quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Manaus, 57 anos.

Nasci em 1952, portanto, a cinqüenta e sete anos atrás. É o tempo que Manaus existe em mim. Claro que não estou procurando a história de antes de mim, e, me situando somente neste ínfimo lapso de tempo que tem sido minha vida até agora residindo nesta bela capital do estado do Amazonas, mas, é o que corresponde à minha parte, e, mais precisamente nos anos sessenta, época de rebeldia mundial e de alicerce para os pequenos manauaras.
Dormia-se com as janelas abertas, diziam os moradores antigos, fazendo inveja para os atuais. Ela ainda não fora infectada por essa enorme fome de consumo que levou o ser humano a um catastrófico patamar de desejo de ter produtos, de quaisquer maneiras, o que o corrompeu a um nível alarmante. Roubos, assassinatos, latrocínios, corrupção desenfreada, contrabandos, drogas, prostituições, transformaram-na, mais tarde, em uma formosa e madura cidade, porém totalmente heterogênea sem unidade, desumana, nivelada a uma grande metrópole, e, com todos os problemas inerentes a tudo que estiver embutido de bom e ruim numa grande cidade. Bom, isto aconteceu bem mais para cá, mais perto de minha entrada nos enta, quarenta, cinqüenta anos de minha existência, por isso, vamos deixar isto para lá e voltar para minha puerícia, vida na pequena e pacata Manaus dos anos cinqüenta e começo dos sessenta, e, depois, sim, já fartos do ar puro e dos frutos das várzeas, e, do leite que vinha de nosso interior próximo, como o Careiro da Várzea, Autazes, Curari, que o produzia em quantidade suficiente para o abastecimento da capital. Junto com o leite vinha também o queijo de coalho, o manteiguinha, o doce de leite, uma verdadeira delícia gastronômica. As goiabas, os buritis, as bananas pratas e maçãs, a nanica também, os abricós, pupunhas, mangas, sapotis, ingás, sorvas, maracujás do mato, cajus, tucumãs, fartavam nossas mesas e enchiam o imaginário gustativo dos turistas que por aqui passavam.
A brisa ainda vinha do meio do rio, talvez, porque os prédios verticais não estivessem construídos impedindo a passagem do vento para o interior da cidade, com aquele cheiro característico que só rio Negro tem. As ruas de paralelepípedos, melhor piso impossível, eram charmosas e saiam do centro para a periferia que não ia muito longe, como a Av. Tarumã, a Joaquim Nabuco, a Getúlio Vargas, a 7 de Setembro, a Silva Ramos, a João Coelho. Era uma cidade de 250.000 habitantes; as senhoras, à tardinha sentavam-se em cadeiras em frente suas casas, com as calçadas lavadas com bastante água para minimizar o calar e conversavam até altas horas com as vizinhas colocando em dia seus assuntos.
A luz era a motor e desligava-a por volta das vinte e duas horas, e, a iluminação então era de responsabilidade dos candeeiros, dos aladins, velas, lamparinas, o combustível era o querosene. Em um canto das casas, na época dos carapanãs, acendia-se um espanta mosquito, uma espécie de incenso que na verdade espantava tudo que era de carapanãs, mosquito inquietante, que não deixa ninguém dormir com seu cantar zumbindo. Para proteção maior, as mães tratavam de literalmente encapar as camas, redes com uma rede de malha minúscula chamada de mosqueteiro, porque protegia quem estivesse a dormir ali desses seres voantes e muito incômodos.
A TV ainda não era projeto, mas, como era delicioso, às dezesseis horas, todos os dias, ligava o rádio, para mim mesmo e para meus irmãos, ouvirmos o Teatrinho Infantil, que contava todas as histórias que preencheram nosso universo mirim com toda a fantasia falada naquela hora tão esperada, era na rádio Rio Mar. Lembro de uma história operetada, se é que posso usar este termo, porque, era uma história cantada. O macaco e a velha:
- Uma velha, muito velha, chamada Ferinfivelha,
Tinha um lindo bananal no fundo do seu quintal, mas,
a coitadinha da velha poucas bananas comia, porque,
o Macaco Simão roubava todas que havia.
Eram horas deliciosas aquelas, não só pelas histórias, mas, pela convivência sadia na família.
Ia a pé para o colégio. Tudo tão perto e sem movimento de carros ou ônibus que minha mãe incentivava-nos, a mim e aos outros filhos a andar para onde quer que fôssemos. A confeitaria Avenida era um prazer, com seus doces, quindins, pães, folheados, seus xaropes sempre geladíssimos.
- Ponha cinco de cada...
E o português, dono:
- Pois não, rapaz.
Tempos sadios, sãos na essência. Tempos que dão saudade e não voltam mais, porém, vividos em toda a sua grandeza, vividos intensamente, como deve ser o agora eterno. Te amo Manaus.

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