terça-feira, 16 de agosto de 2011

Rua Luis Antony-A Casa

Chegáramos do Rio de Janeiro havia pouco tempo. O verão mal começara e já o povo, principalmente os migrantes, reclamavam da quentura, e, ainda estávamos no final de agosto.
- Imaginas esta quentura em setembro, ufa! Minha mãe conversando com D. Neném, nossa vizinha da casa da direita, nas pontas dos pés, junto ao final do muro, lá no fundo do quintal, onde um socalco tornava o terreno mais alto nessa região possibilitando a comunicação entre os vizinhos.
A casa, fora cedida por um tio, irmão de minha mãe, situada à Rua Luis Antony, centro de Manaus, e, tenho a impressão que construída aproveitando o corte feito quando da feitura da rua pelos tratores. Todas as casas, de fato, aproveitaram tal corte, o primeiro pavimento era no topo do corte, portanto, quase todas tinham o portão de entrada ao rés da rua. Na nossa casa uma escada no meio de sua largura conduzia até um pátio dividido pelo vão da escada, em lado esquerdo e lado direito, sendo que na parte mais frontal uma lage uni-as, de maneira, que podia se passar de um lado para outro por cima dessa pequena ponte. Tanto de um lado como de outro minha mãe cultivava bouganvillés, um amarelo e outro vermelho. No natal essas árvores eram enfeitadas com lâmpadas pisca-piscas, que eram vistas de longe, à noite.
Eram poucos cômodos, distribuídos no máximo de organização que o engenheiro pôde engendrar para tal espaço. Um corredor do lado esquerdo quase do comprimento da metade da casa levava à sala de visitas e uma porta lateral, logo à entrada conduzia aos quartos. Da sala, descendo um degrau, um patamar abrigando dois banheiros, depois, a sala de jantar, finalmente a cozinha e um quintal que ao seu final um socalco levantava-o deixando que alguém do nosso pudesse conversar com o vizinho da direita, no caso a D. Neném, pessoa de bom coração e mãe de minha professora particular, a D. Nely, personagem de histórias incríveis e uma em particular, comigo, que conto depois.
À tardinha, as mães sentavam-se em frente suas casas em cadeiras de macarrão, de embalo, depois de aguarem as frentes de suas casa, e, colocavam os assuntos da cidade e do mundo, das famílias, em dia. Era uma fofocada só.
Meu pai fizera vir do Paraná um piano, Essenfelder, para Necil, minha irmã, estudar. O piano viera numa caixa de Madeira, enorme, e, que em nossa mente criativa, acabou por virar um castelo, onde a mesma irmã era nossa rainha e um de nós, eu ou meu irmão mais velho, o Tony, revezava-nos nos cargos de invasor do castelo ou defensor. Depois do almoço, nossos pais saíram, parece-me foram ao supermercado completar o rancho do mês. Necil brincava no corredor fazendo bonecos com massa de modelar. Para que os tais bonecos ficassem em pé ela alojava em seus interiores uma vareta, daquelas do jogo "não pode mexer".
- Tony, vamos brincar de castelo?
- Vamos... Disse ele correndo para separar sua espada, de madeira, feita por nós mesmos, e, também seu escudo, que na verdade era tampa de lata de lixo que naquela época era feita de latão e servia muito bem ao nosso propósito. Enquanto ele ajeitava nossos apetrechos de guerra corri para o corredor para chamar a Necil, pois, tínhamos que colocar ao redor de seu pescoço uma toalha, seu manto de rainha, e, como cetro um boneco de boliche.
- Vamos brincar de castelo?
- Não, estou fazendo bonecos...
- Vamos logo, o Tony está terminando o castelo...
- Não vou...
Quando ela terminou sua última negativa, não sei porque, me atinou de chutar tais bonecos, para destruí-los e assim deixá-lá livre para ir brincar de castelo. Chutei. A dor foi intensa. A vareta traspassara meu pé, literalmente. Quando olhei o pé atravessado pela vareta comecei a gritar, a Necil correndo para o pátio onde estava o nosso castelo, o Tony, depois, de ver o acontecido, chegando até o fundo do quintal e gritando por d. Neném:
- D.Neném, socorro a vareta varou o pé do Alé...
D. Neném era uma senhora de idade e muito forte, quase obesa. Com dificuldade subiu apressadamente a escada de entrada de nossa casa e quando viu meu pé, gritou, com sua voz característica, pois, prolongava as palavras o que a tornava muito engraçada:
- Meuu Deuus, Alééé, o quee fooi issoo? Vamoos ao pro tôo socorroo, rápidooo...
Fomos. O médico puxara de uma única vez a vareta e o sofrimento fora muito grande e eu, quando voltei para casa, os meus pais querendo ver o acontecido, supervalorizei a dor, buscando perdão pelo que fizera.
Nunca mais chuto algo sem saber o que há dentro dele. Prometi e cumpri, talvez por isso nenhuma seqüela ficou em meu pé.