sábado, 30 de maio de 2009

Filhos e Netos - 4ª parte - Natássia Cruz


Fazem pelo menos onze anos desde que a conheci. Ela tinha uns dezessete anos e namorava meu filho mais velho, o Alexandrinho, que viria a ser seu marido mais tarde, portanto, minha nora. Fiquei impressionado com a energia que dela desprendia. A firmeza na voz e nas ações. A vontade de ser alguém na vida, os sonhos dos filhos, e, principalmente a atenção despendida ao Alexandre.

O tempo, nosso, às vezes, amigo, às vezes, inimigo, passou e um dia estava saindo da Assembléia Legislativa do Estado, onde trabalho como dentista, quando o telefone tocou e era o Alexandrinho perguntando a respeito de um exame que mandara fazer na Natássia e não sabia se era positivo ou negativo. Tomei um susto, mas, logo compreendi que estavam fazendo teste de gravidez. Minha nossa, pensei, será que esses meninos resolveram ter um filho? Não pode ser porque a Natássia é tão novinha e querendo passar no vestibular e certamente não vai permitir que isto aconteça. É claro que ela estava grávida. Quando nos encontramos eu disse para ela:

- Natássia, que maravilha este neném. Ele é só alegria e felicidade. Deus é grande e nos mandou essa benção. Ele é benção e você abençoada por trazê-lo às nossas vidas.

Abraçamos-nos e percebi que ali estava uma pessoa diferente, cheia de vida e uma alegria contagiante. Ela tinha passado no vestibular e cursava o curso de Arquitetura, na Ulbra. Depois, veio o Enzo, esse, me lembro de uma  conversa longa dentro do carro indo para a faculdade, onde a dificuldade da vida era a tônica e eu disse o quanto o Enzo seria querido e amado, mesmo chegando num momento de dificuldade financeira, com provas e trabalhos técnicos pesados, na faculdade. Com todas as dificuldades ela se formou e se transformou em uma grande arquiteta que hoje ela é,  tanto que acho difícil alguém ter a criatividade que ela tem, em seus projetos, certamente, bem vindos em todos os níveis da sociedade.

Ela tem a mesma energia de onze anos atrás. Os olhos continuam brilhando quando fala de seus sonhos e projetos. Os meninos já estão crescidos, sempre recebendo o seu amor, conselhos carinhosos, visando a felicidade. Apóia incondicionalmente o marido em projetos comuns e tem dado prova de seu amor verdadeiro, firme.

Por tudo que vivi junto a ela continuo admirando-a, amando-a como a uma filha em cuja educação e firmeza na vida tive a honra de participar intensamente. Tenho orgulho dela como pessoa, como ser humano, como profissional, e, peço a Deus diariamente pela sua continuidade neste jeito maravilhoso que é a sua vida.

Natássia Cruz te amo.   

 

Coração para sempre.

Ontem fui ao médico, cardiologista, fazer um check up. É certo que tinha sentido um peso no peito, do lado esquerdo, o que me preocupou, e, logo liguei para o Dr. Silas Avelar, que gentilmente se dispôs a me atender no mesmo dia à tarde. Marcado para as quinze horas, consegui chegar às quinze e trinta. Dirigi meu carro pelo caminho íngreme até o estacionamento do consultório do médico, situado na parte de trás do velho prédio da Beneficente Portuguesa. Estacionei e quando sai do carro olhei em volta, para a capela fúnebre do meu lado esquerdo, onde se vela os defuntos e também para a varanda de entrada onde as portas de entrada dos consultórios eram usadas constantemente pelos numerosos funcionários de branco que circulavam rapidamente com pastas e instrumentos e também na entrada e saída dos pacientes. Encaminhei-me para o de cardiologia e empurrando a porta entrei e me vi dentro de uma sala apinhada de gente. Estavam todos a espera de uma consulta. Entreguei meu cartão, do meu plano de saúde, e, a recepcionista depois de preencher umas folhas me pediu que esperasse ser chamado. Fiquei em pé ali, esperando minha vez e que alguém desocupasse alguma poltrona. Uma senhora e um senhor de bastante idade foram chamados e entraram para outro ambiente. Rapidamente me sentei e pude observar que à minha esquerda estava uma moça, nova, e, apesar de bonita tinha um rosto de faceies bem cansado. Ela me olhou e disse:
- Meu pai vai ser cirurgiado. Viemos marcar o dia da cirurgia. Ele é muito novo, só tem cinqüenta e quatro anos e está com muito medo da cirurgia. Ele saiu para não ficar aqui dentro pensando nisto. 
Ela estava visivelmente nervosa, talvez, pensando na possibilidade de perda do pai. Ela acabou de falar e ele entrou, novamente. Ficou me olhando, e, lógico me levantei para dar-lhe o lugar, mas, ele disse:
- Não carece, não.
- E aí?, perguntei querendo dar continuidade à conversa.
- Estou com cinqüenta e quatro anos e já vou ser submetido a cirurgia de safena. É a vida, não é?
- Você sabe, disse eu, que um pouco de tempo atrás nós não tínhamos essa esperança tão abençoada como essa, de uma sobrevida que às vezes é maior do que aquela que viveríamos? A tecnologia nos deu essa expectativa. Podemos viver mais um pouco ou muito mais. Deus nos deu essa nova vida, baseada na inteligência criadora, essa tecnologia linda que nos permite viver mais. Acho muito legal isto. 
Ele ficou me olhando e quase inaudívelmente me disse:
- Poxa, não tinha pensado nisto. É mesmo. A gente pode viver um pouco mais. Obrigado, meu rapaz.
- Vamos pai, é nossa vez. Era sua filha chamando para a ida ao consultório. Ele me olhou com um ligeiro sorriso e entrou. Fiquei ali, pensando o quanto é terrível a gente não ter esperanças, ou mesmo perder a condição de criar expectativas sadias. Senti que estavam me olhando e quando me virei para o lado direito encarei um senhor de aproximadamente uns setenta e tantos anos que parecia querer me dizer algo.
- Você também é candidato a viver mais? Perguntei.
- Fiquei impressionado com o que você falou para aquele senhor. A gente sempre quer viver mais um pouco, não é?
- É verdade, apesar de nós vivermos vivenciando a toda hora a degeneração que culmina na morte, não ficamos quase sempre a pensar no final de tudo. Sempre sublimamos nossos atos e pensamentos da melhor forma possível. Tudo muda quando ficamos frente a frente com a idéia da morte, como é o caso da maioria das pessoas aqui. Queremos viver para sempre. Não basta vermos os netos temos que ...
- Eu tenho seis filhos e minha neta mais velha está com vinte anos. Será que conseguirei ver meus bisnetos? Será?
- Não posso lhe garantir isso, mas, você tem uma enorme possibilidade após essa cirurgia de uma boa sobrevida. Sonhe com isto. Viva intensamente isto, como você tem vivido até agora com seus filhos e netos. Deus vai lhe abençoar nisto.
- Você é psicólogo?
- Não. Sou dentista, mas, tenho uma força que sigo. Deus.
- Sr. Wilson, sua vez, por favor, sala 3. Obrigada.
Era a recepcionista chamando-o para consulta. Ele foi me olhando, sorrindo como que agradecendo. Não sei o que aconteceu ou o que vai acontecer, mas, sinto que houve uma resposta de vida nessas pessoas e em mim também. Preparo-me para entrar na sala do médico. Seja lá o que for, estou animado por ter contribuído de alguma forma para a auto-estima dessas duas pessoas ter melhorado. 
- Filho, já fiz minha cirurgia, estou na sobrevida que você está falando e estou tão feliz...
- Sr. Alexandre, por favor. Sala 4. Era recepcionista novamente.
Levantei-me e olhei para a velhinha sorridente e fiquei feliz.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Salmos.

Meu Socorro.

 

 

Deus é meu socorro.

Quando estou só, na escuridão, Ele lá está.

Deus Poderoso, Forte, sempre presente.

Vai sempre à minha frente.

A quem temerei?

Provê-me de todas as minhas necessidades.

Rico, então, sou.

Sustenta-me pelo poder de sua Palavra.

A quem ou o que temerei?

Honra, Glória e Louvor só para Ele, para sempre. Amém.


Deus é o Deus que é sobre todos...


Tu és meu Deus, porque, és sobre todos

Tu nos criaste e nos fizeste, assim, tudo e todos

Se ajoelham a Teus pés para te adorarem e glorificarem

Todas as coisas não se ocultam de Ti,

Tudo é para Ti.

Quem sou eu para sondar Teu coração, Criador?

Que poeira cósmica, sou para Te interessares por mim?

Meu levantar e deitar são para Ti, Deus do cosmo

Nada me falta por Tua vontade e Bondade.

Meus inimigos, subjuga-os a  meus pés,

E, sem saber são usados por Ti

Para engrandecimento do Teu nome.

A angústia bate à minha porta, mas,

Tu és meu escudo, minha fortaleza

Minha alma tem prazer em Ti.

Senhor dos senhors e  Reis dos reis.

 

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Soneto da Solidão.

