quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Tertúlias de Sábado.

Resolvemos nos encontrar aos sábados. Tertúlia capenga, pois, éramos somente o que sobrara de primeira família. Meu irmão mais novo, minha irmã igualmente mais nova e o nosso patriarca o doutor Manoel do Carmo Neves Silva. Tem oitenta e quatro anos, bem vividos. Dois casamentos e cindo filhos, na verdade era para ser seis, mas, infelizmente, um dia minha mãe, ao escorregar em uma pedra, dessas que compõe o cenário de praia, perdeu o equilíbrio e também o seu neném de seis meses de vida intra-uterina.
É um encontro muito bom. Permite-se falar de tudo, desde nossos medos e apreensões até vitórias no dia a dia. Não apenas vitórias, mas, suas conseqüências nas nossas vidas. Os quatro componentes ressentem a falta de dois. Um totalmente possível de freqüência, meu irmão mais velho, o Tony, que mora em São Paulo, mas, quando disponível se faz presente nas reuniões e de nossa mãe, essa não pode participar por não estar mais entre nós, o que é uma pena, pois, sei que se alegraria demais com essas reuniões.
Os membros permanentes são quatro, mas, éramos seis. A vida, é claro, se tornou capenga sem a nossa maior preciosidade, nossa mãe, nosso bem maior, que sempre, em todos os momentos, bons ou ruins estava conosco, nos orientando e nos mostrando a direção correta a seguir. A reunião seria de outro tom, com outra tonalidade. Tentamos nos superar na presença ímpar de nosso pai. Presença totalmente venerada naquele momento por todos nós, o que nos dá uma espécie de sublimação, superação de todos os problemas físicos e psicológicos. Ele representa muito bem a ela e supre totalmente essa falta.
Os assuntos são os mais diversos possíveis. Literatura, como nos nossos primeiros anos, quando nossa mãe nos embalava ao som de poesias de Casemiro de Abreu, Castro Alves, histórias de crianças, das mais variadas matizes, como a do Chapeuzinho Vermelho, A baleia assassina, O macaco e a velha, A bela adormecida etc...; também das histórias dos livros colocados nas prateleiras das estantes por nosso pai, coleções importantes como os Titãs, a Barsa, O Tesouro da Juventude, Machado de Assis, José de Alencar, Jorge Amado e tantos outros que fizeram a base de nossa literatura e nosso gosto pela leitura e o escrever também. Todo passado vem à tona nessas tertúlias. As puerícias, a adolescência de cada um, seus namoros, seus sonhos, suas diversões preferidas são logo desvendadas, revividas pelo carinho dos oitenta e quatro anos de nosso pai. O Tony, quando está, e, quando não, por telefone, Eu, Manoel Filho e Necil, ficamos ali a nos deliciarmos com a beleza do momento desse encontro sui generis, ouvindo a beleza de vida, que brota espontaneamente do coração de nosso pai.
Todos os momentos e peripécias de meninos e de menina são e foram revividos ali na mesa do café, no caso o Fran’s Café, ou o Le Café, ou o Café do Ponto, todos muito bons cafés, sendo o de minha preferência o Café do Ponto, porque, tem sabor mais gostoso do café que se sobressai ao aconchego do Le Café, do shopping Manauara. O prazer de tomar ou degustar um bom café só é ultrapassado pelo da conversa com nosso pai e líder. A oração é que consigamos ainda que por um momento continuarmos a ter essa oportunidade de conversa íntima com quem mais amamos na vida, nossa família, que está ficando capenga, sem alguns membros, cotó, perneta, mas, ainda operacional, e, mesmo assim, enquanto a luz não apaga a continuidade, o nosso aconchego é a maior conversa: a vida.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

1952.

Nasci em 1952. Bom ano para nascer, pois, o mundo se refazia da última grande guerra e se preparava para entrar numa era de muitas e rápidas mudanças, mas, como recém nato não podia nem tinha consciência disso, quero dizer, das mudanças político-sociais no mundo e do mundo, que acabaram por comprometer e mudar as bases familiares, a vida social, a moda, na sua complexidade, desde vestes até o modo de pentear os cabelos, o agir rebelde, pondo em cheque os ensinamentos e vivências dos mais velhos. O negócio é o seguinte: Os pais, homens, chegavam em casa bêbados e briguentos, frustrados por pertencerem a uma classe, a média, que apesar de propiciar alguma modernidade e aparência, não conseguia preencher os desejos totais de consumo que comandava a vida dos pais nessa época, então, eles descontavam suas frustrações em suas mulheres e filhos. Batiam nas esposas, nos filhos, sem a finalidade de correção, só para mostrar a si próprios que lá quem mandava não era o barrigudo, encrenqueiro e chato chefe da sua empresa, mas, ele, ele mesmo era o chefe e supremo comandante de soldados totalmente desgastados pela falta de moral dos seus superiores, que, obedeciam a seguinte norma: Faças o que eu digo, mas, não faças o que eu faço. As crianças, jovens e adultos, cresceram vendo e ouvindo todo tipo de ameaças às mães, e, então desazos diante de tal situação. O resultado foi o desenrolar de, igual uma bola de neve rolando, um total anseio de modificação do quadro. Para que casar? Para que ter filhos? Para que ser isso ou aquilo se tudo estava, às claras, desmoronando e ficando insuportavelmente deprimente.
Este é o pano de fundo de meu primeiro contato com o mundo. Tudo passando por uma transformação geral, transformação essa pressionada pela válvula de escape da panela de pressão social, a rebeldia. Vamos fazer o contrário do que as gerações passadas fizeram para ver como fica e também para ensinar-lhes que todo conhecimento e todo acúmulo de emoções passam pela burocracia das regras e das antipáticas leis, éticas não vividas por aquela geração em seu fim, pensava a emergente geração, da qual eu faria parte; o que produzia a maior e pior de todas as vendas de imagem: a hipocrisia.
A geração paz e amor; faça amor e não guerra; faça amor e não criança espelhava os novos pensamentos dos rebeldes. Flor no lugar de canhão, de murros, de gritos, de desespero, de falta de amor ao próximo, se tornou jargão cuja veleidade era somente demonstrar que era possível uma revolução mundial sem as farpas e sem as marcas diabólicas da guerra, cuja expressão maior era as crianças de Hiroshima e Nagasaqui, cujas puerícias dolorosas mancharam a história para sempre. O fulvo resplendor das bombas, e, depois suas cinzas fumaças ficaram nas lembranças da geração seguinte a aquela, e, mesmo assim, com toda reflexão a guerra do Vietnã foi feita e sofrida por jovens americanos que sequer entendiam a natureza daquilo tudo e que repeliam e repeliram nas pessoas de Elvis Presley, o cantor e Ali,o boxeador.

Sestros, é verdade, ficaram e se tornaram consubstanciados pelo tempo, como indestrutíveis. O maior exemplo é a interdependência dos laços familiares. Novas roupagens de relacionamentos foram firmadas e colocadas em prática, mas, não surtiram respostas aos anseios, por mudança, da nova geração. As amizades coloridas, o sexo, e, a devoção corporal, com seu culto ao corpo, forçou a descoberta de novos caminhos e rotas onde a tônica era a sinceridade da relação, a fidelidade, e, a entrada da mulher no mercado de trabalho, mudando, parcialmente, o conceito da mãe e mulher como trabalhadora do lar. Agora elas eram executivas, legisladoras, e, trabalhadoras conscientes de que o dever para com elas mesmas resultaria em uma auto-estima maior e mais prazerosa, e, ao mesmo tempo que suas novas ações criavam uma nova forma de educação, com sua saída de casa para o trabalho, de seus filhos que ficavam com babás ou começavam a usar as creches, empresas emergentes que tentavam preencheram essa necessidade e que acabaram por melhorar muito até chegar tempos atuais.
A fácies das famílias mudou bastante, mas, continua com o formato da mesmice. Aqui no Brasil a prova disto é representada em uma música de Belchior, um cantor cearense:
“... o que mais dói é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo o que fizemos,
ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais..”
1952 ano bom para nascer. 60’s anos bons para aprender e curtir. 70’s aprendendo sempre. 80’s entrada no mercado de trabalho. 90’s boas viagens e aprendendo sempre. 2000 novo século, nova visão. 2009 ano de continuidade.

domingo, 25 de outubro de 2009

Dia dos Dentistas.

Hoje é o dia do dentista, que também tem um dia só para si. Na verdade é uma tentativa, como em outras profissões de se fazer lembrados. No dia 25 de outubro de 1886 foi assinado o decreto pelo qual se estabelecia no país as primeiras faculdades de Odontologia, no Rio de Janeiro e na Bahia. É, portanto, aniversário da assinatura do decreto aproveitado pelos conselhos e pelo conselho federal para lembrar à sociedade da existência desse profissional que aparentemente só seria lembrado na hora das terríveis dores de dente, presente no país em inteiro, com menor intensidade é claro na região mais ao sul, e, muito mais comum em nossa região, aqui no norte.
A tecnologia e o surpreendente evoluir da medicina, como um todo, acabou por influir e transformar a odontologia em uma matéria mais técnica ainda, aliando , é lógico, o conhecimento científico como base para as pesquisas e seus desdobramentos. A descoberta, por exemplo, do titânio como um material de excelente bio-compatibilidade, deu um impulso na área cirúrgica de recuperação dos mutilados, desdentados, grande número em nosso país, para melhor. O implante agora aceito pela sociedade se torna, a cada dia, como um tratamento de longa duração, com excelente resposta para a vida do paciente, como sorrir-se mais, convivência social ativada, melhoria, enfim, nas relações e na sociabilidade.
Os materiais odontológicos causam impactos nos mais diversos ramos da odontologia quando visam a mistura correta, balanceada da estética e função, pois, um desequilíbrio qualquer na oclusão pode causar sérios problemas nas articulações temporo-mandibulares e músculos correlatos a ação do problema. É, portanto, gratificante para o profissional da área, quando do final do tratamento, visualizar o sorriso de alegria e conforto estampado no rosto do paciente. Junto com esses materiais o desenvolvimento dos antibióticos e antiinflamatórios e anestésicos produzindo um tratamento seguro e totalmente indolor dá confiabilidade aos dentistas, confiabilidade essa perdida ao longo do tempo por conta da disposição de materiais e instrumentos inadequados, mas, que na época era o que se dispunha para se realizar o trabalho odontológico. A broca movida a pedalada, imagina, que por sua diminuta rotação produzia um esquentamento da ponta e dos dentes, as vezes causando fortes dores, é uma prova da evolução. Essa rotação, hoje, chega a 400000 RPM, e, sempre regada com jato d’água, alivia sensivelmente a sensação dolorosa do tratamento. A anestesia com vasoconstritor e numa concentração segura dá tempo de trabalho maior o que confere um alívio para o paciente. Enfim, houve uma melhora com a evolução tecnológica.
Há quem diga que o anseio por faturamentos maiores e melhores, as vezes ultrapassando o limite do saber, tem feito alguns tratamentos fadados ao fracasso, mas, não é uma regra é uma exceção. Os profissionais que não conhecem seus limites vão pouco a pouco sendo colocados à margem do mercado de trabalho, assim como também os que não se reciclam e não oferecem tratamentos diferenciados.
O certo é que a maioria dos dentistas quer oferecer o melhor que dispõem e julgam como corretos em seus planos de tratamentos.
O ideal seria a socialização dos tratamentos, assim como acontece na medicina geral, que oferece todos os tipos de tratamentos aos seus pacientes. Já pensou um dentista podendo fazer implantes e todos os tipos de prótese em seu próprio consultório, restaurações, tratamentos endodônticos, periodônticos, etc...; através do SUS? Seria um avanço enorme para a sociedade, e, a certeza de entrada no mercado de trabalho garantido aos mais novos, estabilidade aos mais velhos, e, principalmente fonte de enraizamento do profissional no interior dos estados, onde hoje se tem a maior dificuldade de fixação de profissionais.
Dias melhores virão. A sociedade marcha para uma consciência mais apurada, onde os direitos e deveres, nesta área pelo menos sejam realmente lapidados para melhor.
Parabéns, doutores Cirurgiões-Dentistas, principalmente de meu Estado, o do Amazonas.

Parabéns à Manaus.

Ontem foi aniversário de Manaus, capital do estado do Amazonas, Brasil, fez apenas 340 anos. Não ligo muito para aniversários, me dá um gosto de contagem regressiva em direção ao fim. É assim com os meus próprios e não me sinto à vontade com o gesto mecânico dos parabéns a você nesta data querida. Sempre aconteceu, em todas as comemorações de nascimento, as pessoas mais próximas fazem festinhas surpresas que, obviamente, já deixaram de ser surpresa. Os cabelos mais brancos, as rugas, as gentilezas das pessoas mais jovens, a comparação com os contemporâneos, e, vendo neles a maldade do envelhecimento reconheço que tudo se encaminha para o endereço mais correto do mundo: o cemitério.

O bom é que o envelhecimento embute nele mesmo, amadurecimento. A cor, os fatos, na visão amadurecida de quem fica mais velho, ganha nova tonalidade e interpretação menos impulsiva, da realidade do que na fase mais jovem. Manaus não foge à regra. Cronologicamente, para uma cidade, é ainda muito nova, mas, amadurecida precocemente por fatos e realidades que ao trazerem sofrimentos trouxeram em seu bojo, sabedoria. Longe dos demais centros urbanos do Brasil, ilhada por rios, por isso sua rede rodoviária não existe, seu acesso e saída só pode ser feito via aérea ou fluvial, o que a torna uma menina-moça desejável, até por sua situação geográfica no meio da floresta tropical, pulmão do mundo, de tanta capacidade de produção de oxigênio e seu armazenamento.

Manaus situada na margem esquerda do Rio Negro, abriga em seu ser o Distrito Industrial, pólo industrial de alta performance e funcionando desde de 1967, quando foi criado, saindo de uma posição provinciana e entrando na era das cidades em fase de crescimento com uma forte violenta explosão demográfica, desde então. É claro, que há nessa posição um retraimento de seus habitantes naturais cedendo espaço para os milhares de migrantes, que nem que numa corrida do ouro, fluíram para cá e tomaram praticamente as rédeas de todas as áreas, seja política, comercial, industrial, mas, com tanta heterogeneidade, com idéias administrativas tão diversas e modernas a cidade explodiu em crescimento real. Neste pequeno período de vida do Distrito Industrial houve um renascer da cidade. Se compararmos o número de habitantes da Manaus de antes de 1960 para cá, o aumento é astronômico, o que para um espaço físico cercado de águas e sem planejamento em seu crescer, acabou por transformá-la em uma metrópole distorcida, mesmo os administradores importando todo know-how em administração de cidades de outras mais velhas e também com seus problemas próprios, como se nunca pudessem ser resolvidos, pois a complexidade que solidifica com a migração interiorana à procura de melhoria de vida, a falta de educação efetiva, a falta de vontade política na resolução dos problemas mais simples, juntamente com a corrupção desenfreada, concorre para a não solução, em nenhuma cidade, de seus problemas básicos como água, luz elétrica, asfalto, tráfego de carros, abastecimento e educação.
Como disse tenho ojeriza a parabéns. Não tenho dia nem hora para presentear quem merece ser presenteado, assim, tocado no fundo do coração por pessoas que perguntam por tal presente, só posso me render aos apelos e dizer:
- PARABÉNS MANAUS QUERIDA.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O brincalhão.

