto que puderam à vista de tal monstro. Ele viera deslizando pelo telhado lateral da casa e se fizera notar dando um cascudo em um dos pequenos, que agora gritava a plenos pulmões numa agonia de fazer pena, e, os outros sem entender nada também gritavam em um coro infernal.
- Este gárgula é um péssimo elemento, diziam todos.
Os tios e os primos tinham acabado de chegar quando a última aparição do gárgula se dera. O tio, português, se apressara a consolar os pequenos dizendo que desta noite não passaria a descoberta da identidade do tal gárgula. A lua prateava a rua, os telhados e a rua propriamente dita. O terraço da frente da casa estava totalmente iluminado pelo luar. De repente a luz central da casa fora desligada deixando tudo às escuras, e, as pequenas crianças, começaram a gritar por socorro a plenos pulmões. O tio tentava a todo custo acalmá-los dizendo que neste exato momento estava entrando na casa e que iria ao pátio lateral da casa e pegaria o monstro.
A escuridão era incrível e realmente negra. Não se via nada em uma pequena distância. O tio ia à frente da turma, pé ante pé, tentando espreitar todos os cantos visíveis da casa, até chegar ao pátio lateral da casa. Quando ele adentrou, e, deu os primeiros passos no pátio foi recebido por um jato de água fria, vindo de uma balde e que foi suficiente para que ele desse um grito por socorro, num papel ridículo, ante as perplexas crianças que sem entender exatamente o que se passava, passaram a gritar junto com o tio em busca de socorro.
Todos correram em direção à porta de saída da casa. Chegaram ao pátio da frente da casa e quando olharam a figura ensopada do tio caíram na gargalhada, num riso histérico, sem motivo a não ser o do medo extremo.
Eu que assistia a tudo quietamente ria a não poder mais. Tinha combinado com o gárgula, meu irmão mais velho, que faríamos exatamente daquela forma. Eu mesmo tinha feito as perfurações dos olhos em uma camisa azul escuro, com uma tesoura. Fomos anistiados, é claro, por minha mãe, e, meu pai que no começo ficara zangado com o tratamento dispensado ao meu tio que estava completamente encharcado e querendo justiça a todo preço.
- O gárgula ataca em noites frias e tenebrosas como esta, ficou sendo nosso jargão quando queríamos colocar irmãos e primos na linha, isto é, como a gente queria que as coisas acontecessem.
Um dia, todos os familiares na sala de estar, fomos eu e meu irmão, surpreendidos pelo meu irmão menor que veio com a camisa furada, com dois olhos, azul, a cor do gárgula, que ele achara ao remexer a gaveta de meu irmão mais velho, dizendo:
- Mamãe, olha o que achei.
Fiquei amarelo, com medo e cheio de culpa, a identidade do gárgula estava para ser descoberta. Baixamos a cabeça e ficamos esperando a punição, mas, o que veio foi um riso profundo vindo da alma de nossos pais, uma loa à criatividade dos filhos e à lembrança do cunhado totalmente molhado, encharcado por uma baldada de água, vinda das mãos do gárgula, Tony, encoberto por seu irmão Alé, eu. Riram que se acabaram de rir, ainda bem. Sempre dei graças a Deus pela sabedoria de minha mãe e de meu pai, mas, sei que esta foi por pouco. Ufa!

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