Este soneto foi publicado umbilicalmente com Canto para Alexandre Neto dormir. Algumas pessoas criticaram o fato alegando que netos e solidão são coisas separadas e que não se misturam. Ah! quem dera que a vida fosse sempre assim, retilínea, sem separações, sem arranhões viscerais, ah! se sempre, como quer o leitor, não houvesse separações... É necessário coração sensível para entender o pouco que nos permitem saber da vida. Infelizmente, tudo é relação, no fim de tudo é perda. Ah! caro leitor, com seria bom se nós pudéssemos publicar separadamente as relações e solidão, seria bom simplesmente poder dizer que não há solidão:


Soneto da Solidão


Já se passaram 57 anos desde o meu nascimento. O tempo passa inexoravelmente sem parar.

Lembro de minha infância com meus irmãos e meus pais, da luta, infinda, pela sobrevivência, a beleza da vida pela frente, a promessa que tudo vai ser bom, a escola, os colegas, as meninas,

 a bebida, o sonho de ser, o sonho de ter, o jogo de petecas, a barra bandeira, a manja pega, a cadeira de balanço na porta da casa, as amigas de mamãe, as tardes depois da aula, os colégios, os amigos, que velocidade, corrida para nada, sonhos para nada, só correria, só querer.

O Rio de Janeiro, 1960, ano bom. Botafogo, senador Vergueiro, as favelas a se criarem,

as gaivotas, o começo do aterro, a Baía de Guanabara, os barquinhos, o vento do mar, cheiro bom de maresia. Sedimento de valores e sentimentos. Tantos anos, a fumaça chegando com o trem,

 o picolé, o gelado da Kibon, os sonhos da padaria, o Cristo redentor, Ilha de Paquetá, as barcas de Niterói, cidade boa de morar.

Faculdade, sonhos mil, medicina, odontologia, a vida, a morte. O olhar, reciprocidade, chamego, namoro, casamento, filhos, netos.

 O rio não pára, a correnteza aumenta dia a dia, tempo de estudo duro, de trabalho, formatura, mercado de trabalho. Pacientes, dinheiro, insinuações, namoros, mocidade, diversão, bebidas, carros, viagens, ponto de chegada, ponto de interrogação.

Tudo se corrompe se degenera, a mente, o corpo, os sonhos, as percepções, o que vale, a ética, a moral, venda de imagem.

 Rosto da madrugada, corpo suado, realidade, meninos, esposa, trabalho, contas. Brigas, acertos de conta, telefonemas, bagunças, vidas atrapalhadas. Decepção, volta atrás, não, para frente é que se anda. Solidão.

Cercado de gente, gente fina, e, gente grossa. Solidão. Não se completou, não encheu a panela. Tanto causo como sou a própria solidão.

 O sol brilha, às vezes, noutro dia a chuva cai sem parar, o motor do barco, o vento forte, as lonas a chorarem, o vento a bater, as ondas, vento forte, chuva, tempo de chorar. Solidão.

Solidão é não ficar sem ninguém um momento sequer, é querer estar e não estar, é estar só.

Edifícios Antigos de Manaus - Castelinho



fotos: Olintho Cabral

Começo hoje a publicar uma série de crônicas, entendida como um registro no tempo, sobre os  prédios antigos de Manaus. A idéia, como sempre, é de despertar os pensamentos e novas idéias e saídas para problemas e indagações inerentes ao ser humano e o modo da sociedade se comportar, neste tempo, diante de momentos que afligem o dia a dia de todos nós seres humanos. O desprezo pela história arquitetônica e portanto da própria História, tem se mostrado um terrível golpe para a compreensão e ajuste, dessa História, para as gerações futuras. Alguns prédios, propriedades de pessoas físicas, estão à mercê do tempo, porquanto, abandonados, sendo que neste caso a ajuda, para a cidade, por parte dos governos, deveria ser de parceria para que a cidade fique cada vez mais bonita. Outros, como o Castelinho, escolhido por mim, para ser o primeiro da série, tiveram a sorte de ter suas originalidades preservadas por seus donos.  Espero contribuir, assim, de uma forma ou de outra, na conscientização cultural da cidade

Manaus é uma encantadora cidade situada na margem esquerda do Rio Negro e que possui uma das mais belas arquiteturas urbanas do norte do país,  com seus prédios, imponentes e quase todos restaurados e conservados, na sua originalidade. O Palácio da Justiça, o Palácio do Governo, e, o principal ícone do turismo baré, o Teatro Amazonas, e, alguns velhos casarões, engrandecem a cidade com seu carisma turístico. Dentre esses prédios antigos e mais belos destaco um que gosto muito e que me chama atenção por sua imponência, sua forma de palacete e a incrível capacidade de resistir ao tempo, é o Castelinho, da rua Barroso. Depois de sofrer uma restauração em 1993, o prédio guardou literalmente suas características originais. Como se pode ver nas fotos, as grades, feitas de ferro fundido, e seus trabalhos cerâmicos continuam a desafiar o tempo, juntamente com o madeirame e gessos dos tetos e pisos e escadas internas. Foi construído no final do século 19 e começo do 20.  




                  

Impressiona a beleza dos detalhes e o carinho com que os proprietários atuais, sr. Olinto e Nahyde Cabral e seus filhos, Olintho e Márcio Cabral, cuidam da manutenção, tentando sempre guardar a originalidade. Hoje o Castelinho abriga em si um restaurante self service muito bom, original, pois, só de estar localizado neste prédio já ganha um charme que nenhum outro tem. A criação de pratos originais, como o do acarajé de pirarucú, uma deliciosa invenção  de Olintho Cabral garante a sofisticação provinda da mistura da criatividade e clima de tão amena e pacífica arquitetura e que se estende nos serviços, no atendimento. Almocei, algumas vezes, lá. Além da deliciosa comida, minha visão não se farta de olhar os detalhes de tão belo prédio.

A alma de uma cidade reside no povo e nos lugares públicos, residências, prédios do serviço público, bares, igrejas, restaurantes, portos, aeroportos, etc...; se não houver cuidado constante, na sua manutenção, ela adoecerá e aos poucos morrerá.

A restauração de alguns outros belos prédios que estão necessitando urgentemente de uma reforma no centro da cidade justifica a crônica, porque, isto é turismo e cultura e se não feita, enfeia a cidade, e, mata-se a História, no caso, a nossa História.


sábado, 16 de maio de 2009

Margarita.


Saímos às cinco horas da manhã rumo à Margarita, a ilha paradisíaca do mar do Caribe Venezuelano. Estávamos em Santa Helena do Uairém, a primeira cidade venezuelana depois da fronteira com o Brasil. Pacaráima, a última cidade do Brasil, ficara para trás. A manhã anunciava sol forte, calor insuportável, mas, àquela hora uma névoa cobria toda a superfície do vale e corria um vento frio que incomodava e nos deixava mais acordados, mais vivos. Levantei o vidro do carro e liguei o ar condicionado para vinte e dois graus. Acabáramos de ter um bom café da manhã e com disposição nos direcionamos para as montanhas que cercam Santa Helena e logo depois da primeira subida entramos no que se chama de savana venezuelana. Ao amanhecer a vista é incrivelmente bela. O dourado do sol emergente da linha do horizonte espalha-se pela savana. A retidão dos campos se perde na vista, mostrando uma espécie de grama retilínea como se tivesse sido aparada por uma máquina super uniforme, gerando uma visão única, linda de se ver. Aqui e ali a silhueta de uma montanha, lá no horizonte, coberta, no cume por imensas ondas de nuvens, se mostra acinzentada, enorme, como se fosse monstro vindo passeando pelo imenso campo. A pureza do ar impressiona e me faz ficar mais forte e feliz, lá ao longe as garças branquinhas brincam e se alimentam na pradaria. Os nelores ruminam neste enorme campo aberto.

Acabamos de chegar a Puerto La Cruz, uma cidade praiana e rica. Cheia de refinarias e de uma intensa movimentação. São milhares de carros entrando e saindo da cidade, transitando em todas as direções. Estou no guichê de venda de tickets para o ferry boat, navio de transporte que nos levará até Margarita. O navio é um pouco antigo, mas, muito mais novo que os outros que também fazem este percurso. Em duas horas já estamos na ilha, na maior alegria e sentindo o cheiro do mar invadindo, vindo de todas as direções, o carro, e alimentando nossa alma de satisfação. Ficamos como de praxe no Margarita Resort Hotel. Apesar de termos a tarde toda para irmos á praia resolvemos descansar da viagem e irmos mais tarde ao shopping da ilha, o Sambil. O movimento é grande. Gente vinda de toda parte do mundo, ingleses, americanos, franceses, japoneses, chineses, indianos, árabes, canadenses etc.., invadem nesta época do ano todos os espaços da ilha aumentando muito o tráfego nas ruas e comércio, restaurantes.