O grupo era formado por profissionais liberais, comerciantes, industriais, políticos, senhoras viúvas, estudantes e profissionais de turismo que serviam de guias para o agrupamento de pessoas tão diversificado. Tinha um professor de geografia que daqui de cima, no avião, ia descrevendo, logo que apareceu, a enorme cordilheira, chamada de Cordilheira dos Andes. De cima, vista dali era um enorme dorso de rocha a serpentear, como se fosse um costado de um réptil, em direção ora noroeste, ora norte em posição a cidade de Bogotá, na Colômbia, a saída fora Manaus, AM, Brasil. Seus píncaros geralmente eram cobertos de neve e davam a sensação grandeza e ao mesmo tempo de descanso, talvez, por sua brancura.
O vôo fretado ia para Santo Domingos, capital da República Dominicana, uma ilha geminada com o Haiti. O possante avião se dirigira primeiro a Bogotá, Colômbia, onde seria abastecido e, depois, seguiria para Santo Domingos em um vôo direto a partir dali.
As conversas eram as mais diversas e já mostravam a formação de pequenos grupamentos de pessoas, talvez, porque há essa necessidade de aproximação com os afins, no ser humano. Um político se arriscava a fazer previsões sobre as eleições iminentes de sua cidade para um senhor que pelo porte, sua barba e os óculos redondos, o que arredondavam ainda mais sua face, deveria entender de política:
- As chances de o senador ganhar as eleições são grandes, mesmo porque, não há alguém com o perfil de opositor eficaz que consiga sobrepô-lo, agora, se o governador se posicionar em outra direção, então, o resultado certamente mudará.
- Conheço bem os dois. Isto não vai acontecer, porque, todos os acertos foram feitos e até onde sei nenhum dos dois vai “arredar o pé” do combinado, falou o outro com convicção de quem realmente conhecia os meandros desse círculo.
Lá no fundo do avião, um rapaz, brincalhão, se esbaldava de rir do constrangimento que impusera a uma sisuda senhora sentada a seu lado. Soltara, de propósito, uns pútridos gases, flatos, que no momento percorriam toda cabine da aeronave para o desespero de todos, como se fora eflúvios malignos. Algumas pessoas reclamaram bem alto, chegando quase aos gritos repreendendo tamanha falta de educação. Ele ria a não poder mais e outras pessoas também riram disfarçadamente.
- Ele não é bom da cabeça, dizia uma senhora, consolando a outra, e, tentando se controlar.
- Ele é um grosso, um mal-educado. Sujeito grosseiro. Olha lá, parece-me chegamos a Bogotá, respondeu ela desanuviando a mente e apontando para a vista que a manobra do avião deixava entrever, a cidade de Bogotá.
Bogotá nesta época dessa viagem era uma cidade que apesar de muito bonita causava receio nos turistas por conta da violência imposta ao país derivada da guerrilha urbana, patrocinada pelo tráfico de drogas, os famosos cartéis, o que não acontece nos dias atuais por conta da grande atitude repressora do governo em relação ao problema. O grupo teria que permanecer no aeroporto umas duas horas. Para diminuir a tensão foi liberada a permanência dos viajantes no free shopping do aeroporto. Os guardas, do exército nacional, sem preparo algum no trato com os turistas faziam de tudo para estabelecerem uma espécie de comunicação com os estrangeiros, a fim de executarem suas tarefas, antipáticas, de revistar bolsas e pertences de todos os passageiros. Nada ficara de fora da revista. Todos sem exceção entraram na sala de revista e nela foram revistados. Cães farejadores, presos a coleiras, andavam com focinhos baixos, farejando todas as bolsas e pequenas sacolas de viagens. O brincalhão agora estava sério e cauteloso, pois, os soldados pareciam robôs, autômatos prontos para prenderem qualquer um que justificasse uma “procura” melhorada. Seu rosto ficara cômico, para quem o observara no avião contando piadas e mexendo com um e outro, e, o vira tão gozador, antes tão gargalhador, agora tão sério que parecia outra pessoa, solícito aos reclames dos soldados.
- Abra sua mochila, por favor, ordenou o guarda com rispidez.
- Pois não, respondeu ele célere, abrindo sua mochila.
A visita ao pequeno shopping transcorreu normalmente, sem a necessidade de compras por parte de ninguém. Só o político que resolveu, em uma loja de jóias comprar um anel, caro, todo cravejado de diamantes para sua esposa, que agora, exibia-o para as outras senhoras e em algumas despertando inveja.
De lá o avião dirigiu-se para Santo Domingos, a bela cidade, incrustada nas montanhas e serras da ilha na República Dominicana. Os espanhóis, colonizadores, construíram hotéis refinadíssimos, em madeiras de lei e vidros, acompanhados de campos de golfe, e toda uma infra-estrutura para o deleite visual dos turistas. Os guias e seus auxiliares, personal trainning, dancings, e, outros profissionais faziam ou procuravam fazer a alegria de todos. Na piscina, nas quadras, nos exercícios aeróbicos, enfim, todos empenhados na diversão e descontração das pessoas.
- Acho que vou fazer hidroginástica, disse a esposa de um dos comerciantes, que no momento estava empenhado a secar uma lata de cerveja, bem gelada, o que era totalmente convidativo, pois, o sol era muito quente. Atrás do hotel, a praia particular, atrás dos coqueiros, onde a areia era mais branca, descortinava o verde claro do mar do Caribe, quebrando espumosamente. Algumas gaivotas, barulhentas, passavam em pequenos bandos, e, os pelicanos com seus enormes bicos, sobrevoavam a água na esperança de vê e pescar algum peixe. De vez em quando mergulhavam e traziam nos bicos, peixes.
Algumas famílias estavam deitadas em toalhas, ou em cadeiras de sol, se bronzeando enquanto seus filhos brincavam ou na areia da praia ou se banhavam no mar. Lá longe, perto do horizonte um navio passava ao largo. Aqui as folhas dos coqueiros balançavam e emitiam sons quando da passagem do vento por elas. Os garçons solícitos iam e viam com os pedidos feitos. Um casal saboreava uma mariscada e bebiam Marguerite, uma bebida, mistura de suco de abacaxi e vodca com gelo, batida no liquidificador.
Alguém lembrou que o melhor depois da praia era o encontro de todos para jantarem juntos em algum restaurante. A idéia espalhou-se e logo era censo comum. Às 20:00 hs todos se encontrariam no hall do hotel. O brincalhão imaginava o que poderia fazer para “gozar a cara” daqueles bobões.
As duas senhoras apressaram-se subindo mais cedo para a suíte do hotel no afã de estarem no horário no hall. Entraram no elevador e não observaram que o Brincalhão estava espreitando-as por trás de uma grossa coluna perto do balcão de atendimento, no hall do hotel. Subiram e já se dispunham a tomar banho, primeiro uma depois a outra, quando o interfone tocou, a mais velha foi atendê-lo:
- Alô, pois não?
- Senora, su carne está a subir, su filé mingon, era o gozador tentando falar castelhano.
- Perdão, não lhe entendo. E, dirigindo-se à mais nova. Será que você pode atender, pois, eu não consigo entender o que este homem está dizendo. Ela tomando-lhe o fone, falou:
- Pois não?
O brincalhão enrolando a língua falou alguma ininteligível frase e desligou, mas, a frase marcara a mais velha que resolveu ir até o balcão do hall, reclamar que não havia pedido nenhuma carne ou filé para sua suíte, já que iam jantar fora. Lá, atrás da coluna o gozador se divertia com a situação embaraçosa das senhoras.
E, assim, foi de gozação em gozação, passando-se os dias, até que chegara o dia de voltar. O caminho de volta era o mesmo da ida. O avião levantou pontualmente no horário combinado e logo estabilizado no ar, deu chance para a brincadeira mais chocante do brincalhão. O caso transcorreu assim.
As aeromoças passavam pelo corredor, solícitas aos passageiros e lá pelas tantas, o brincalhão levantou-se e se dirigiu atrás da comissária que não via no corredor, entre as cadeiras. Ele rindo estava vestido com um avental que quando levantado deixava subir um membro sexual masculino, grande e ereto, e, quando a moça deu por si a risadagem estava no auge. Constrangida, mas, levando na esportiva, pediu a ele que se sentasse.
Alguns senhores, então, resolveram fazer uma brincadeira de volta e contrataram entre si o que fazer.
O avião aterrou e estacionou no lugar indicado, no aeroporto de Bogotá. Novamente as revistas foram necessárias. Quando chegou a vez do Gozador, este ainda vestido com o tal avental, e, logo após ter feito uma demonstração com um dos senhores do grupo, mostrando-lhe o que acontecia quando levantava o avental, o guarda falou-lhe:
- Senor, siga-me cá. E dizendo isto o levou para uma das salas daquele andar, onde estava escrito algo como Guarda Nacional, uma espécie de Polícia Federal, dando-lhe entender que estava preso.
Ela empalideceu na hora. O sangue fugiu-lhe, instantaneamente das faces. Olhou desesperado para os colegas de viagem na esperança de receber apoio por parte deles, mas, nada. Ninguém olhava para ele. Entrou na sala e o guarda saiu e depois de fechar a porta atrás de si, fez um sinal de positivo ao barbudo que o contatara e pedira-lhe aquele favor, que custara algum trocado. Perto da partida do avião liberam-no e ele saiu da sala resmungando e entrando no avião foi direto para seu lugar e passou o resto da viagem sério, com ar de muito desgaste, mas, aliviado de ter sido solto e não ter ficado preso em um país tão violento como aquele e entendendo que nunca mais faria brincadeiras tão grosseiras com outro ser humano.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

O que será?

