domingo, 4 de outubro de 2009

O primeiro filho.

O dia era de alegria. Um sábado, nunca mais marquei cirurgia para este dia. O Hospital Militar de Manaus passara o dia em sua rotina. De manhã cedo os médicos, dentistas, bioquímicos, farmacêuticos, e toda equipe, nas mais diversas especialidades, armavam suas especialidades para o empate do dia. Os cirurgiões com seus compromissos agendados procuravam tranqüilidade e paz para exercerem suas atividades sem o stress tão comum tanto na pré-cirurgia quanto na própria e no pós- operatório. Dentro do centro cirúrgico a correria era intensa. Não se podia dar-se ao luxo de ter tempo perdido, pois, qualquer entrave ou erro tinha um componente negativo mais à frente. A enfermeira chefe ordenava com rigor, pois, não podia se dá ao luxo do erro, a feitura da conclusão das salas cirúrgicas, tinha que deixá-las prontas, esterilizadas e com todas as opções, em cada tipo de cirurgia considerando que os cirurgiões tinham técnicas e eram diferentes uns dos outros.
Eu estivera na sala de espera esperando a ordem vir, me autorizando a entrar na sala cirúrgica onde minha esposa, através do parto cesariana nos daria o nosso primeiro filho. O tempo demorava um pouco mais a correr, parecia que meu relógio possuía um ritmo próprio, mais lento que os outros, o que aumentava minha ansiedade. A adrenalina percorrera o corpo todo o deixando completamente alerta. De repente vi-me todo aparamentado e pronto para adentrar na sala. Socorro, minha esposa, deitada na mesa esperava, ansiosa, o começo de nosso sonho. O anestesista, velho conhecido meu, andava e dava ordens para a enfermeira circulante, aquela responsável, dentro da sala cirúrgica, pelo suprimento de tudo que é necessário para o sucesso da cirurgia.
- Socorro, por favor, sente-se e encoste o máximo que der seu queixo no peito. Você vai sentir uma picada em sua costa é da anestesia.
Rápido como uma serpente ele introduzira uma agulha entre as vértebras certas para a anestesia e depois de injetar o líquido para dentro da coluna pediu que ela voltasse para a posição deitada. O cirurgião, então, com o bisturi começou a cirurgia. Ultrapassou a primeira camada muscular e depois de mais duas dissecções teve acesso ao útero. Neste momento fez a incisão precisa e o neném em vez de tentar sair pela incisão se recolheu todo para a parede mais posterior do útero, significando que ele ainda não estava preparado para nascer.
Eu alegre, com a máquina fotográfica na mão, captava todo tipo de cena que julgava interessante. O médico assistente começou uma manobra para a retirada do bebê, mas, ele teimosamente mais se recolhia para a sua proteção do fundo do útero. Depois de muito esforço eles conseguiram retirar o bebê. Sem chorar e negro como um tição me pareceu estar totalmente perdido para sobreviver. Uma massagem, uma palmada e então o choro grosso. Ele, o neném, nascera prematuro e foi direto para a UTI e eu é claro fui junto. Passei 14 dias e noites ajudando, auxiliando e por vezes fazendo o papel de enfermeira, de auxiliar administrativo, trocando balas de oxigênio que se esgotavam à noite, de madrugada, aplicando injeções no bebê porque as enfermeiras e responsáveis dormiam ou tinham saído rapidinho, dava mamadas, em um corpinho tão pequenino que me dava medo de se fazer quaisquer manobras.
Fora um erro no cálculo da data do nascimento considerando a data da última menstruação. As datas não bateram. Ele nascera quase dois meses antes. Haja paciência, amor, vontade de sobrevivência, instinto, e, tudo que o ser humano acumulou como defesa própria ao longo desses milhões de anos de vida no planeta, nada ficou de fora tudo foi usado para a sobrevivência do meu primeiro filho. Sobreviveu. Que experiência dolorosa, mas, salvadora. Uniu-me mais ao cosmos e a origem instintiva da família como órgão primário da sociedade. Digo instintiva porque não tem explicação lógica a sensação de que se si redimiu para a própria vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário