sábado, 15 de janeiro de 2011

Carinho é bom.

A avó era bem gorda, com uma enorme barriga, o que a deixava mais baixa, na aparência. Adorava o neto mais novo porque o pai e mãe não tinham paciência suficiente com ele. O garoto tinha por volta de sete anos e o que queria fazer naquela hora era brincar com seus colegas de rua, no centro da cidade, de bolinha de gude. O tuíste, a ronda mate, e, principalmente a ronda mate. O círculo, longe da linha de ponto, era o receptáculo da quantidade de bolinhas apostadas previamente, às vezes, casava-se uma, duas, três e assim por diante. Os jogadores se postavam ao lado do círculo, um de cada lado, e, jogavam suas ponteiras, bolinhas maiores que as da aposta, podendo ser de vidro, de aço, tiradas dos rolamentos das rodas de caminhão, carros, e, quanto mais perto elas parassem da linha de ponto faziam a ordem de jogada de cada um dos jogadores. O primeiro, então, mirando no centro da ronda mate, atirava a sua ponteira com bastante força no afã de tirá-las de dentro do círculo, o que, se acontecesse, dava ao jogador a chance de continuar a jogar até errar, então, a vez da jogada passava ao outro jogador, e, assim jogava-se até a última bolinha sair de dentro do círculo.
- Amanhã tem prova de Matemática, menino, vais ter estudar de novo, pois, não sabes nada - a mãe do menino gritava bem alto.
O garoto, então, corria para o colo da avó. Ela deixara, propositadamente, crescer a unha do dedo mínimo com o qual fazia cócegas no neto. Depois de brincar um pouco, ela, pacientemente, começava a ensinar o menino, com tanto amor que o ilógico virava lógico o improvável em provável e rapidamente, contra todas as previsões maternas o garoto aprendia a lição, fato comprovado pela mãe que o sabatinava.
- Agora podes brincar, um pouco...
Nem a frase terminava o moleque já estava na rua misturado aos outros, e, naquele momento, nem lembrava do esforço da velha avó em ensina-lo, somente mais tarde na vida é que teria a noção exata da família e notadamente da avó em sua formação pessoal.
- Receba este diploma... Era o reitor da universidade coroando a cabeça do moleque e no gesto mecânico não observou uma lágrima emocionada que timidamente escorria do rosto abaixo daquele moleque que agora lembrava o carinho da avó a ensinar-lhe a vida.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Pesadelos.

Parece um pesadelo, desses terríveis que a gente pensa não suportar, se demorar mais um pouquinho. As chuvas têm literalmente acabado com as principais cidades do Brasil e algumas em outros países. São Paulo, nossa principal cidade, está embaixo d'água, computando inúmeros mortos e desabrigados, e, impera as doenças, as lamentações pelos entes que morreram. O Rio de Janeiro também, com suas maravilhas impressionantes, suas belezas, seus encantos, sofre a dor de soterramentos, deslizes, mortes prematuras, na maioria das vezes totalmente desnecessárias.
Fico imaginando o intenso sofrimento dessas famílias, normalmente de bairros periféricos, ou mesmo em regiões serranas, de casas ricas, sem terem a quem se queixar, sem terem ombro onde possa efetivamente ser consoladas, e, sem entenderem que tudo isso poderia ter sido evitado se não fosse o descaso dos governos que ano após ano enfrentam tais prejuízos, tanto material quanto social. Todo ano se lamenta muito o acontecido, mas, na prática nada se faz.
Ouvi a entrevista de um prefeito que dizia que realmente o local desmoronado era de uma invasão, irregular. Quer dizer a prefeitura sabia da irregularidade e nada fez, e, se olharmos de uma forma macro, veremos que quase todos os lugares com este tipo de problema são iguais. Ano vai e ano vem, milhões e milhões de reais são gastos em obras de infra-estrutura e não resolvem nada. Tomara, oxalá, os governantes de todos os nossos estados e quaisquer lugares que possam resultar em mortes de seres humanos, tenham consciência de que as prioridades para o ano que vem além das normais sejam as enchentes por águas pluviais, deslizamentos de encostas, inibição de invasão de áreas reconhecidamente perigosas, e, sobretudo, tenham a coragem de tomar decisões que certamente vão doer politicamente, por serem antipáticas, assim talvez, para o ano vindouro o preço da acomodação não seja principalmente vidas preciosas.

Louco, hoje pedirão tua alma...