As ondas da praia El aqua, nos saúdam quebrando na costa da ilha com o barulho característico. A tenda, que nos protege do sol, presa firmemente por barbantes e fios de nylon sacoleja sob a pressão do vento forte. Os pelicanos e gaivotas voam baixo nos saudando e ao mesmo tempo pescando para a alimentação própria e dos filhotes. Um navio passa paralelo à praia, lá ao longe. Um teço-teco passa fazendo barulho e com um banner atrás fazendo propaganda de um supermercado. As crianças se desesperam para entrar no mar. Um jovem nativo oferece pranchas para que os meninos surfem nas ondas da arrebentação. Outro, pérolas para a feitura de colares e penduricalhos. Os garçons dos restaurantes da beira mar andam com os menus gritando o quanto o seu restaurante é o melhor. O tempo passa e sinto que tudo ali, neste fantástico equilíbrio requer a feitura e o cuidado de Deus. É tarde, é o último dia na ilha. Temos que arrumar as coisas para voltar à nossa casa. O sol vai se pondo no horizonte. Temos que voltar para a realidade. O sol nos mostrará o caminho. 

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Canção para Alexandre Neto dormir; Solidão.

Esta canção fiz para o Alexandre Neto dormir. Na verdade não sei fazer poesia muito menos compor música. Foi feita com tanto carinho que resolvi publicar. Foi uma experiência muito bonita para mim. Dou graças a Deus pela vida de todos os meus netos, mas, nesta época, quando só existia ele, fiz para o reizinho que reinava a casa. Com afeto e com carinho:

 

Canção para Alexandre Neto


O sol já foi embora

A lua apareceu no céu

A estrela já brilhou

Dorme meu amor.

 

            Dorme cachorrinho

            Dorme cachorrão

            Dorme meu bebê

            Dorme assim tão lindo

            Dorme cachorrinho

            Dorme por favor.

 

Lá fora é escuro

E faz muito frio

Aqui dentro tá quentinho

Dorme meu neném.


 

Soneto da Solidão.

Publico também uma elucubração, uma noite de solidão, que, acaba por durar, se bem pensado, a vida toda. Só a idéia de um suporte Maior, um apoio, um Algo que preencha todo o ser, pode fazernos seres completos. É só para pensar.

Solidão.

Já se passaram 57 anos desde o meu nascimento. O tempo passa inexoravelmente sem parar.

Lembro de minha infância com meus irmãos e meus pais, da luta, infinda, pela sobrevivência, a beleza da vida pela frente, a promessa que tudo vai ser bom, a escola, os colegas, as meninas,

 a bebida, o sonho de ser, o sonho de ter, o jogo de petecas, a barra bandeira, a manja pega, a cadeira de balanço na porta da casa, as amigas de mamãe, as tardes depois da aula, os colégios, os amigos, que velocidade, corrida para nada, sonhos para nada, só correria, só querer.

O Rio de Janeiro, 1960, ano bom. Botafogo, senador Vergueiro, as favelas a se criarem,

as gaivotas, o começo do aterro, a Baía de Guanabara, os barquinhos, o vento do mar, cheiro bom de maresia. Sedimento de valores e sentimentos. Tantos anos, a fumaça chegando com o trem,

 o picolé, o gelado da Kibon, os sonhos da padaria, o Cristo redentor, Ilha de Paquetá, as barcas de Niterói, cidade boa de morar.

Faculdade, sonhos mil, medicina, odontologia, a vida, a morte. O olhar, reciprocidade, chamego, namoro, casamento, filhos, netos.

 O rio não pára, a correnteza aumenta dia a dia, tempo de estudo duro, de trabalho, formatura, mercado de trabalho. Pacientes, dinheiro, insinuações, namoros, mocidade, diversão, bebidas, carros, viagens, ponto de chegada, ponto de interrogação.

Tudo se corrompe se degenera, a mente, o corpo, os sonhos, as percepções, o que vale, a ética, a moral, venda de imagem.

 Rosto da madrugada, corpo suado, realidade, meninos, esposa, trabalho, contas. Brigas, acertos de conta, telefonemas, bagunças, vidas atrapalhadas. Decepção, volta atrás, não, para frente é que se anda. Solidão.

Cercado de gente, gente fina, e, gente grossa. Solidão. Não se completou, não encheu a panela. Tanto causo como sou a própria solidão.

 O sol brilha, às vezes, noutro dia a chuva cai sem parar, o motor do barco, o vento forte, as lonas a chorarem, o vento a bater, as ondas, vento forte, chuva, tempo de chorar. Solidão.

Solidão é não ficar sem ninguém um momento sequer, é querer estar e não estar, é estar só.

Filhos e Netos - 3ª Parte


A Maysa é minha filha do meio. Nasceu em setembro, igual ao mês de nascimento da Gabriela, sua irmã mais nova. A mãe deu-lhe o nome. Quando era bem pequenina, ainda não tinha um mês de vida, lá por volta de uma hora da manhã, ela acordou, e, num pranto incontrolável, a todos nós que estávamos em casa. Pensei que era dor em algum lugar, pois, tinha acabado de mamar. Tomara uma mamadeira cheia, então, não podia ser fome. Fiz junto com D. Maria, tia da Socorrita, tudo o que sabíamos para que a criaturinha parasse com os gritos, choro tão alto que julgava a vizinhança certamente estaria também sendo acordada. Eu no segundo ano básico de saúde, me achando o tal, o mestre dos mestres, falava que a trompa de Eustáquio deveria estar entupida com alguma secreção o que produzira a dor de ouvido, ou talvez fosse água acumulada no ouvido médio fazendo tampão na trompa. O fato era que algo, no meu entender, estava obstruindo a tal trompa. A menina agora berrava mais alto. Depois de ouvirmos os gritos por mais de uma hora, fazendo um total de duas horas de berreiro, resolvi que o melhor era levá-la à casa dos seus pediatras, a Lurdes e o Luis, um casal de neonatologistas, recém chegados aqui, e, que tinham salvo o Alexandre Filho, quando do nascimento dele de um parto prematuro e ele também, de sete meses.

Entramos no carro e loucamente dirigi-me a casa dos pediatras. Chegamos e logo descobri uma campanhinha, escondida à esquerda do muro, no portão principal da casa. Apertei a campanhinha umas trezentas vezes até ver uma sombra na janela da sala principal da casa. Se fosse outra hora teria morrido de rir. Era o Luis, estava com o cabelo esgrouvinhado, todo para cima e com a fácies do sono.

- Quem está aí? Ele perguntou.

- Sou eu, Luis, o Dr. Alexandre, dentista. É que... A porta se abriu e ele pediu que entrássemos.

- Luis, essa menina não pára de chorar há mais de duas horas. Sem parar.

O médico, então, começou a fazer o exame. Minuciosamente examinou-a, e, em passando o dedo indicador, sem querer, perto da boca da pequena ela num impulso abocanhou e começou a sugar-lhe o dedo.  

- Alexandre, vai para casa e dá comida para essa menina que ela está faminta, está com fome.

- Doutor, D. Maria falou, ela acabou de comer. Luis disse então que algumas crianças comem mais que outras e que neste caso o que tinha que ser feito era alimentar a criança na necessidade do organismo dela.

Agradecemos e voltamos sem dizer nada um para o outro no carro.

Já com uns cinco anos, toda cacheada, uma fralda a aumentar-lhe o bumbum, ela gostava de vir andando de costas e se encaixava em nossas pernas até que a pegássemos e a colocássemos no colo. Cresceu assim, formosa, simpática, bonita, charmosa, linda, carinhosa, amiga, pronta para ser o que quisesse ser, e, ela escolheu ser engenheira de computação. Passou em primeiro lugar no concurso do INPA, em sua área e hoje está fazendo mestrado em gestão de sistemas em Curitiba-PR. Tenho maior orgulho da inteligência e o ser feminino que ela tem. Ainda não me deu netos, mas, qualquer hora, qualquer dia, com certeza dará. Aguardo com o mesmo amor com que aguardei os outros três.  

terça-feira, 12 de maio de 2009

O passado não deve ser melhor que o presente; mas, dá uma saudade.

Estou na varanda de meu apartamento, como é no décimo sexto andar, vejo ao longe, uma nesga do Rio Negro, ainda assim majestoso, pois, ele está situado no local mais alto da cidade, o Aleixo. A tarde é bonita, anunciando o pôr do sol, que multicolore a cena. Vejo o grande radar do que era o aeroporto Ponta Pelada, hoje transformado em aeroporto da Base Aérea de Manaus, quase no centro da minha visão, e, mais à esquerda os prédios do centro da cidade, sombras cinzas, clamando por uma busca de sentido, de estilo. Minha mente automaticamente retorna ao passado, nostalgicamente. Lembro das pizzas comidas  à noite, lá pelas nove horas, num encontro obrigatório da juventude da época que literalmente amava-as. Realmente era uma pizza gostosa, massa grossinha, um molho delicioso, o queijo, as calabresas, tudo embalado por um bom atendimento, que aumentava a vontade de voltar. Era quase obrigatória a passagem pelo aeroporto para se deliciar com uma boa pizza e com um bom papo entre amigos e amigas. Diz respeito a uma época, pós guerra, de muitos questionamentos, de colocação em xeque os valores morais, como casamento, o viver bem às custas dos outros, a corrupção, o mal, o sonho de um mundo novo sob a era de Aquários, valores esses cantados e recantados em música como as dos Beatles, dos Rolling Stones, as bênçãos do despontar de uma nova era, uma nova filosofia de vida. Aqui no Brasil, a jovem guarda tomava conta, como nova idéia nos canais de TV, nos rádios, nas vestimentas, no modo de cortar os cabelos ou não, tudo apontando para um nascer de uma nova civilização, pura, sem dogmas, sem leis, sem hipocrisia, na verdade uma grande ansiedade de mudanças era demandada, a anarquia. O tempo mostrou que o sonho acabou, ou foi acabado e resumido por uma canção de um cearense:

- Apesar de termos feito tudo, tudo o que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais...