Confesso que não sei o que escrever nesta crônica ou conto, sei lá. Só sei que quero escrever. Assunto não falta. Deus é um bom tema. Mães, também. Filhos, noras, netos, esposa, maridos, pais, irmãos, histórias de infância, de cidades, de viagens, livros, autores, pinturas, pintores, política, políticos, pastores, padres, histórias de vida, enfim, quaisquer que sejam os assuntos são de bom tamanho, sempre a nos ensinar como viver ou como morrer, ou como esperar, ou como, pacientemente, experimentar a vida, vivendo intensamente o momento que se vive.
Lembro que sem os ensinamentos que recebi de pai, mãe, tios, irmãos, primos, parentes, e, não parentes, amigos da hora, e, de sempre, seria muito difícil viver a vida que vivo. É uma vida que aos trancos e barrancos se solidifica a cada dia como uma boa vida vivida, considerando o que é fundamental para se viver, o amor demonstrado por carinho e cafunés físicos, a quem pode dá-los, e, psicológicos, emocionais que talvez sejam a maior expressão de amor, pois, este, não depende de toques e visão corpórea, somente da visão da alma.
Quando comecei a namorar, minha primeira namorada, tive-a por volta dos treze anos, foi com a mesma intensidade de energia que hoje despendo com minha família que cresci ao longo do tempo, e, lá se vão trinta e tantos anos. Casei com outra moça, minha esposa todo esse tempo, tão linda quanto a minha visão da primeira namoradinha, mas, muito mais consistente no amor e na amizade que se firmou ao longo do tempo. Filhos, netos que já são três e outro chega agora em novembro para completar nosso time de quatro netos e três filhos, sendo um homem e duas mulheres. Dedico-me totalmente a eles. Meu tempo existe e rola ou desliza como um rio em seu leito, somente para eles. O tempo, ainda bem que não existe, me deixa deslumbrar minhas projeções genéticas do futuro nos rostos e gestos dos pequenos e grandes rebentos.
Estou pensando, emocionado, enquanto escrevo, como será viver para sempre em suas mentes numa imagem forte que não se desvaneça com o transcorrer do tempo mensurável que nós inventamos. Minha vida agora ensombrada por suas outras, imensas árvores fortes e plantadas em terra fértil e próspera, me dá a impressão de ter completa minha missão na vida. Inúmeras possibilidades de viver eternamente aparecem e sonham em existir nessa eternidade de gestos, vontades, trabalhos, esculturas, pinturas, escritos, frases, sonhos fisicamente e emocionalmente transpostos corporeamente e nos psiquismos de cada um dos descendentes.
Já sei o que escrever. Escreverei sobre minha família e o amor que dedico a ela. É, é um bom assunto. Acho que Deus gostará de saber que conscientemente escolhi ser assim, embora uma parte genética de taras e vontades me puxe para outros lados mais obscuros, mais sensíveis à mentira e à falta dessa espécie de amor que acredito seja o amor maior que tanto alegria e felicidade me têm dado nesses anos de convivência com ele. Apesar dos puxões sinto-me umbilicalmente ligado a esse impulso fixo através do amor de dá-lhe, à família, toda felicidade do mundo, esse entendido como todas as possibilidades e oportunidades que tenho e que ainda terei na vida.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A liberdade do Amor.

Felipe Nogueira era um rapaz alto para a segunda geração de migrantes paulistas chegados, no meio do século XIX, no Amazonas, estado bem ao norte do país. Em seus dezesseis anos de idade, Felipe, seguia fielmente uma igreja protestante, com toda sinceridade de seu ser. Observava religiosamente os preceitos e dogmas da sua religião. Seus ascendentes tinham escolhido para a fixação da família a capital do estado e tinham prosperado muito nesses anos de um trabalho quase colonizador, e, preocupados com a condição humana do local faziam de tudo que podiam para ajudar na educação, saúde e na abertura das mentes dos habitantes da região. A ajuda sincera provocou uma rápida aproximação política dos mais velhos, do clã dos Nogueiras, aos ambiciosos olhos da liderança estadual, o que provocou a eleição de senador e deputado estadual e depois federal, de alguns de seus membros, como o próprio Felipe, depois, conto a história.
Como dizia, em seus dezesseis anos, a família achou por bem prepará-lo melhor e tendo condições favoráveis, mandou-o a estudar em um colégio, acho que batista, no Rio de Janeiro, para abrir-lhe os horizontes e dá-lhe um amanhã melhorado com educação e a sólida base educacional que eles tentavam deixar para ele e seus irmãos, pois, Felipe tinha três outros irmãos, sendo um garoto, mais novo, e duas irmãs.
Ele chegou ao internato em final de fevereiro. Era um prédio incrustado na montanha, na subida para Teresópolis de maneira que seus lados e seu fundo eram circuncidados pelo paredão do morro. Uma obra arquitetônica de muita beleza principalmente porque fora idealizado por volta de 1897. Tinha, nesta época por volta de 40 anos. As salas de aula e o anfiteatro eram alocados em sua parte inferior, assim como a cozinha e toda administração. Os quartos, banheiros e salas de estudo e de recreação ladeavam os compridos corredores superiores.
A diretoria se esforçava para manter os jovens, moças e rapazes, longe uns dos outros, pois, a procura entre eles no afã de namorar era intensa e impressionante. O proprioceptor era rigoroso, pois, sabia que se o colégio adotasse medidas mais frouxas, com rédeas mais afrouxadas, o resultado seria catastrófico, assim, a ala feminina era separada da masculina fisicamente por paredes e portas e também pela presença maciça dos bedéis por toda parte. Era, diria, quase impossível haver qualquer tipo de relacionamento mais íntimo entre os jovens. O engraçado era que na hora das refeições as aproximações eram permitidas e a versatilidade de formas de relacionamento aflorava na criatividade que só a juventude premida pela repressão sabe resolver. Numa dessas refeições, olhares cheios de corações e promessas, Felipe e Sandra, uma potiguar de quatorze anos, com seus olhos verdes, cheios de vida e amor, se encontraram e ali naquele ínfimo espaço de tempo sabiam que algo de novo e interessante nascera em ambos e que deveriam, realmente, caminhar juntos na direção do futuro, este impulsionado pela enorme paixão que nascera instintivamente entre eles. Marcaram um encontro a noite na clareira, da trilha das árvores, trilha que assim chamada pela quantidade e qualidade das árvores ali existentes, e, que serviam de estudos aos jovens.
A noite era densa, mas, o combinado era que os dois deixassem os amigos e colegas de quarto dormirem e então descendo janelas abaixo entrassem mata adentro e se encontrassem numa espécie de clareira, não muito distante, onde se tinha instalado alguns bancos de madeira, largos e fortes, dando ao lugar um laivo romântico de extremado bom gosto.
Oh! Meu Deus como ela é bonita e vale o esforço, pensava Felipe, tremendo de medo ao deixar o corpo dependurar-se no espaço, para logo mais com seus pés à parede começar a baixá-lo até o chão. O problema agora era não ser visto, nem pego por quaisquer dos bedéis. O vento frio da serra batia francamente em seu rosto e por um momento pensou em desistir, mas, o lembrar olhar tão convidativo e provocativo de Sandra o fez prosseguir. Lá do outro do prédio, Sandra fazia a mesma manobra, excitada com o encontro, logo chegou ao chão e correu em direção à orla da floresta, onde sabia ter uma trilha que a levaria para a clareira.
Felipe, cuidadoso, andava, e, rapidamente chegou à clareira. Ela já estava lá. Estava vestida com um roupão que cobria totalmente a camisola de seda rosa. O roupão era trabalhado em apliques japoneses que davam um ar gracioso ao manequim. Seu colo arfava pela excitação do encontro clandestino. Não falaram nada, simplesmente se abraçaram e se beijaram apaixonadamente, e, fizeram amor até de madrugada.
O amor não pode ser enclausurado, preso, existe por ele mesmo, numa liberdade sem fim.

Seres Humanos.

Todos nós seres humanos navegamos por esse mar comum da vida, e no mesmo barco. O mar, na sua imensidão, é a humanidade, a carga que vivemos, e, o barco, na sua fragilidade, a vida que sofre as influências da humanidade, sendo uns mais pesados que outros, mas, todos sofrendo, à revelia da vontade, toda sorte de violência e bonanças por parte do mar, bastando ter ou não ventos, fortes ou fracos, que provocam ondas altas ou baixas, massacrando-nos, às vezes de forma radical, ou tranqüilizando-nos no mar bonançoso onde nosso barco singra como num lago, como um cisne, sem onda, nem marola, as águas verdadeiro espelho, no qual está refletida toda tranqüilidade vivida ou a viver.
É bom estar nas águas bonançosas de um mar suave e sem ondas, mas, o próprio homem tem insistentemente depredado, violentado as leis que regem e influem no equilíbrio da natureza, que requerem um cuidado especial, onde nada pode ser prescindido como cuidado, sob pena de desastres acontecerem, como os tsunamis, os terremotos, a alteração climática, com degelos nas calotas polares, com seu respectivo aumento de temperatura no globo terrestre. A poluição, produto excretado, de todos os tipos de materiais têm mudado o mundo como todo, como o clima, as relações sociais, a saúde tanto do planeta quanto dos seres vivos, a caça desenfreada de certas espécies de animais, que findam em extinção, produzindo a quebra do ciclo biológico dessa e de outras espécies, proteção natural para o equilíbrio geo-biológico do planeta, à ânsia de poder e o desmedido esforço para consegui-lo e mantê-lo, o avanço violento dos governos paralelos, enfim, todo tipo de violação contra as normas e leis que regem a natureza quebrada por ação única do egoísmo de pessoas e governos que não medem esforços para egoisticamente se instalarem como verdadeiros, como conscientes do que é melhor para os povos e nações, portanto, para a natureza e nesta idéia vão depredando tudo e todos.
O planeta tem resistido a essas investidas, mas, por quanto tempo? O que é, verdadeiramente, real é a venda de imagem para obtenção de poder, essa demonstração pueril, egoísta em que o ser humano vem trilhando como normal desde as mais remotas eras.
Penso que John Gray, em seu livro Cachorros de Palha, tem razão, o homem por si só é destrutivo e não há esperança de mudança radical em sua personalidade a ponto de salvar o planeta:
“A boa política é medíocre e improvisada, mas, no início do século XXI, o mundo está apinhado de grandiosas ruínas de utopias fracassadas. Com a esquerda moribunda, a direita tornou-se o abrigo da imaginação utópica. O comunismo global foi seguido pelo capitalismo global. As duas imagens de futuro têm muito em comum. Ambas são horrendas, e, felizmente quiméricas...
Hegel escreve em algum lugar que a humanidade só se contentará quando estiver vivendo num mundo construído por si mesma. Ao contrário, Cachorros de Palha argumenta a favor de uma mudança que se afaste do solipsismo humano. Os humanos não podem salvar o mundo, mas, isso não é razão para desespero. Ele não precisa de salvação. Felizmente, os humanos nunca viverão num mundo construído por si mesmos.”
Essa é a vida do homem.
Maranata, Senhor.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Invenções.