A vida é breve.
Não havia nada certo, tudo estava dando errado. Ele pensara no quanto tinha trabalhado para alcançar um bom descanso na velhice, em sua aposentadoria. O tempo passara e agora aposentado, com boa prebenda, podendo praticamente fazer o que quisesse, como viajar com sua esposa, com seus netos, e, mesmo em grupos de amigos, aparecera essa doença para invalidar quaisquer planejamentos. Era uma doença silenciosa, dessas que matam a gente devagar, pensara ele, naquela manhã. Tomara uma boa ducha, sentara à mesa para o café da manhã e a voz metálica do médico repetindo sistematicamente a mesma promessa de morte iminente, talvez uns poucos meses. Deveria se apegar com Deus, dissera ele. Deus? Aonde pode estar Deus? Agora que eu poderia viver um pouco mais, longe das chateações do trabalho, fator de muito estresse, e, também dos engarrafamentos, da hora marcada, da obrigação de ser organizado, me aparece este maldito tumor e em uma região tão sensível a ponto de se espalhar tão rapidamente pelo corpo, que alias o médico não sabe se já está ou não e aonde. Oh! Meu Deus...
Amanhã em vez de estarmos no Caribe, não vamos por conta desse tratamento com químicos e a tal de radioterapia. Caramba, pensara ele, será que isto é verdade? Tenho quase certeza que este médico errou o diagnóstico, pois, sempre fui muito saudável, nunca tive ou apanhei quaisquer doenças, nem mesmo dor de cabeça, meus exames, quando os fazia, eram impecavelmente dentro dos limites normais; esse médico errara o diagnóstico, com certeza. Vou procurar outro médico. O rosto do médico insistia em ficar defronte a ele. Um leve sorriso, sarcástico, e, a voz metálica. O cara está completamente louco, pensara ele. Não faça isso, agora gritava ele, pois, o endiabrado do médico empunhava um bisturi pronto para extirpar o tal tumor. Pare, pare...
Acordou olhando para os lados e em todas as direções tentando se situar. Até que entendeu que tudo fora realmente um sonho mau. Um pesadelo. Graças a Deus, que nunca me abandonou, pensara num lampejo de felicidade por tudo não passar de especulação do mundo dos sonhos. Olhou para sua mulher, a seu lado, na cama, pensando o quanto poderia ter dado mais conforto, mais vida para ela, qualquer dia desses eu faço e levantou-se. O dia estava claro, com o sol buscando entrar no quarto por uma brecha deixada pela persiana. Espreguiçou-se e pensando em quanto sua loja venderia hoje, sentou-se no vaso do banheiro. Quando estava terminando e praticamente levantando-se, uma súbita dor no peito, achatando e comprimindo-o cada vez mais, o fez ficar tonto, e uma forte luz cobriu seus olhos, e, então a dor infinita, infinda, terrível tomou conta de seu peito e dele, prostrando-o. Caiu morto ali mesmo.
" Louco hoje pedirão tua alma e o que tens guardado para quem será? "

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Alegria no coração.

Amanheci desanimado, macambúzio, talvez, porque, acordara mais cedo que o costume e pensara no tempo, bom, quando o consultório, abarrotado de pacientes me enchia de orgulho e muito trabalho, às vezes, não me deixando dormir, tal a demanda. Talvez, porque tenha lembrado que deixara de atender por exatos sessenta dias, por conta de um dedo, de minha mão, fraturado, primeiro abri o olho não coberto, pelo lençol, para logo depois levantar-me, como sempre, orando, pedindo pelos meus e pelos outros, pelos doentes conhecidos ou não, pela verdadeira igreja de Deus, pelos amigos mais chegados ou não, pedindo pelo planeta terra com sua complicada rapace, provocada pelo próprio homem, e, então, me dei conta da felicidade que encheu meu coração ao compreender que o melhor seria feito ou já estava feito na mente de Deus e que Ele disse: " Olhai o lírio do campo, pois, nem Salomão em toda sua glória se vestiu como um deles... "; pensei, então, nos filhos, netos e afins, todo bloco de meus amigos e sorrindo de alegria entrei no chuveiro para uma boa ducha.
" Se paz a mais doce
me deres gozar,
se dor a mais forte sofrer,
Oh! Seja o que for
Tu me fazes saber que com JESUS,
Sempre eu vou ser... ".
Era o canto de meu coração. O dia começara e sem saber o que estava reservado para ele entrei no carro para ir atender na Assembléia Legislativa do Estado, onde trabalho.
Deus é bom e sua benignidade é para sempre.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Cais do Porto.

Desci a Eduardo Ribeiro, dia desses, andando e absorvendo os ares do centro de Manaus, observando a arquitetura bonita dos prédios antigos. Ao passar pelo relógio, antigo monumento da cidade, uma espécie de nostalgia tomou conta de meus pensamentos. Me deparei com a entrada do cais do Porto. Do seu lado esquerdo o imponente prédio, vindo da Europa, todo em blocos pré-montados, onde antigamente funcionava o prédio da alfândega e à direita do portão de entrada os armazéns de estocagem dos contêineres. Ao lado dos armazéns do outro lado da rua íamos, tempos atrás, comprar todo tipo de alimentos importados na Booth's Line, em especial o que era uma delícia, as latas de biscoitos ingleses, amanteigados, dispostos em camadas acomodando diversos tipos e qualidades de delícias. Muito bom.
Íamos, ao cais, toda a família, os mais velhos segurando as mãos dos mais novos. Todo cuidado era pouco. A profundidade, ali onde há o porto é de 40a 45 metros. O cais tem a forma de um T. Os navios ancoram na trave do T e eu ficava admirado com o movimento dos marinheiros, dos carregadores, do vai-e-vem dos trabalhadores e das cargas e tratores. Também o cheiro sui generes do vento que vinha do meio do rio.
Quando em vez via uma canoa com uma cobertura de lona, mas, sem as laterais, de modo que via-se no interior o caboclo vendendo sanduíches, sucos de frutas. Ele ia remando e fazendo propaganda de suas guloseimas. Eram tardes deliciosas, essas dos passeios familiar, mas, depois de um tempo, comandados por meu pai, batíamos em retirada dali e ao subirmos a Eduardo Ribeiro, de volta para casa, tínhamos parada obrigatória na Confeitaria Avenida para comermos e nos deliciarmos com os doces e salgados, tão gostosos que até hoje sinto o gosto do quindim, do caramujo, do rocambole, dos folheados, das empadas, as quais derretiam na boca, dos sucos supergelados de framboesa, de morango, de guaraná etc...
Xingo o motorista que buzinou exatamente agora e me trouxe ao presente. Aqueles dias parecem-me distantes, agora, vívidos na mente, então, olhando saudoso para o portão de entrada para o porto, agora com guardas a guardá-lo, refaço-me e dobrando à esquerda dirijo-me ao Restaurante e Lanchonete Jangadeiro, situado numa praça perto dali para saborear um sanduíche de pernil.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Chuva ...