A mudança não existiu, o sonho, portanto, acabou. A semente ficou não germinou nem floresceu. A corrupção desta geração ficou pior do que a reclamada, a negação de tudo o que foi pregado e tentado viver se quebrou como uma taça de cristal. A hipocrisia campeia nessa geração mais que em qualquer outra, pois, se busca primeiro o eu, o egoísmo, depois o que se pode distorcer do que se vê como o próximo. Falhou, quebrou, porque, as fundações eram premissas erradas, lages feitas só de areia, a transformação por transformação, onde não há parâmetro correto.

A noite começou. O colorido do sol é agora sombra acinzentada, sem definição tal como a geração pós guerra. Por outro lado lembro, que nem o Dr. Rogelio Casado, meu amigo psiquiatra, que escreveu em seu blog um conto sobre O Guarani, um dos cines de nossa época, muito bem escrito e que nos lembra o quanto, aqui em Manaus, nessa época, éramos ainda puros e com sonhos e esperanças.  Época boa de viver sem as preocupações de adultos que somos hoje. Somos preocupados com  distribuição de renda mal feita, as injustiças, a degeneração de nossas instituições, o caminho que a humanidade está tomando, o clamor de nossos políticos bem intencionados, mas, nunca ouvidos, enfim, o massacre financeiro e social das potências aos outros países,  e os problemas principais da humanidade como a fome, a proteção às crianças, a obrigação do estado na educação de todos, na saúde, e, assim, não vivemos mais como quando éramos crianças, tornando o viver uma luta, uma batalha invencível, onde os grandes perdedores somos nós mesmos, os homens. Por isso, quando terminei de ler o conto do Rogélio, postei o título dessa crônica:

- O passado não deve ser melhor que o presente; mas, que dá saudade, isso lá, dá.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Ser ou Ter: Eis a questão.

A visão dos seres humanos por outros seres humanos é sempre baseada em uma imagem vendida e imagem comprada. Se a pessoa está bem vestida, barba bem feita, aparência de bem sucedido, linguagem moderna, sorriso impecável, dentes branqueados, mostrando bom humor toda hora, tudo transparecendo sucesso total, cabelos engomados, pele limpa, então, esta pessoa é a melhor pessoa que existe, é interessante em todos os assuntos, disponível para ajudar os outros, mas, para manutenção dessa aparência, é necessário gastos, às vezes, altos, pois, tem o custo de tudo que é visível, incluindo o tipo de carro, a grife da roupa, o cabeleireiro, o dentista, o médico, os sapatos, onde trabalha, como conversa, como compra, como vende, com o que se preocupa, o que faz, com quem namora, com quem casou, os filhos, como nasceram, onde estudam, o motorista, o barco, o avião, quanto paga de imposto de renda. Tudo regulando a vida e a imagem vendida dessa pessoa. Ela vive para isto, para vender imagem de boa pessoa e quanto mais vaidosa ela se torna mais insensível à realidade dos outros seres humanos, das verdadeiras necessidades, do que era para ser, enquanto seres humanos.

Fulano era meu amigo, mas, agora está diferente, pois, o mesmo não tem mais tempo para os outros, o trabalho lhe absorve o tempo todo, nem para a família ele tem mais tempo. Só trabalho, só trabalho. Está ficando rico, ou já é rico. Rico de saúde, diz ele. Deus é comigo, pois, me deu tudo que é material. Tudo. Só falta tirar este enorme peso da minha consciência, da minha vida, tenho um vazio impreenchível, uma vontade de ajudar, ser igual a irmã Madre Tereza, Mathin Luther King, Gandhi, Jesus, etc, Ah! Como eu queria, mas, não posso, já entrei para uma igreja, visito os doentes, mas, acho que nada preenche minha alma. Eu preciso de algo que não sei o que é.

Conheci um homem que a alma era cheia de amor, de compreensão, de piedade, de compaixão, de livramentos, de sonhos, de esperanças, onde o que menos importava era o ter, e, a vida era plena, seu semblante, seu sorriso, suas ações, diziam isto. Ao seu redor a Luz resplandecia, iluminando a negra escuridão, a vida das pessoas, amenizando o fardo de carregar a sua própria humanidade.

Devemos viver plenamente todos os momentos que Deus nos dá, sem importar se estes momentos vão acrescentar bens materiais ou não à nossa vida, mas, servindo ao próximo, contribuindo para o bem da humanidade, deixando marcas indeléveis na vida que só válida se vivida para a servidão ou preenchimento das necessidades de nosso próximo. É melhor Ser que ter.

- Louco, hoje pedirão tua alma e o que tens guardado para quem será? – Jesus perguntou.

Responda.

sábado, 9 de maio de 2009

Minha Mãe.

Faria oitenta e três anos agora dia 14, pertinho do dia dedicado às mães. Morreu precocemente com cinqüenta e oito anos.  Lembro dela toda alegre arrumando as maletas, caixas, aparelhos, aladins, latas de bolacha, o rancho em si, uma enorme quantidade de necessidades que ela fazia questão de levar para a fazenda ou a casa de D. Olenka Menezes, na ilha do Careiro, ou o Careiro da Várzea, onde normalmente passávamos nossas férias de final de ano. Eram dias deliciosos, pois, convivíamos intimamente com todos os familiares, inclusive, sua irmã mais velha, a tia Branca, que ia, também, com todos os da sua casa. Cedo, no dia da viagem, com tudo pronto começava uma verdadeira maratona para levar todo trombolho para bordo do barco que nos levaria até lá. Eram horas carregando os pacotes e caixas. Finalmente, a viagem começava e ela, junto com a irmã sentavam, sempre uma perto da outra, e, começavam as infindáveis horas de conversa que terminariam somente quando voltássemos. Quando, por ventura, o vento provocava ondas no rio Solimões, elas começavam a cantar um hino da igreja:

Ó Mestre; o mar se revolta, as ondas nos dão pavor

O céu se reveste de trevas não temos um Salvador

Não se te dá que morramos, podes assim dormir?

Se a cada momento nos vemos, sim prestes a submergir


As ondas atendem ao meu mandar: sossegai!

Seja o encapelado mar

A ira dos homens, o gênio do mal

Tais águas não podem a nau tragar

Que leva o Senhor rei do céu e mar

Pois todos ouvem o meu mandar: sossegai sim sossegai.

Nós crianças, e eu principalmente, apavorado com as ondas, ouvindo a cantoria ganhávamos confiança de que nada de mal assolaria a embarcação, assim, seguíamos viagem até porto seguro. À noite, quando o negror da noite chegava, junto com ela as sombras fantasmagóricas, que se desenhavam nas paredes, vindas da luz do candeeiro, me assombravam ela cantava, e, logo as brincadeiras dos mais velhos, nos faziam primeiro cochilar, depois, dormir embalados por tão visível amor.

Uma vez, me peguei chorando, ouvindo uma dessas músicas que as mães cantam para fazerem seus filhos dormirem.

- Oh! Que saudades que eu tenho da aurora de minha infância querida, que os anos não trazem mais... Era uma poesia de Casemiro de Abreu, que eu, ao ouvir, caia no pranto e dormia cheio da ansiedade que a música me transmitia.

Aos domingos, era rigorosa. Tínhamos que todos, sem exceção, irmos à escola dominical e assistir aos cultos, o que nos deu uma formação fortemente religiosa e depois uma convicção, por livre escolha, do Caminho.

Ela tinha um palavreado todo próprio, às vezes, difícil de entender, como quando ela queria se referir a alguém intragável dizia intra e para algo impossível dizia impó, para outra danada dizia sinistra, e a uma improvável dizia imporoca, e, por aí afora. Morria de rir desses neologismos, próprio de um humor a toda prova.

Obrigado, D. Nadehyde de Souza Cruz Silva, pelo exemplo de vida que você me deu e a todos que a conheceram e tiveram o privilégio de viver com você. 

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Socorrita ou Maria do Socorro Alves da Conceição Silva

Eu e Ela

Estava na faculdade, cursando, ainda, o curso básico da área de saúde, na Universidade Federal do Estado do Amazonas. Eu fazia odontologia, curso que levei adiante como projeto de vida, e, ela medicina. Até então não sabia nada dela. Lá estava ela parada, encostada, com um dos pés descansando numa das paredes, do hall que levava a uma das inúmeras salas de aula da faculdade. Senti que me olhavam. Olhei e nossos destinos literalmente se cruzaram neste singelo ato, a troca de olhares. Momento raro, eternizado depois, pelos filhos e pelos afazeres da vida. Bastou oferecer-lhe uma carona, no carro de meu pai, para que a magia se completasse ouvindo a voz, sentindo o olhar de quem sabe o que quer. Que mágica esta que Deus deu ao homem.