“... E, certamente, no dia que dela comeres serás igual a Deus”. Comemos, e, então, o homem agigantou-se, conheceu o bem e mal. Domínio quase completo de todos os elementos a ponto de fazer criações impossíveis de se imaginar, como o avião, bem mais pesado voando, singrando os ares, o navio, singrando os mares, as vacinas, a escrita, os artefatos de guerra, a roda, o fogo, a informática, a física quântica, o deslumbre dos componentes químicos, o genoma, a célula tronco, as comodidades caseiras, como as TVs e seus controles, a leitura ótica, as comunicações, o armazenamento de informações, a velocidade em informação, a medicina e suas descobertas mirabolantes, e, agora o Kindle, uma espécie de livro que tem uma capacidade de armazenar simplesmente, parece-me, 300.000 títulos de livros. Uma biblioteca ambulante. Borges relata um sujeito em Alexandria que possuía uma biblioteca com cem livros e a pergunta que corria entre os conhecidos era como pode uma pessoa ler tantos livros? Ele ficaria abismado com as novas formas, ininteligível para ele, de livros. Formas sem a peculiaridade dos tomos, dos volumes que ocupam tanto espaço em nossas estantes, mas, sempre amigas, pois, tem livros que convivem conosco a vida toda, são os livros de cabeceira, que passam a ser imprescindíveis em nossas vidas, de maneira que quando um assunto vem, imediatamente recorremos a eles sempre prontos, em seus devidos lugares, a nos fazerem sonhar ou entendê-lo.
Concordo, em parte, com ele. A mesma imagem criada quando da leitura dos tomos vai acontecer, certamente, na leitura dos livros nos Kindles, mas, o manuseio será totalmente diferente, pois, parece que o contato com o papel é uma espécie de momento mágico, onde o tato tem influência comparável ao carinho em uma pele lisinha, quando o papel é de boa qualidade é claro.
Por outro lado, nos Kindles, há a conveniência de não ter que virar folhas já que há um mecanismo de a tela “correr”, mais ou menos lenta de acordo com a vontade do leitor; também a marcação da página que estamos lendo é automática e segura; o Kindle é um volume único com a capacidade quase infinita de armazenagem, e, como na biblioteca de Alexandria vale a pergunta: Alguém lê tudo isso?
O fato é que a forma vai mudando assim como a dinâmica e o ritmo dos livros. O áudio livro é uma conseqüência disso. Livros relatados, cantados, com toda dramaticidade, assim querem seus inventores, mas, como filmes também, não atingem o cerne do objetivo dos livros, qual seja estimular a imaginação de quem lê, porque quem lê cria imagens e vivencia a história junto com o autor e quem vê filmes ou ouve histórias recebe-as prontas, a imaginação já recebe o produto na arte final.
A realidade é que precisamos nos adaptar às novas descobertas e estarmos com nossas mentes abertas para apreciá-las. Tomara que os livros, logo mais, criem a imagem, relatada na história, junto com nossos pensamentos, isto é, à medida que lêssemos a imagem formada apareceria em nossos cérebros e também na tela, tal e qual a vemos na imaginação, e, aí não precisaríamos ir ao cinema, nem ter salas com sons tão altos e ficarmos no escuro para podermos melhor para melhor perceber a imagem. Teríamos o nosso próprio filme.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Manaus, 57 anos.

Nasci em 1952, portanto, a cinqüenta e sete anos atrás. É o tempo que Manaus existe em mim. Claro que não estou procurando a história de antes de mim, e, me situando somente neste ínfimo lapso de tempo que tem sido minha vida até agora residindo nesta bela capital do estado do Amazonas, mas, é o que corresponde à minha parte, e, mais precisamente nos anos sessenta, época de rebeldia mundial e de alicerce para os pequenos manauaras.
Dormia-se com as janelas abertas, diziam os moradores antigos, fazendo inveja para os atuais. Ela ainda não fora infectada por essa enorme fome de consumo que levou o ser humano a um catastrófico patamar de desejo de ter produtos, de quaisquer maneiras, o que o corrompeu a um nível alarmante. Roubos, assassinatos, latrocínios, corrupção desenfreada, contrabandos, drogas, prostituições, transformaram-na, mais tarde, em uma formosa e madura cidade, porém totalmente heterogênea sem unidade, desumana, nivelada a uma grande metrópole, e, com todos os problemas inerentes a tudo que estiver embutido de bom e ruim numa grande cidade. Bom, isto aconteceu bem mais para cá, mais perto de minha entrada nos enta, quarenta, cinqüenta anos de minha existência, por isso, vamos deixar isto para lá e voltar para minha puerícia, vida na pequena e pacata Manaus dos anos cinqüenta e começo dos sessenta, e, depois, sim, já fartos do ar puro e dos frutos das várzeas, e, do leite que vinha de nosso interior próximo, como o Careiro da Várzea, Autazes, Curari, que o produzia em quantidade suficiente para o abastecimento da capital. Junto com o leite vinha também o queijo de coalho, o manteiguinha, o doce de leite, uma verdadeira delícia gastronômica. As goiabas, os buritis, as bananas pratas e maçãs, a nanica também, os abricós, pupunhas, mangas, sapotis, ingás, sorvas, maracujás do mato, cajus, tucumãs, fartavam nossas mesas e enchiam o imaginário gustativo dos turistas que por aqui passavam.
A brisa ainda vinha do meio do rio, talvez, porque os prédios verticais não estivessem construídos impedindo a passagem do vento para o interior da cidade, com aquele cheiro característico que só rio Negro tem. As ruas de paralelepípedos, melhor piso impossível, eram charmosas e saiam do centro para a periferia que não ia muito longe, como a Av. Tarumã, a Joaquim Nabuco, a Getúlio Vargas, a 7 de Setembro, a Silva Ramos, a João Coelho. Era uma cidade de 250.000 habitantes; as senhoras, à tardinha sentavam-se em cadeiras em frente suas casas, com as calçadas lavadas com bastante água para minimizar o calar e conversavam até altas horas com as vizinhas colocando em dia seus assuntos.
A luz era a motor e desligava-a por volta das vinte e duas horas, e, a iluminação então era de responsabilidade dos candeeiros, dos aladins, velas, lamparinas, o combustível era o querosene. Em um canto das casas, na época dos carapanãs, acendia-se um espanta mosquito, uma espécie de incenso que na verdade espantava tudo que era de carapanãs, mosquito inquietante, que não deixa ninguém dormir com seu cantar zumbindo. Para proteção maior, as mães tratavam de literalmente encapar as camas, redes com uma rede de malha minúscula chamada de mosqueteiro, porque protegia quem estivesse a dormir ali desses seres voantes e muito incômodos.
A TV ainda não era projeto, mas, como era delicioso, às dezesseis horas, todos os dias, ligava o rádio, para mim mesmo e para meus irmãos, ouvirmos o Teatrinho Infantil, que contava todas as histórias que preencheram nosso universo mirim com toda a fantasia falada naquela hora tão esperada, era na rádio Rio Mar. Lembro de uma história operetada, se é que posso usar este termo, porque, era uma história cantada. O macaco e a velha:
- Uma velha, muito velha, chamada Ferinfivelha,
Tinha um lindo bananal no fundo do seu quintal, mas,
a coitadinha da velha poucas bananas comia, porque,
o Macaco Simão roubava todas que havia.
Eram horas deliciosas aquelas, não só pelas histórias, mas, pela convivência sadia na família.
Ia a pé para o colégio. Tudo tão perto e sem movimento de carros ou ônibus que minha mãe incentivava-nos, a mim e aos outros filhos a andar para onde quer que fôssemos. A confeitaria Avenida era um prazer, com seus doces, quindins, pães, folheados, seus xaropes sempre geladíssimos.
- Ponha cinco de cada...
E o português, dono:
- Pois não, rapaz.
Tempos sadios, sãos na essência. Tempos que dão saudade e não voltam mais, porém, vividos em toda a sua grandeza, vividos intensamente, como deve ser o agora eterno. Te amo Manaus.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

12 de outubro.