A chuva torrencial caía com toda a sua força. O carro andava lentamente, partícipe de uma enorme fila. Pareceu a mim que o ocupante do carro da frente estava realmente apressado. Tentara ultrapassar o da frente pela direita quase causando um acidente. Náo tinha o que fazer senão ligar o rádio e na medida do possível relaxar.
" Olho para a chuva que não quer parar
Nela vejo meu amor
essa chuva ingrata que não quer parar
prá aliviar a minha dor,
Chuva traz o meu benzinho, pois, preciso de carinho,
Diga a ela prá não me deixar triste assim. "
Era uma música antiga, cantada por Demetrius, um cantor da década de sessenta ou setenta. Me vi, então, viajando no tempo e apressadamente tentando chegar o mais rápido na casa de minha namorada, lá na Cachoeirinha, no auge de meus dezesseis anos, ofegante e afoito. Descera do ônibus o mais próximo possível, parara numa marquise de uma padaria e estivera esperando um amainamento do toró. Lá dentro da padaria ouvia-se Demetrius cantando essa mesma música. Entrei, pedi um pão com manteiga e um refrigerante, guaraná Luzéia, e, enquanto me aquecia por ali, depressivamente, interpretava a música. A chuva não vai parar prá aliviar esta dor de querer ter a namorada perto para poder abraçá-la, aquecê-la com afagos. Que droga de chuva.
Oh! Chuva traz o meu amor...
Me deixa chegar lá, era o grito do peito, mas, quanto mais eu me angustiava mais chuva caía engrossando ainda mais a torrente de água. Terminara o lanche e me escorara no umbral da porta. Depois de uma hora estava com o coração a mandar enfrentar o lençol de água no qual se transformara a rua. Impulsivamente corri para a corrente de água e desatei a correr na direção da rua da casa da garota. Cheguei em frente ao portão, arrodeado de sabambaias, e, outras flores, que formavam um corredor até a porta principal da casa. Empurrei com força o portão, mas, ele estava trancado à chave. Ali encharcado e tremendo de frio, demorei a compreender que não havia ninguém em casa. A família inteira tinha saído. Se tivesse chegado uma hora atrás tinha-os acompanhado.
Como voltar e pegar um ônibus todo molhado, molhado até a alma? Resolvi andar e andei.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Ler é muito bom.

A livraria estava quase vazia, menos cheia de gente que outros dias. Entrei à procura de um livro de escritor local, especificamente um chamado " A cidade ilhada ", do escritor Milton Hauton. Localizei-o e qando me dirigia ao guichê para o pagamento, dei de cara com o próprio escritor, que lá estava, em um dos nichos, procurando algo.
Com o livro na mão fui direto até ele e disse: Escritor, você pode autografar este livro para mim?
Claro, disse ele, perguntando-me pra quem seria o oferecimento. Dei meu nome e então escreveu:
" Para Alexandre, estas histórias narradas por um narrador nômade.
Um abraço afetuoso de
Milton Hauton "
Manaus, 02/01/2011.
Espero que você goste... Disse-me apertando minha mão direita. Obrigado disse eu e alegre fui me sentar no Café do Ponto, para ler e degustar um bom café, pensando, como não gostaria de um livro escrito por tal criatividade, a qual, prende o leitor até a última página, como em todos os seus livros.
Degustei o livro, aprendendo a vida, relembrando lugares e expressões locais, mas, não tive a coragem de dizer que ouso escrever alguns contos e algumas crônicas. Inibi-me ante a figura simples do escritor, talvez, porque avultaram-se meus limites e diminuíram-se minhas virtudes, que sei são poucas, mas, que não impedem meu caminhar, meu escrever, contos e crônicas da vida que nos revigoram a cada passo, dando-nos sustento físico, psicológico e espiritual. Ler é muito bom, aprendendo e vivendo esses maravilhosos contos que nos fazem viajar no tempo e no espaço.