                No dia 25/02/09 fizemos trinta e quatro anos de relacionamento, de casamento, de amizade, de amor. Como o tempo voa. Trinta e quatro anos. Quanta coisa compartilhada. Quantos momentos bons. Quantos momentos ruins. Quanta experiência acumulada. Três filhos maravilhosos, três netos, uma nora espetacular, filha adotada. Como querer mais da vida?

                1978. Ano do nascimento de nosso filho mais velho. Ano, marco do começo de minha carreira como odontólogo. O hospital militar, local do nascimento de Alexandre Filho, e, onde eu trabalhava, enorme prédio situado no bairro da Cachoeirinha, em Manaus, Amazonas, estava pronto, em sua sala de cirurgia, para a cesariana, para o nascimento de nosso primogênito. Eu estava no céu. Um filho. Seria jogador de futebol, médico, administrador de empresas, engenheiro, cadete militar, pastor, ô, meu Deus, qual seria a tendência deste menino? Qual nave errante, lá estava eu a especular, sem saber, por ser impossível saber o futuro, seja o que Deus quiser, mas, que seja para a honra e glória Dele, frase que meu pai sempre dizia para dar importância ao momento. Eu iria entrar para ver e fotografar o parto. Entrei. A adrenalina era forte demais. Controlei-me e resolvi me concentrar nas ações do Joaquim, o médico obstetra. Começou e lá estava eu sem saber me posicionar dentro da sala, preocupado em não atrapalhar a cirurgia. De repente, uma correria, algo não estava a contento. Depois da incisão do útero o neném não se mexera e não queria sair, nas palavras do médico. O auxiliar junto com o anestesista começou, então, uma espécie de massagem, mais pesada, que vinha do tórax para o abdômen, numa tentativa de expulsar o bebê do interior do útero. A minha cabeça, por conta da enorme quantidade de adrenalina jogada na corrente circulatória, rodopiava sem controle.

- Pronto, saiu. Falou o obstetra, tratando de cortar o cordão umbilical e passar o bebê para o auxiliar. Embrulharam-no em pano cirúrgico e levaram a ele para a UTI, pois, o hospital não dispunha de berçário. Quando me certifiquei que a Socorrita estava bem, saí correndo atrás da enfermeira que agora estava quase entrando na UTI.

- De quem é esse bebê? Perguntou o diretor do hospital, um major temido pelo seu jeito enérgico de administrar o hospital.

                A enfermeira parou e disse:

- É do doutor Alexandre, senhor.

- Me deixa vê-lo.

A enfermeira prontamente afastou o pano que estava cobrindo literalmente todo o neném e para meu espanto o diretor falou:

- Leve esse menino imediatamente para a UTI e chame o pediatra do hospital, pois, ele está em sofrimento respiratório.

                Quase o mundo desaba sob meus pés. Olhei e vi uma criaturinha negra, pequena, toda enrugada, choramingando quase inaudívelmente. Amei-o profundamente e senti que Deus, naquele momento, me deu a ele para que, em sobrevivendo se tornasse uma pessoa integralmente relacionada com Ele, para sempre, numa espécie de selo eterno. Isto não bastaria, não seria suficiente, pelos próximos dias. A prescrição do pediatra era pesada. Antibióticos de hora em hora, oxigênio constantemente aberto na sonda nasal e muita observação.  Depois de quatorze noites, sem dormir, aplicando, às vezes, injeções, trocando balas de oxigênio, finalmente, foi dado alta para o pequeno. Emocionante a nossa chegada em casa. Lá estava a guerreira, ainda sentindo o peso de uma cirurgia pesada como é a cesariana. Que experiência passamos juntos. Não dá para, com palavras humanas, descrever a imensa felicidade da cena, da nossa felicidade. Essa mesma felicidade se repetiu em 1979, com o nascimento da Maysa e em 1982 com o da Gabriela, nossas amadas filhas. Nasceram as duas no mesmo clima de expectativa, de felicidade, de muito amor.

                A Socorrita já médica. Já trabalhando na profissão que ela escolheu como sua, como seu projeto de vida. Mostrando ao mundo em derredor que ela nasceu para conduzir, para ser luz, para alumiar o seu entorno. Companheira ideal, aquela que não tem defeitos profundos, desses que derrotam qualquer vida, não, não tem defeitos. Forte como uma árvore plantada junto a águas tranqüilas. Suas juntas não se dobram diante qualquer ventinho,  venha de onde for. Tem a força de mil cavalos juntos. Uma vontade férrea. Um amor imenso a distribuir, com seriedade, com infinita vontade de acertar, de querer bem, pois, sua preocupação sempre foi e vai ser através da vida, os seus mais próximos, filhos, irmãos e irmãs, depois, os carentes, que conhecem bem esse seu lado tão lindo, o de propiciar felicidade a todos outros seres humanos que necessitem de sua preciosa presença, seja clinicando, seja com sua própria presença. Sou testemunha de inúmeros fatos de prestação de serviço aos carentes. A mesma disposição de servir, mandamento maior de nosso Senhor, é o mesmo para os próximos e para os outros.

                Que bom é e será estar casado, compartilhando momentos difíceis e amenos com esta pessoa tão linda e amorosa como ela é.

Amo-te, Socorrita. 

Filhos e Netos - 2ª Parte

Gabriela e João Gabriel.

É fonte de energia sem fim. É luz para todos os gostos. Um somatório de tonalidades e cores, não como se fosse o arco-íris, mas, uma junção, uma somatória de todas as cores. É danado demais. Uma hora está nas prateleiras da cristaleira, local onde a avó guarda as relíquias da família, como pratos de porcelana, xícaras, penduricalhos, sinos, copos, cristais, etc... Ele é o terror da cristaleira. Nasceu há  dois anos atrás. Sua mãe, a Gabriela, minha filha mais nova, diz, quando em vez:

- Não agüento esse menino. Hoje ele vai apanhar. Não tem jeito, vai apanhar.

O danado olha e ri um sorriso, cínico, pedindo que não desfaça a festa que ele está vivendo. É bom de peia, dizem os maus, esperando que alguém se digne de lançar mão da velha metodologia educativa. Ele só faz olhar e ri.

Tem uma velocidade, correndo, que você não imagina.  Quando está andando ele parece um patinho. Está um pouco gordinho e adora fazer charme, chamar a atenção. Quer que se olhe só para ele, nestas ocasiões. É um presente que Deus deu à minha família.

                Uns dois anos atrás, quando acordei, pela manhã, e, ao sair no corredor do meu quarto para a sala, lá estava ela a me esperar. Era minha filha mais nova, a Gabriela:

- Pai, queria lhe falar em particular, entre aqui no meu quarto, por favor.

- Pois não, minha filha.

                Entrei e fiquei surpreso com ela chorando e tentando me dizer que a gravidez era uma coisa que aconteceu sem querer e que o rapaz era boa gente e não sei mais o que. Olhei para ela e disse o que tinha dito para a minha nora adolescente, onze anos atrás:

- Não se preocupe, nenéns são bênçãos que Deus nos dá. Seja bem vindo este bebê.

                E foi assim. Depois de dois anos ele continua a nos alegrar desde o anúncio de sua chegada. Está indo à escola. Uma escola com professores japoneses. Ele está gostando muito e declara em seus gestos tudo o que está aprendendo. Quando ele quer encerrar algo ele diz:

- Sayonara. E se curva para frente, tanto que às vezes a gente pensa que ele vai encostar a cabeça nos pés. E, se você quer impor sua vontade sobre a dele ele diz com uma voz de comando:

- Para com isso. Entendeu?

Com seu perfil de menino inteligente ele vai conseguindo quebrar a barreira da solidão que se abateu na casa após a ida dos primos para Boa Vista, e, ainda, para completar, a saída, para Curitiba da tia que ele mais gosta, a Maysa, minha filha do meio, que está fazendo mestrado lá. É uma adaptação vagarosa, cheias de saudades, mas, ele, firme, diz:

- Baibai, está em Cutitiba, Taitai, em Boa Vista, Deidei em Boa Vista, Enzo em Boa Vista. É uma forma de compensar a ausência e imediatamente após, diz que quer ir à casa do primo Rodriguinho ,filho de uma sobrinha de minha esposa. Quando vai lá, brinca e chora para não sair de lá. Deus me deu a felicidade de poder ver e conviver com meus netos, isso está gravado no coração. Que Deus abençoe ricamente o João Gabriel, sua mãe, Gabriela e seu pai, o Leonardo.










                                                                                                                                                                                                                           


Filhos e Netos – 1ª parte.

Natássia e Alexandre Filho    Alexandre Neto e Enzo

Estou em Boa Vista desde dia 25/02/09. Não vim como das outras vezes. Agora, de uma forma mais formal, pois, estou com a missão de tomar conta dos meninos, meus netos, enquanto seus pais viajam até São Paulo. É uma missão cheia de incertezas, pois, não sei se eles, os pequenos, me aceitarão no comando da casa. Uma coisa é você estar com eles na presença dos pais, outra, é estar sozinho, com toda a responsabilidade de alimentá-los, dar banho e levar e buscar na escola, fazê-los comer na hora certa e corretamente, acordar a tempo de realizar o que tem que ser feito. Gosto da idéia, mas, sei que é muito importante a aceitação incondicional deles a uma nova realidade de comando. Tive dois dias antes da viagem de seus pais para observar e vê se me sairia bem na missão.