É o dia das crianças. As crianças acabaram por merecer, na história, um dia só para elas. Talvez, porque os adultos tenham que lembrar a eles próprios que as crianças, no dia a dia, não têm a atenção devida, e, que por isso necessitam de um dia especial para tais ações. Acho também que serve para lembrá-los que um dia eles também foram crianças e que as atuais merecem dias melhores que os deles. Ou talvez o disparador desse dia seja mesmo o comércio, motivado a cada ano pelo aumento das vendas dos brinquedos, o carro chefe do dia.
Este dia não é uma data padrão no mundo todo. Alguns países têm suas comemorações diferentes da nossa data. Ela foi criada por um deputado federal em alguma época atrás, por volta de 1920, com o intuito de presentear algumas crianças e acabou por se disseminar pelo país afora, através da Johnson e Johnson em conjunto com a Fábrica de Brinquedos. Primeiro instituíram a semana da criança, sempre com o intuito de aumentar-lhes as vendas, depois, e, finalmente, o dia da criança no dia 12 de outubro. A ONU preconiza este dia para 20 de novembro, data que é comemorada a aprovação dos Direitos da Criança, que preconiza a proteção dos rebentos antes e depois do nascimento, estabelecendo direitos específicos para todos infantes.
Teve um dia das crianças, talvez em 86, que ao deixar estacionado meu carro em um estacionamento no centro da cidade fui assaltado e os ladrões levaram-no, mas, exceção à parte, meus dias de criança sempre foram muito bons. Meus pais nunca relaxaram a dádiva de presentear-nos nesse tão importante dia, do ponto de vista das crianças, pois, na verdade o que conta mesmo é o ser presenteado, não importando o valor, pois, o que satisfaz a todas elas é o ter sido lembrada pelos pais ou por alguém que sustente a segurança, ou que pelo menos tente dar amor.
Na rua que morava, há muito tempo atrás, em um dia desses, ganhei uma réplica de um carrinho. Quando cheguei à rua para exibi-lo verifiquei que o presente mais vistoso que por lá aparecera era um avião enorme, ganho pelo Salsicha, um menino maior que morava com os avós. O que senti foi apenas isso, a sensação de que existia a possibilidade de presentes bem maiores e mais vistosos que de outras crianças, nada mais que isso, pois, a satisfação de ter recebido o meu era suficiente e preenchia de alegria o meu coração e acredito o de todos que recebiam a lembrança de seus suportes com respeito e amor.
Agradeço a Deus a benção de ter recebido, durante a puerícia, os presentes amorosos de meus pais. Sei que bilhões de crianças no mundo inteiro não os recebem por falta de oportunidades dos pais, tios, avós, e suportadores, e, que por isso, talvez, não os suporte também emocionalmente, pois, até uma folha de mangueira pintada disso ou da aquilo é um forte presente em quaisquer épocas desde que condimentado pelo Amor. Vale dizer, então, que o que vale é o gesto e não o presente e se deduz que o dia das crianças existe sim, mas, existe diariamente, não especificamente em uma data, mas, efetivamente diariamente, e, que a educação, ou o investimento em educação é o melhor presente que pais ou governos podem dar às crianças para a formação de um mundo melhor.
Maranata, Senhor.

sábado, 10 de outubro de 2009

Arari, cidade de meu pai.

Desde a minha mais tenra puerícia que ouço as histórias de meu pai, relatadas por ele mesmo. Eram histórias impressionantes que marcaram tanto a vida dele quanto a minha e de meus irmãos. Sempre o centro das histórias era a cidade de Arari, sua terra natal e município do Estado do Maranhão, e, dista 162 km de São Luiz, capital do estado.
Arari é uma palavra tupi-guarani que significa arara pequena. É uma cidade com cerca de 27.000 habitantes e que recebe turistas, passantes na BR-222, e, também freqüentadores das festas da cidade, recebendo também os que são calorífugos que nos bares beira rio descasam na brisa que o rio empresta à orla do Mearim, o rio que corta a cidade.
A cidade vive da plantação de melancias e de arroz, e, também dos festejos de Nossa Senhora das Graças, protetora da cidade, no dia 15 de agosto, também da festa do Bom Jesus dos Aflitos no di 14 de setembro, mês que também se comemora o Festival da Melancia, época na qual ararienses que moram em outras plagas costumam par lá irem a se encontrar com os conterrâneos. No mês de Abril há o Campeonato de Surf da Pororoca, fenômeno ocorrido do encontro das águas doces do Mearim e salgado do mar, produzindo ondas enormes.
Meu pai cresceu na alegria interiorana desta cidade, cheia de histórias como a da catedral no centro da praça, possível local de nascimento da cidade, o caudaloso e de forte correnteza Mearim, que data aproximadamente de 1728.
Acontecera episódios incríveis como emparedamentos de negros escravos, antes da abolição, na casa de uma mulher muito má que por lá residira. Tinha também a de outra mulher sem cabeça, em uma carruagem a apavorar a cidade depois da meia noite e a quem ousasse sair às ruas depois dessa hora.
As pescarias, dele com meu bisavô Rafael, eram garantidas pelos braços fortes e compactos do avô a remar o ir e vir contra a correnteza. A alegria da pescaria residia nos peixes pescados e nas conversas quase monossilabáticas entre eles.
Cresci ouvindo essas histórias. Resolvi, um dia, ir lá, in loco, ver e sentir no ar o que restou da história daqueles tempos e principalmente conhecer a casa de nascimento dele.
Entrei na estrada de entrada da cidade e imediatamente, de pronto, dirigi-me à praça, local de muitas brincadeiras pueris de meu pai. Estacionei o carro ao lado esquerdo, na descida a rua, de quem vai em direção ao rio. Desci e me deparei com a Igreja. Não tinha o nem o tamanho, nem o brilho da catedral que eu esperava, era ao contrário, uma igrejola. A expectativa criada pela história frustrou minha visão, assim também a do Mearim, que a mim mais pareceu um riacho com uma correnteza maior, não era como nossos rios daqui.
Imaginei, então, quando se é criança e pequeno a medida das coisas que vemos ganham proporções de enormidade, e, imediatamente, entendi que nada daquilo tinha algum significado considerando que o tempo em sua temporalidade, provisório que é nos dá a interpretação da realidade daquele momento em que estamos vivendo. A casa onde nascera não existia mais levada que fora pelas impetuosas águas do Mearim e ali naquele momento não tive outra opção senão abençoar e agradecer o local e a terra de nascimento e crescimento de meu pai.

Uma questão de fé.

No correr da vida nos deparamos com situações inusitadas e às vezes as enfrentamos com incúria. Qualquer motivo deixa laivos de desesperanças e de impotência, seja problema financeiro, social, de relacionamento, de culpa, de insatisfação pessoal ou desilusão com outros, ansiedade, depressão, interpretação errada da vida, sonhos quebrados, sonhos que não se realizam, ou seja, o que lá o que for ou que esteja acontecendo em nossas vidas, sempre vão estar presentes em quaisquer situações, e, vão sempre nos massacrar reduzindo-nos a vidas impotentes, sem forças para encarar a realidade.
Conheço um homem que devia muito mais do que ele recebia de salário por mês o que tornava o pagamento da dívida impossível. Amargurado e sem perspectivas de resolução para tal grave problema, o desespero tomou conta do seu pensamento e vida a tal ponto que imaginava a qualquer momento ter que tirar sua própria vida. Imaginava-se na forca caseira, em qualquer lugar da casa, tomando veneno, praticando e incentivando a suicidomania, achando que o ato lhe aliviaria a alma de tão forte pressão, e, pensando a morte lhe alívio de seus sofrimentos.
Outra pessoa, amiga de longas datas, deixada, abandonada pelo marido, sentiu-se traída e largada sem motivo aparente, e, por isso não compreendia o gesto do marido. Desespero, desânimo, mau humor, desfocada da realidade, culpas e amarguras, sonhos não realizados e promessas não cumpridas.
Estimo um número grande de pessoas com problemas de todas as origens e que aparentemente são sem solução e que nos forçam a tomar decisões erradas porque os fatos realmente nos abalaram.
Essas cenas me lembra passagens da vida de Jesus com os discípulos e que em alguns casos, desesperados não sabiam realmente o que fazer, como no caso da multiplicação dos pães e peixes. Jesus pediu para que todos sentassem para comer:
- Senhor, só temos 3 pães e 2 peixes pequenos, como manda-os sentar.
Sentados comeram e se fartaram e ainda sobrou.
Em outra ocasião tinham que pagar um tributo e não tinham o dinheiro:
- Abram aquele peixe.
Abriram e lá estava a moeda para pagar a dívida.
- Aquele que tiver pecado atire a primeira pedra, disse ele para os carrascos de Maria Madalena. Ninguém atirou a primeira pedra.
Em todos os casos Jesus sanou e supriu as necessidades. Problemas resolvidos apesar dos murmúrios e resmungos dos discípulos, e, às vezes da multidão que nos cerca.
- Não vamos conseguir, diziam eles, a vida agora é muito pesada, é melhor dispersar a multidão e não pagar o devido. O bom, agora, é desaparecer. Sumir.
Jesus supriu todas as necessidades. De relação interpessoal, financeira, e, quaisquer outras necessidades, até mesmo a morte, como a da filha de Jairo, de curas como a do cego, do leproso, do coxo etc...
De tudo que é relatado dos feitos de Jesus podemos resumir que a resposta aos nossos anseios e preenchimentos de nossas almas , é uma questão de fé.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Piraíba.

