quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Piraíba.

O alvorecer era iminente. O sol já se dispunha a aparecer no horizonte, lá para depois da linha da curva do rio. O Amazonas é assim de tão grande. Lá longe a curva encontra o horizonte, pois, lá o sol queria aparecer, começando a aquecer a terra com seus ultravioletas e infravermelhos.
Eu acordara animadíssimo, cedo, bem mais cedo que a ameaça de levantar do sol. É que Mário Jorge, um nativo do Careiro da Várzea, me convidara a pescar logo de manhã, ao amanhecer. Claro que quase não dormi. As imagens mais loucas povoavam minha mente desde o anoitecer. Peixes enormes eram pegos por mim e me consagravam como grande pescador, o maior de todos os tempos. Logo a imagem mudava e eu não conseguia pescar nada e a frustração se manifestava e eu queria simplesmente nunca ter sido pescador.
Mas, o dia já alvorecera e eu já em pé com os dentes escovados esperava ansioso a chegada do Mário para que fôssemos à tal pescaria.
- Vamos pegar peixe grande. Para isto é necessário anzóis e linhas maiores.
- Puxa Mário, olha só o tamanho deste anzol. Será que o peixe não vai vê-lo?
- Coloca um naco desse pedaço de peixe que ele vem correndo comer e a gente Oh!...
Ele fez um sinal que aí neste ponto pegaríamos um peixão. Coloquei a isca de peixe no anzol e rodopiei a linha grossa diversas vezes antes de soltá-la e arremessá-la a uma distância considerável. A linha fez uma curva e caiu alguns metros adiante, mas, um pouco além do que eu podia imaginar que pudesse arremessar uma linha. Senti, quase que imediatamente um puxar na linha e automaticamente puxei-a em minha direção, mas, não houve resposta e então puxei a linha totalmente para cima do flutuante. Algo tinha literalmente comido toda minha isca que era um pedaço considerável de um outro peixe.
Tornei, então, a refazer tudo. Tornei a trespassar a isca com o anzol até o cobrir quase totalmente com o pedaço do peixe. Arremessei a linha o mais longe que pude alcançar. Depois de um tempo senti a pressão na ponta da linha como se algo estivesse puxando-a. Repentinamente puxei a linha para trás e na minha direção, e, então senti o peso do animal se debatendo para se livrar da prisão do anzol. Era muito pesado e disse para o Mário Jorge:
- Acho que “peguei” alguma coisa grande estou...
- Puxe um pouco, mas, afrouxe a linha, depois, puxe de novo...
- Está pesada demais, disse eu do alto dos meus nove anos.
A força que eu fazia era imensa e não correspondia a nada, pois, o peixe não saia do lugar de onde estava.
- Você tem que cansar o peixe, Alé. Puxe e solte. Ele cansa logo.
- Está muito pesado. Olha ele está vindo para cá.
O enorme peixe resolvera que o ataque é a melhor defesa e se dispusera a vir diretamente para o flutuante e se arremeter nele. Fiquei apavorado com a força e a vontade de liberdade do peixe. Minha inépcia em lidar com tal situação me fez querer soltar a linha, mas, Mário Jorge imediatamente, pensando no refogado da caldeirada, tomou-me a linha e lutou com o animal até conseguir trazê-lo até a borda de ancoragem do flutuante.
- Vou puxar ele e você bate na cabeça dele com o martelo... Bate agora.
Olhei e vi a enorme cabeça do peixe aparecer bem perto da borda. Levantei o martelo e hesitei em bater.
- Martela ele...
Levantei e violentamente abaixei o martelo sobre a cabeça do bicho. Por um momento ele se debateu e sob o puxão da linha, feito por Mário, emergiu o suficiente para que ele pudesse puxá-lo para cima da plataforma do flutuante. O peixe enlouqueceu e se debatendo, lutava para retornar para a água. Mário Jorge martelou sua cabeça até a imobilidade de seu corpo. Estava ali em êxtase. Nunca vira peixe tão grande. Conta a lenda que a piraíba, devido seu tamanho, consegue engolir uma pessoa inteira, conforme as histórias que os velhinhos me contavam à noite no chafariz da praça da vila, neste momentos meus olhos esbugalhados acompanhavam os movimentos de tudo e de todos, que a noite ganhavam conotações fantasmagóricas. Ali naquele momento, dessa minha primeira pescaria de linha solta, mágico testemunhei a majestade do rei dos peixes amazônicos, em bravura, a Piraíba.
Mário Jorge na sua simplicidade de interiorano falou:
- Alé, vou fazer um “sardo” para mim.
Tirou um pedaço grande do peixe para garantir a comida de sua família naquele dia e foi embora.
O sol estava quase a pino. Quente. Olhei e vi o que restou do valente peixe e me imaginei entrando em casa e dizendo que eu pescara, fizera tal proeza. Com esforço levantei-o e arrastei-o até a casa onde estávamos morando. Estava feliz.

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