- Você vai ficar legal com seu avô, meu filho? Era sua mãe, Natássia, minha nora, perguntando para o Enzo, o menor, se pelo menos teoricamente ele, aceitaria ficar comido durante cinco dias.

- Vô, ele é legal. Vai me dar presentes. Eu quero um lego, e, quero que você traga um naruto, uma arma do naruto e, uma infinidade de trocas. O mais velho também, numa escala menor, se contentou de, em recebendo alguns presentes, ficar cooperativo.

 Quinta-feira chegou, sexta também e no sábado, dia da viagem, a manhã transcorreu sem novidades, mas, quando chegou mais perto da hora do check-in, dos pais, no aeroporto, o Enzo começou a chorar muito, e, dizia que queria ir viajar com a mãe. Um choro compulsivo. Nada parecia fazê-lo calar. A idéia de ficar longe do seu “shelter”, de sua redoma, dava-lhe mais e mais vontade de gritar ao mundo que ele não queria ficar com ninguém que não fosse sua proteção maior, sua mãe. O pai lógico se colocou à disposição para ficar, mas, ele só queria a mãe de seu lado.O problema que ela iria à São Paulo a serviço de uma empresa, para reposição de estoque. A empresa é uma de vendas de móveis. Não tinha mais como evitar a ida. A dona da loja estava na mesma hora indo se encontrar com ela na feira de móveis, evento que reunia as últimas tendências na área. E o Enzo a gritar. Resolvemos o problema em uma conturbada estratégia, que consistia no seguinte: entramos em uma loja de brinquedos e compramos um lego, caríssimo, que parou o choro imediato do menino. Estávamos em dois carros. Em um deles a mãe, voltou para casa, para se aprontar para viajar e, enquanto ela se aprontava,  fomos, eu, o pai e os meninos, no outro carro,  à um restaurante, localizado em uma rua passagem para o aeroporto, e, enquanto, eu conversava com os meninos acerca do brinquedo, o lego, o quão era difícil de montar, o pai saiu e encontrando a mãe, seguiram para o aeroporto, me deixando na árdua missão de cuidar dos dois capetas.

                Fiquei surpreso quando na saída do restaurante, só nós, eu e eles, o Enzo me disse:

- Vô, minha mãe já viajou?

- Sim, disse eu, esperando uma reação mais violenta.

                Qual nada.

- Ela vai trazer um bocado de presente para mim e para o mano.

Fomos direto para casa. A casa se situa no bairro de Paraviana. É uma casa conjugada com outras no mesmo estilo e todas cercadas e protegidas com cerca elétrica. O portão da garagem, para dois carros, obedece a um comando que pode ser ativado de um controle.

Boa Vista esta época está muito quente. O calor é suavizado por uma leve brisa que nos socorre. Atrás da casa tem um terreno, ainda virgem, que por não ter sido ainda usado, é ponto de encontro de vários pássaros, entre eles, periquitos, araras, papagaios, rolinhas, sabiás e outros que acabam por tirar a nostalgia da tarde quente. A casa está longe do rio que banha a cidade, o Rio Branco. É um rio largo, mas, não como seu primo, o Rio Negro, no Amazonas. O governo construiu na margem, na orla, uma estrutura muito usada por quem chega e por quem mora em Boa Vista. E atravessando este rio o governo construiu uma ponte que une a cidade à fronteira com a Guiana Inglesa. Quem está na orla estruturada vê o quanto embelezou a cidade, o empreendimento.

Entramos em casa e, então, senti todo peso da responsabilidade embutida na missão.

- Minha nossa, pensei, comigo mesmo e agora?

Não tinha mais como voltar atrás. Fechei a porta e disse:

- Enzo, vamos montar o lego?

- Vamos, vô.

Alexandre Neto pode nos ajudar, pois, ele é o montador oficial e também o mais rápido na montagem de legos.

Começamos a montar. Devagar as peças foram se encaixando e lá estava ele. Um enorme robô. Na parte superior, o que seria a cabeça, um lugar para a personagem principal ficar sentado e controlando o robô. Como é lindo, disse eu.

- Vô, estou me comportando. Disse o Enzo.

- Sim, sei que você está se comportando bem e é merecedor dos presentes que seus pais vão trazer, não é?

Resolvi jogar futebol com eles, na garagem. Convidei-os e convite aceito fomos ao futebol. De repente, eles, unissonamente, resolveram jogar beisebol. Com um taco e uma bola, na rua, fomos ao beisebol. Rapidamente, outras crianças, agregaram-se ao jogo. Mais tarde, lá pela noite, fomos, cansados, comer suchi e pizza, na orla, aproveitando o vento que vem do rio e que ameniza muito o calor. O suchi era vontade do Alexandre e a pizza do Enzo. Comemos e voltamos para casa prontos para dormir. Assim foi o primeiro dia de nossa missão.

O segundo foi domingo. Acordei cedo e fiz uma vitaminada para o Enzo, pois, ele só tem quatro anos e tem tomar, de mamadeira, este alimento tão precioso nesta idade. A vitaminada consistia de água, banana, mamão, leite em pó, tudo batido em um liquidificador. Ele tomou-a, ainda dormindo, mas, segurando com suas próprias mãos a mamadeira. O Alexandre acordou e fez para ele uma vitaminada incluindo farinha láctea. Recebi uma mensagem, via telefone, de minha nora, Natássia, dizendo que o Sr. Paulo, esposo da Leninha, a dona da loja para qual estava fazendo compras, estava nos esperando para banho de piscina em sua residência. O Alexandre disse que sabia chegar até lá e, assim, fomos para lá. Eu sabia que estava esquecendo alguma coisa, mas, não sabia o que era. Foi uma manhã e começo de tarde, quente e monótona. Quando voltamos para casa, percebi o que esquecera: o filtro solar, os meninos estavam bem vermelhos. O Sr. Paulo estava muito preocupado com o estado de saúde de seu sogro. No entender dele pessoa mais completa no mundo não existia. Impressionava a ele a forma como ele tinha conseguido com muito trabalho criar uma família enorme, como era a dele. A preocupação era um tumor que tinha sido diagnosticado como câncer e que ao ser retirado fora prognosticado como letal, para desespero da família, em dois meses. Daí em diante houvera a formação de grupos de oração, diários. O fato é que, ou por erro de diagnóstico, ou por interferência divina, o homem acabou por se levantar do leito hospitalar. Enquanto conversamos sobre a fé houve um telefonema dos parentes de Leninha, avisando que o sogro acabara de sair do estado comatoso e se levantara em seus próprios pés e dizia que estava bem e que queria sair dali.

- Deus é tremendo – dizia o Sr. Paulo.

Depois do almoço resolvi que estava na hora de deixá-lo a sós com suas crianças, pois, também ele ficara tomando conta das crianças deles. Voltamos para casa e depois de um bom banho nos deitamos para um descanso. Ninguém dormiu. Lá pelas sete da noite, resolvemos sair para um lanche. Saímos de casa e paramos no banco do Brasil, para que eu pudesse sacar algum dinheiro. O Alexandre Neto, não definiu o que e onde poderíamos lanchar e por isso voltamos para casa. Parei em uma fruteria e  comprei, pães, e algumas frutas, como laranjas e mamão. Comprei também um queijo, chamado de manteiguinha. Chegados em casa, fizemos sanduíches e quando vi o Enzo já estava dormindo. Fiz rapidamente outra vitaminada a qual ele engoliu rapidamente. Estou me saindo bem, pensei. No outro dia, ao acordarmos os meninos eram só reclamação, pois, a ardência da pele vermelha era forte, a ponto da camisa não poder tocar nos ombros. Tratei de passar um creme hidratante e eles foram para a escola, reclamando. O telefone tocou era a Natássia minha nora avisando que o pai de Leninha tinha morrido.

O mais importante, disso tudo, não é sucesso da missão, mas, a convivência pessoal com o mais puro parentesco que existe: a sua continuidade genética neste mundo, tão perto, que se vislumbra, neste convívio, a idéia de eternidade. Deus é nosso guia, nosso elo, entre todas as gerações. Que enorme prazer é este de estar junto com sua continuidade, para sempre.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Luis Antony, começo da adolescência -1960.

Morávamos na Rua Luis Antony, perto do Bairro do Céu. Esse, era um beco que fora construído em um declive acentuado onde se amontoou uma porção de casas, moradia de muita gente. Era uma rua pacata, onde morava o Sapo, um amigo de rua, que com o passar do tempo desapareceu. Não se ouvia falar de assaltos, de roubos, de qualquer tipo de agressão ou de violação de direitos dos moradores. Para nós, moleques de rua, o que interessava mesmo eram as brincadeiras que podiam ser realizadas na própria rua, em segurança, proporcionada por um movimento muito pequeno, e, o conhecimento que os moradores tinham uns dos outros. Eram todos pobres, mas, conscientes e esperançosos de proporcionarem vida melhor para os seus.