O alvorecer era iminente. O sol já se dispunha a aparecer no horizonte, lá para depois da linha da curva do rio. O Amazonas é assim de tão grande. Lá longe a curva encontra o horizonte, pois, lá o sol queria aparecer, começando a aquecer a terra com seus ultravioletas e infravermelhos.
Eu acordara animadíssimo, cedo, bem mais cedo que a ameaça de levantar do sol. É que Mário Jorge, um nativo do Careiro da Várzea, me convidara a pescar logo de manhã, ao amanhecer. Claro que quase não dormi. As imagens mais loucas povoavam minha mente desde o anoitecer. Peixes enormes eram pegos por mim e me consagravam como grande pescador, o maior de todos os tempos. Logo a imagem mudava e eu não conseguia pescar nada e a frustração se manifestava e eu queria simplesmente nunca ter sido pescador.
Mas, o dia já alvorecera e eu já em pé com os dentes escovados esperava ansioso a chegada do Mário para que fôssemos à tal pescaria.
- Vamos pegar peixe grande. Para isto é necessário anzóis e linhas maiores.
- Puxa Mário, olha só o tamanho deste anzol. Será que o peixe não vai vê-lo?
- Coloca um naco desse pedaço de peixe que ele vem correndo comer e a gente Oh!...
Ele fez um sinal que aí neste ponto pegaríamos um peixão. Coloquei a isca de peixe no anzol e rodopiei a linha grossa diversas vezes antes de soltá-la e arremessá-la a uma distância considerável. A linha fez uma curva e caiu alguns metros adiante, mas, um pouco além do que eu podia imaginar que pudesse arremessar uma linha. Senti, quase que imediatamente um puxar na linha e automaticamente puxei-a em minha direção, mas, não houve resposta e então puxei a linha totalmente para cima do flutuante. Algo tinha literalmente comido toda minha isca que era um pedaço considerável de um outro peixe.
Tornei, então, a refazer tudo. Tornei a trespassar a isca com o anzol até o cobrir quase totalmente com o pedaço do peixe. Arremessei a linha o mais longe que pude alcançar. Depois de um tempo senti a pressão na ponta da linha como se algo estivesse puxando-a. Repentinamente puxei a linha para trás e na minha direção, e, então senti o peso do animal se debatendo para se livrar da prisão do anzol. Era muito pesado e disse para o Mário Jorge:
- Acho que “peguei” alguma coisa grande estou...
- Puxe um pouco, mas, afrouxe a linha, depois, puxe de novo...
- Está pesada demais, disse eu do alto dos meus nove anos.
A força que eu fazia era imensa e não correspondia a nada, pois, o peixe não saia do lugar de onde estava.
- Você tem que cansar o peixe, Alé. Puxe e solte. Ele cansa logo.
- Está muito pesado. Olha ele está vindo para cá.
O enorme peixe resolvera que o ataque é a melhor defesa e se dispusera a vir diretamente para o flutuante e se arremeter nele. Fiquei apavorado com a força e a vontade de liberdade do peixe. Minha inépcia em lidar com tal situação me fez querer soltar a linha, mas, Mário Jorge imediatamente, pensando no refogado da caldeirada, tomou-me a linha e lutou com o animal até conseguir trazê-lo até a borda de ancoragem do flutuante.
- Vou puxar ele e você bate na cabeça dele com o martelo... Bate agora.
Olhei e vi a enorme cabeça do peixe aparecer bem perto da borda. Levantei o martelo e hesitei em bater.
- Martela ele...
Levantei e violentamente abaixei o martelo sobre a cabeça do bicho. Por um momento ele se debateu e sob o puxão da linha, feito por Mário, emergiu o suficiente para que ele pudesse puxá-lo para cima da plataforma do flutuante. O peixe enlouqueceu e se debatendo, lutava para retornar para a água. Mário Jorge martelou sua cabeça até a imobilidade de seu corpo. Estava ali em êxtase. Nunca vira peixe tão grande. Conta a lenda que a piraíba, devido seu tamanho, consegue engolir uma pessoa inteira, conforme as histórias que os velhinhos me contavam à noite no chafariz da praça da vila, neste momentos meus olhos esbugalhados acompanhavam os movimentos de tudo e de todos, que a noite ganhavam conotações fantasmagóricas. Ali naquele momento, dessa minha primeira pescaria de linha solta, mágico testemunhei a majestade do rei dos peixes amazônicos, em bravura, a Piraíba.
Mário Jorge na sua simplicidade de interiorano falou:
- Alé, vou fazer um “sardo” para mim.
Tirou um pedaço grande do peixe para garantir a comida de sua família naquele dia e foi embora.
O sol estava quase a pino. Quente. Olhei e vi o que restou do valente peixe e me imaginei entrando em casa e dizendo que eu pescara, fizera tal proeza. Com esforço levantei-o e arrastei-o até a casa onde estávamos morando. Estava feliz.

Panegírico da Vida.

- Quero morrer e morrer bem morrido, dizia Carmem a seu cunhado Antônio José. Sabe daquelas mortes irreversíveis, porque, você sabe há mortes reversíveis, como o sono profundo e a anestesia que são uma espécie de morte, mas, que são reversíveis, se volta à vida. Quero esquecer-me de mim próprio e da vida com sua carga tão pesada, principalmente quando não se tem mais motivos...
- Mas, que loucura de pensamento. Nada de bom há na morte. Ela representa a finitude que nos deixa desazos em poder viver intensamente o que deve ser vivido. Pense bem. A nossa inépcia em compreendê-la torna tudo um pouco mais difícil, mas, depois de viver, se ter consciência, de se relacionar com objetos, seres e ser humano, que tipo de bondade pode haver na morte se nela estiver concentrado toda escuridão do nada? Existe ainda a possibilidade da morte em vida. Você se aniquila tanto que se torna um zumbi, um ser sem sentimentos e percepções, e, por quê? Porque quer ser reconhecido por outros semelhantes e acha que não está, não é correspondido? Porque tudo que você faz não é exatamente como o esperado? O que falta a um ser que tem tudo para ser feliz e não é, e, ainda por cima deseja a morte como solução para sua inépcia?...
- Você não entende. Creio que quando a gente morre, morre-se por inteiro, completamente. Nada há que fique a reclamar ou nos molestar. A vida cansa com seus altos e baixos, com todos os problemas diários, por isso a desejo, pois, para mim é descanso total...
- Veja, Nietzsche, em “Origem da Tragédia”, fala em algum canto, que nossas ações, sejam quais forem, requerem uma outra idêntica em outro lugar, este totalmente desconhecido, dando idéia de que há continuidade, constante da vida em ação. O mesmo ocorre, no clássico da física quântica, da árvore que cai na mata e não é vista, nem percebida por alguém. Este fato diz que apesar da não percepção a realidade existe. A árvore caiu na floresta, não houve percepção da queda, mas, ela caiu, isto é, o não perceber-se do fato não o exclui. O simples fato de você morrer não anula a possibilidade real de continuidade da vida...
- Não diga isso...
- Assim, o ser humano tem que aprender a conviver e viver intensamente o momento que está vivendo agora, ad infinito, mesmo que tenha problemas, como todos outros nove bilhões de seres humanos no planeta terra. O que vale dizer que o maior tesouro que há é a vida, essa que a gente está vivendo agora, por isso curta-a o mais que puder, com seus filhos, seus amigos, seus ex, com ou sem dinheiro, sem esperar que os outros reconheçam seus dotes, seus dons, para o feedback ser inteiro. Com ou sem morte, viva o momento que Deus lhe dá agora, porque, o futuro ninguém sabe, ninguém há que tenha acesso a ele...
- Quer dizer que...
- Quer dizer que você tem que se reciclar. O que importa na vida é o invisível, o essencial, como dizia o pequeno príncipe, de Saint Exupéry. Temos que aprender com Jesus. Servir os outros é amar como se deve, isto é, como a si mesmo...
Este é um trecho do diálogo entre Antônio José e sua cunhada em um dos capítulos do livro vindouro. É para pensar...

domingo, 4 de outubro de 2009

O primeiro filho.

O dia era de alegria. Um sábado, nunca mais marquei cirurgia para este dia. O Hospital Militar de Manaus passara o dia em sua rotina. De manhã cedo os médicos, dentistas, bioquímicos, farmacêuticos, e toda equipe, nas mais diversas especialidades, armavam suas especialidades para o empate do dia. Os cirurgiões com seus compromissos agendados procuravam tranqüilidade e paz para exercerem suas atividades sem o stress tão comum tanto na pré-cirurgia quanto na própria e no pós- operatório. Dentro do centro cirúrgico a correria era intensa. Não se podia dar-se ao luxo de ter tempo perdido, pois, qualquer entrave ou erro tinha um componente negativo mais à frente. A enfermeira chefe ordenava com rigor, pois, não podia se dá ao luxo do erro, a feitura da conclusão das salas cirúrgicas, tinha que deixá-las prontas, esterilizadas e com todas as opções, em cada tipo de cirurgia considerando que os cirurgiões tinham técnicas e eram diferentes uns dos outros.
Eu estivera na sala de espera esperando a ordem vir, me autorizando a entrar na sala cirúrgica onde minha esposa, através do parto cesariana nos daria o nosso primeiro filho. O tempo demorava um pouco mais a correr, parecia que meu relógio possuía um ritmo próprio, mais lento que os outros, o que aumentava minha ansiedade. A adrenalina percorrera o corpo todo o deixando completamente alerta. De repente vi-me todo aparamentado e pronto para adentrar na sala. Socorro, minha esposa, deitada na mesa esperava, ansiosa, o começo de nosso sonho. O anestesista, velho conhecido meu, andava e dava ordens para a enfermeira circulante, aquela responsável, dentro da sala cirúrgica, pelo suprimento de tudo que é necessário para o sucesso da cirurgia.
- Socorro, por favor, sente-se e encoste o máximo que der seu queixo no peito. Você vai sentir uma picada em sua costa é da anestesia.
Rápido como uma serpente ele introduzira uma agulha entre as vértebras certas para a anestesia e depois de injetar o líquido para dentro da coluna pediu que ela voltasse para a posição deitada. O cirurgião, então, com o bisturi começou a cirurgia. Ultrapassou a primeira camada muscular e depois de mais duas dissecções teve acesso ao útero. Neste momento fez a incisão precisa e o neném em vez de tentar sair pela incisão se recolheu todo para a parede mais posterior do útero, significando que ele ainda não estava preparado para nascer.
Eu alegre, com a máquina fotográfica na mão, captava todo tipo de cena que julgava interessante. O médico assistente começou uma manobra para a retirada do bebê, mas, ele teimosamente mais se recolhia para a sua proteção do fundo do útero. Depois de muito esforço eles conseguiram retirar o bebê. Sem chorar e negro como um tição me pareceu estar totalmente perdido para sobreviver. Uma massagem, uma palmada e então o choro grosso. Ele, o neném, nascera prematuro e foi direto para a UTI e eu é claro fui junto. Passei 14 dias e noites ajudando, auxiliando e por vezes fazendo o papel de enfermeira, de auxiliar administrativo, trocando balas de oxigênio que se esgotavam à noite, de madrugada, aplicando injeções no bebê porque as enfermeiras e responsáveis dormiam ou tinham saído rapidinho, dava mamadas, em um corpinho tão pequenino que me dava medo de se fazer quaisquer manobras.
Fora um erro no cálculo da data do nascimento considerando a data da última menstruação. As datas não bateram. Ele nascera quase dois meses antes. Haja paciência, amor, vontade de sobrevivência, instinto, e, tudo que o ser humano acumulou como defesa própria ao longo desses milhões de anos de vida no planeta, nada ficou de fora tudo foi usado para a sobrevivência do meu primeiro filho. Sobreviveu. Que experiência dolorosa, mas, salvadora. Uniu-me mais ao cosmos e a origem instintiva da família como órgão primário da sociedade. Digo instintiva porque não tem explicação lógica a sensação de que se si redimiu para a própria vida.

sábado, 3 de outubro de 2009

Relações Eternas.

Daqui de cima, no mezanino, vê-se todo salão do hall. É salão grande, como quer o nome, que funciona como sala de espera na ala de cardiologia da Benemérita Beneficência Portuguesa, em São Paulo. É um hospital muito grande, amplo como os imóveis do afinal do século XVIII, e, começo do XIX. É um salão todo decorado seguindo a linha da época, e, suas poltronas e sofás são de puro couro e com os espaldares altos. Todas as tardes durante os últimos 14 dias lá estava eu neste mezanino, juntamente com outras pessoas a esperar minha vez e a delas, de sermos levados para dentro da UTI coronariana, seguindo as mais variadas faixas coloridas, pintadas no chão. As cores tinham a ver com a direção provável para onde estávamos nos dirigindo. Enfermaria onde os biombos, saletas separadas com lençóis esticados e bem limpinhos, quartos, suítes, luxo, tudo espelhando e chamando atenção pelo luxo e limpeza. O chão impecavelmente lustrado mostrando todo o esplendor da madeira de lei, vinda de Portugal, dava para se ver refletido no chão como se fora espelho. As portas de entrada e de saída, todas em madeira pesada, trabalhadas à mão, entalhadas com motivos tais que pareciam mais provindas de um artista celeste que de um terreno.
Olhava para baixo seguindo os movimentos, mas, um velhinho sentado em uma poltrona me chamou a atenção. Estava cochilando, com sua cabecinha branquinha a ir para frente e voltar trás mais bruscamente, talvez, pelo acordar e ter que tomar uma posição, na minha terra diz-se que o sujeito está pegando traíra. Fixei minha vista nele e durante aqueles dias pude perceber o que o amor é capaz de fazer com as pessoas, deixando-as, ternas e amorosas, e, na idade dele entendendo o fim próximo, porém, vivendo intensamente o dia de hoje, o agora.
- Senhoras e Senhores que vão visitar e vão entrar na UTI, queiram dirigira-se à entrada para as orientações era a moça chamando para a pré-entrada e seus rituais.
Voltei à realidade, e, antes de ir para a pré-entrada, onde se lavam as mãos em água corrente, depois o álcool iodado, as pantufas para os sapatos, a máscara e o gorro, resolvi tomar um café quentíssimo na lanchonete do hospital. Era julho e o frio que começara em fim de junho mostrava para os paulistanos que o inverno ia ser forte, pesado. Retornei e fui direto para a pré-entrada. Depois de tudo feito e pronto me dispus a seguir a linha vermelha que me conduziria até o final da última enfermaria onde estava minha cunhada, motivo de um capítulo mais adiante. Este capítulo se torna necessário para a compreensão de minha estada ali e o começo da história que quero vos relatar leitor, não, não vai ser enfadonho, prometo ser o mais breve possível na dissertação dos fatos.
Passei em frente a diversos apartamentos, sempre seguindo a linha vermelha, e, então, ao passar pela penúltima porta da ala dos apartamentos vi a cena mais linda e que nunca mais saiu de minha lembrança, mesmo agora passado tanto tempo. A porta aberta me deixou ver contra luz o velhinho, aquele da poltrona, em pé do lado da cama onde uma velhinha estava deitada em estado de profundo descanso, comatoso profundo. Só o arfar, o subir e o baixar do peito e abdômen revelava vida. O que me impressionou é que não se podia distinguir nada das feições ou dos detalhes da cama, por exemplo, somente os contornos, impostos pela luz que entrava pelos janelões ao fundo. Ele estava fazendo cafuné, lentamente, nos alvos cabelos da senhora. Pareceu-me, por um momento, que ela entendia e de alguma forma se comunicava com ele.
Fiquei imaginando, ali naquela hora, que se me fosse possível começar a rodar um filme romântico, eu começaria exatamente por esta cena, depois, a câmera fecharia e quando tornasse a abrir mostraria os dois em uma cena retrocedida à época da adolescência dos dois quando este romance começara...
Este é um dos capítulos de um livro que escrevo sobre a eternidade das relações e que brevemente estará no prelo.