Quando o sol se punha, não totalmente, as senhoras, vizinhas, colocavam as cadeiras de embalo nas portas de suas casas e ficavam esperando os maridos chegarem do trabalho, trazendo pães, doces, algo para mais tarde, à mesa, todos os membros da família comerem um lanche. Como era prazeroso para elas estarem ali colocando assuntos em dia enquanto olhavam os filhos a brincar com os outros da rua.

As brincadeiras eram as mais diversas. Esconde – esconde, manja, bolinha ( bola de gude ),  futebol, carrinho, queimada, corrida etc... Um dia, estávamos brincando de esconde – esconde, e eu corri para me esconder em uma das pilastras que seguravam e davam sustentação à arquibancada do campo de futebol, do exército, um local conhecido, à época, como General Osório. Estava escondido, ansioso, não querendo ser achado, quando olhando para uma carreira de assentos na arquibancada, mais ou menos da minha altura, vi um homem, isto é, a silhueta de um homem em cima do que julguei ser uma mulher. Fiquei espantado com os gemidos e movimentos que os dois faziam. Fiquei ali quieto, sem ser achado, olhando aquela cena até o final, quando as silhuetas se levantaram e se ajeitaram e foram embora aos beijos e abraços. Foi meu primeiro filme pornô. Nunca contei para ninguém. Guardei a cena na minha memória.

Na esquina de nossa rua estava implantado o majestoso colégio Dom Bosco. Era um colégio situado num terreno muito grande, onde tinham construído o colégio propriamente dito, capelas, estacionamento, e circundando todo terreno existia uma grade metálica, talvez, ferro fundido, cuidadosamente desenhado, com suas pontas, como lanças, guardando o interior, protegendo as mangueiras e cajueiros.

Paramos o jogo de bola, para nos deliciarmos com o tamanho de uma manga, amadurecida, nos convidando para ser comida. Só tinha um problema, esta mangueira ficava na interna do terreno, de maneira, que se quiséssemos pegá-la, tínhamos que pular o tal muro, protegido pelas lanças. Em algum lugar da continuidade da grade, existiam pontos de fratura do ferro, de sorte que espremendo o corpo podia-se, meninos, passar e lograr chegar ao outro lado. Assim um por um fomos adentrando ao terreno. Empolgados com as mangas, delícia de fruta proibida, não antecipamos que se um padre chegasse para reclamar o seu direito de ser dono das frutas, não poderíamos todos fugir pelo mesmo buraco, pelo qual tínhamos entrado.

- Lá vem o padre, gritou o Salsicha, garoto alto para idade que tinha.

Corremos, todos, desesperados para o tal buraco. O padre vinha correndo, com seu corpanzil, segurando na mão uma vassoura, com muita raiva, com a finalidade de afugentar os invasores. Graças a Deus, apesar do padre, todos passaram pelo buraco, a tempo, mas, o Sapo ainda sentiu o vento quente da vassoura tocando seu traseiro.

- Seus sem-vergonhas, gritava o padre do outro lado da grade, balançando a vassoura ameaçadoramente sentindo-se roubado. Confesso que era roubo mesmo, porque, sabíamos que era proibido entrar no terreno do colégio para pegar suas deliciosas frutas. Creio que Deus não tenha feito cavalo de batalha, ou sido radical, em não nos anistiar de tal falta, mas, que a manga era gostosa isto era.

O Carlinhos, colega possuidor de vários dons, um dia, construiu uma canoa, de verdade. Foi toda calafetada com breu e navegava como se fôra um caiaque. Ele morava em uma casa, dessas com palafitas, à beira do rio, o que proporcionava uma espécie de carreira naval, local onde foi construído o barco, uma canoa, na verdade. Era uma alegria remar naquele braço do Rio Negro, ele adentrava na terra, vindo do São Raimundo, quando cheio. Era enorme o deleite ver o pôr do sol, dali do meio do rio, marcando a superfície do rio com suas nuances vermelhas e amarelas, refletindo todo encanto que a vida pode ter. Que momentos inesquecíveis.

Depois, era jogar ping-pong na mesa feita pelo Carlinhos, que contava com a ajuda dos meninos maiores, o Salsicha, o Tony, meu irmão mais velho, o Sapo, os quais eram mais robustos. As tardes eram cortadas pelo som agradável da bolinha batendo na mesa, para lá e para cá. Ali aprendi a jogar tênis de mesa, numa mesa de tábua, lixada, polida, pintada de verde por Carlinhos e sua equipe. Às vezes, mamãe, tinha que interferir, pois, as horas tinham passado e mandava nos buscar, senão passávamos, eu e meu iemão, o resto da vida ali.

O papai Noel era um garoto forte e grande para a idade que tinha. Subia rapidamente em qualquer árvore, sem medo de cair, ou de se machucar, o que causava certa inveja no resto da gurizada. Um dia, estava chuviscando e ele teimou em subir em uma mangueira para pegar uma manga. Foi com todo cuidado, subindo evitando galhos mais frágeis, escolhendo os galhos com cuidado, quando, de repente, um deles curvou, sob seu peso, e, tocou nos fios de alta tensão de um dos postes de energia da rua. Foi um tremendo choque. Ele caiu e, claro, morreu da queda. Soube pelo Sapo. Ele chegou triste em nossa casa e avisou. Dia triste aquele. A rua ficou deserta. No outro também, pois, foi o dia do enterro dele. Entrei em contato com a dura realidade da vida, a morte. Nunca mais a vida foi igual. Sempre que queria pegar mangas ou mesmo brincar em árvores, lembrava do Papai Noel, e o tempo tinha que ser de sol.  

Depois mudamos, minha família e eu, para outro canto da cidade. A Rua Luis Antony ficou para trás, a me ensinar que a vida deve continuar, sempre.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Eternidade.

Tenho pensado ultimamente muito acerca da finalidade maior do homem na terra. O tempo e o espaço continuam sendo objeto de estudo e mesmo centro do problema existencial do homem, considerando a impossibilidade de se prescindi-los. A direção aponta para o fim, a degeneração de tudo e o esquecimento, aniquilação total do ser. A busca desenfreada da eternidade é bastante comum na juventude, que a busca em todos os ângulos e momentos da vida diária, não importando tanto quaisquer compromissos que não sejam os de viver intensamente.  O tempo passando, mostra a mesma pessoa continuando a procurar, às vezes, na religião ou nos clubes sociais, ou nas amizades, na feitura de bem social, buscando ser um virtuoso, sincero, preenchendo o tempo com todas essas propostas e mesmo assim não tendo satisfação, não enchendo a sua alma. Vaidade das vaidades, tudo é vaidade, diz o Eclesiastes. Tudo tem fim e não eterniza, pois, logo o virtuoso, depois da morte, é esquecido e já não se fala mais nele. Suas ações são esquecidas, as virtudes, sua bondade, todo seu esforço para se aprimorar. A riqueza acumulada, os amigos, seus sonhos e realizações, tudo se perde, não produzirá nada depois da morte. É a observação que mostra isso. A sabedoria adquirida na experiência da vida some antes mesmo de se morrer. Não há nada que si possa fazer para amenizar a dor de saber que tudo é vaidade, é tudo em vão. Tudo é vento, passageiro. Se assim é, porque o trabalho incessante, porque se organizar ou tentar se organizar em sociedade, para que a idéia de armazenar, para que dizer que ama e ter o desejo de ser amado, de ser melhor, de querer ser bom e ajudar, de si encontrar, para que a amizade se tudo é vaidade.

É eternidade o relacionamento substancial do Amor, que transcende o tempo e o espaço. A recíproca do toque do Amor. O compartilhar da criação, no trabalho gostoso de estar do lado do Todo. Sem tempo e sem espaço, apenas compartilhar, se dando à Obra de Recuperação do Sistema Perdido. Qual o portal de acesso de volta ao paraíso perdido? Apesar de todo sinal de impotência o homem tem dentro de si mesmo uma chama que clama por eternidade e dentro da eternidade uma que pede por toda pureza da criação. Há essa esse clamor inato plantado geneticamente no coração humano gritando por algo que transcenda a lógica. Essa chama é Deus, o criador do universo, aquele que em criando gerou todas as possibilidades de restauração ao homem caído, lógica incompreensível às criaturas. Então ao homem caído, por livre e espontânea vontade, é dado ter um pouco da árvore do bem e do mal, pois, só usa 10% de seu potencial pensante e perceptivo, da sabedoria, mas, quando chegar o momento de recuperação geral das naturezas, haverá de o homem ter a razão, a lógica, provinda do Todo, já em novos corpos e nova matéria, onde não haverá mais a percepção de caos e sim de alegria infinda, como em alguns momentos da vida, seja de uma bela paisagem, de ternuras, de amores, de sentimentos, onde o ser humano pode deslumbrar o que seria ou o que poderia ser o Éden. É transcendental o pensamento, pois, não pode haver compreensão do Todo se si é parte, e, não o Todo, mas, na esperança e na fé da restauração haverá de haver a compreensão do geral, no uso efetivo de 100% do pensamento e da consciência. As percepções serão restauradas, como eram no Éden, dando potencialidade à vida, levando em consideração que na natureza nada se perde nada se cria, mas, tudo se transforma, e, que, conforme a profecia, novos corpos teremos, assim como uma nova terra, enfim, uma nova vida restaurada, uma nova matéria. Enquanto a História corre, como um rio em seu leito, o homem deve aprender a lidar com seus sentimentos, em momentos de tensão, tirando de cada segundo da sua existência, nesta matéria ainda muito condensada, proveito de alegria por fazer parte desta enorme corrente humana, cuja vida só tem sentido se viver-se intensamente a alegria de cada momento. A eternidade começa aqui em nossas vidas terrenas, com Jesus, autor e consumador da recuperação Total. É leitura do dia a dia, momento a momento. É momento de se dar por completo a toda obra na qual estejamos engajados. Enquanto podemos demo-nos por inteiro às nossas obras. Viveremos para sempre, incorruptíveis, isto é o cerne do cristianismo, é o que penso.

“Este é o dia que Deus criou para nós, alegremo-nos e regozijemo-nos nele...”

domingo, 3 de maio de 2009

O desencontro do Ser.

Vejo e registro desolado a condição destruidora do ser humano, coroa da criação, como querem os ortodoxos. Um verdadeiro massacre à natureza. Milhões de hectares de floresta são destruídos todos os meses na ânsia desenfreada de plantio ou para fazer projetos outros que nada contribuem para o benefício real do ser humano, a não ser de pequenos grupos cujos interesses sem dúvida é o capital pelo capital.

A violência campeia nos centros urbanos, seja quais forem, de uma forma muito acelerada. Os mais absurdos motivos tentam justificar os massacres de seres humanos, totalmente desumanizados, em outros seres humanos. A cada dia mais humilhante fica a população de uma cidade, imprensada em si mesma, sem ter para onde ir na ânsia de proteção, pois, é comum, a violência em seus mais variados graus. Falta de Deus, falta de amor, falta de educação, falta de civilidade, falta de programas sociais, falta de intervenção do governo, falta de método para a melhoria do sistema, são quesitos dos mais solicitados nas rodadas intermináveis das reuniões das comissões para resolverem os problemas sociais. É a realidade.

Conversei, um dia, com uma pessoa que conhece uma outra totalmente derrotada por essas forças, que quando atingem alguém, não atingem apenas pontualmente, mas, a família, a rua, o bairro, a cidade, o estado e o país. Essa pessoa teve a casa invadida por três rapazes que ao entrarem roubaram estupraram, não apenas o psiquismo, mas, também, para sempre a vida dessas pessoas. A reação do chefe daquela família me chamou atenção, pois, depois de muito pensar ele contratou um pistoleiro, tão comum cada vez mais, da cidade e mandou eliminá-los. Está convivendo com o problema provocado pelo estupro de sua família, pelo roubo, pela humilhação, e, mais, o peso do nivelamento com os bandidos. É uma pena. Não dá mais para voltar atrás e fazer uma outra opção.

Nas ruas, nas casas, nas igrejas, nos transportes, nos logradouros públicos, nas vilas, nas cidades, no interior, nas capitais, nos cinemas, em todos os lugares do planeta em maior ou menor escala a presença sinistra dos problemas sociais se agrava a cada dia. Até mesmo em nível internacional, nas relações de país para país se vê a violência, por exemplo, um país como os Estados Unidos da América, invade outro país, o Iraque, liquida a população, se arvora como salvador daquela pátria e à revelia do mundo faz e acontece em todos os lugares, com uma mentalidade paternalista, sabendo o que é e não é melhor para os outros. E em outros países menos evoluídos? também as lutas do poder pelo poder, os pensamentos fascistas dos líderes, assombram, tal a violência empregada. Em toda parte as invasões de terra são comuns, não importando se está ou não ocupada, apenas para dizer que tal organização ou domínio está “trabalhando” para o bem estar dos seus agregados e enriquecimento de seus líderes, a mesma visão existe dentro das igrejas, das Ongs, das fundações, das organizações. É o caos total. A esperança reside na individualidade que pode pelo poder de escolha própria endireitar os caminhos, as veredas tortuosas. Campanhas e esclarecimentos, como forma preventiva, não à impunidade, o poder judiciário forte, o legislativo sadio, e, o executivo hígido, dão a possibilidade de mudança para um mundo melhor.

Maranata, Senhor.

sábado, 2 de maio de 2009

A Livraria Saraiva.

Inaugurou em Manaus uma livraria, a Saraiva, que tem impressionado as pessoas que gostam de ler, pela sua imponência e sua variedade de títulos que são desde as revistas, resgatadas agora, pois, quase não as tínhamos, como Asterix e Obelix, as primeiras impressões do Tim Tim, do Super Homem, do Capitão Marvel, e tantos outras, acessíveis a toda comunidade, sem contar com a titularidade de obras de todas as áreas técnicas, passando por impressões surpreendentes do mundo e do saber das crianças. Ganha importância também a literatura regional, colocado que é obras de autores como nosso poeta Thiago de Melo, Milton Hatoum, Márcio Souza e tantos outros imprescindíveis para a sedimentação da nossa cultura.

É de grande monta a importância do oferecimento, da facilidade de títulos e estudos, CDs, DVDs, filmes e anotações, livros técnicos, ficção, romances, esboços, tudo muito bem arrumado e de fácil localização, potencializado o atendimento por funcionários competentes e que gostam de livros e de saber, enfim, uma grande oportunidade que se fazia necessária para preencher uma lacuna de grande importância social que é a do estudo.

Um dos livros que mais impressionou em minha formação é um do Jorge Luis Borges, chamado Borges Oral. Procurei por toda parte, pois, o meu foi perdido em um empréstimo a um amigo. Nunca o achara, nem mesmo por encomenda; lá na Livraria achei através de encomenda. Que bom poder reler, o que acho que dá mais prazer que o ler, conceito do próprio Borges.

Fiquei feliz comigo mesmo e com a oportunidade que se abre para minha cidade, principalmente para a formação das crianças. A livraria passa agora como um formador de cultura, nos mais variados aspectos. Isto é muito bom.      Deus abençoe obras como essa, que sejam bem-vindas.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

A Primeira Vez.

Depois de ouvir de muitos amigos a necessidade, para quem escreve ou pensa que escreve como eu, através de minhas crônicas ou comentários sobre algum assunto, de ter um blog onde eu pudesse expor meus pensamentos e edita-los sem a convencional editoração formal, resolvi atender a esses pedidos e assim estou postando a minha primeira crônica que versa ou vem de uma observação acerca do trabalho específico do Senador da República Magno Malta na comissão que trata da Pedofilia no senado. É o que me emocionou e me tocou a alma esta semana.

Deus é maior.

Estava na sala de minha casa, almoçando, sentado no sofá, olhando televisão, assistindo a Tv Senado, ouvindo o pronunciamento do Senador Malta, presidente da CPI da pedofilia, instalada naquele parlamento.

- Senhores, fiquei estarrecido com as cenas que tive oportunidade de ver, no material repassado à comissão, principalmente, com uma de um estupro de um menino de apenas dois anos de idade, que veio à óbito depois do ato animalesco. É material de alto impacto. É um material que nos motiva a irmos a fundo à questão da pedofilia.

Ele não mostrou a cena que ele viu, apenas, ao ouvir, ia criando as imagens da descrição em minha mente. Vi o horror estampado nos olhos da criança, olhar de sofrimento profundo, a morte, o desespero do assassino, o irreparável véu da morte estampado no rosto da criança. Sofri com o pensamento. Sofrimento pequeno, ínfimo em relação ao real, mas, tão vívido que comecei a lagrimar, sabendo que nada mais podia ser feito, pois, a morte se instalara no corpo da criança. E outros casos relatados por ele, que mostram claramente o poder destruidor do homem, nele mesmo. Um homem sem vida, errante, egoísta, de uma ira a toda prova, dono de um poder pequeno, mas, que pode ser desgraçadamente destruidor em relação a ele e a natureza de um modo geral.

Fico pensando em quanto a gente pode ajudar, quando falamos que existe um poder maior, um poder criador, de tal monta que certamente providencia, por Amor, um recomeço para a humanidade. As igrejas precisam ser mobilizadas e os governos também. De uma forma ou de outra há que se disponibilizar segurança para os que são vítimas e também tratamento efetivo para os desajustados, mas, de uma forma preventiva, com campanhas em todos os níveis, que ajudem as pessoas a medirem suas taras e tomarem consciência da necessidade de ajuda, julgando elas mesmas, que estão fora dos conceitos de conduta sexual normal. Há que se fazer algo, de um modo geral, que não contemple, óbvio, o criminoso, mas, que preventivamente se evite a catástrofe de um momento como esse relatado pelo senador Malta, porque, por este ato, julgo que há uma destruição na normalidade de vida, na alegria de viver, na família, na cidade, no estado, no país.

Oro a meu Deus para que novas idéias, novos rumos sejam encontrados, e, a pedofilia seja, não banida, porquanto impossível, mas, controlada por nós enquanto sociedade. Deus é maior.