sábado, 30 de maio de 2009

Coração para sempre.

Ontem fui ao médico, cardiologista, fazer um check up. É certo que tinha sentido um peso no peito, do lado esquerdo, o que me preocupou, e, logo liguei para o Dr. Silas Avelar, que gentilmente se dispôs a me atender no mesmo dia à tarde. Marcado para as quinze horas, consegui chegar às quinze e trinta. Dirigi meu carro pelo caminho íngreme até o estacionamento do consultório do médico, situado na parte de trás do velho prédio da Beneficente Portuguesa. Estacionei e quando sai do carro olhei em volta, para a capela fúnebre do meu lado esquerdo, onde se vela os defuntos e também para a varanda de entrada onde as portas de entrada dos consultórios eram usadas constantemente pelos numerosos funcionários de branco que circulavam rapidamente com pastas e instrumentos e também na entrada e saída dos pacientes. Encaminhei-me para o de cardiologia e empurrando a porta entrei e me vi dentro de uma sala apinhada de gente. Estavam todos a espera de uma consulta. Entreguei meu cartão, do meu plano de saúde, e, a recepcionista depois de preencher umas folhas me pediu que esperasse ser chamado. Fiquei em pé ali, esperando minha vez e que alguém desocupasse alguma poltrona. Uma senhora e um senhor de bastante idade foram chamados e entraram para outro ambiente. Rapidamente me sentei e pude observar que à minha esquerda estava uma moça, nova, e, apesar de bonita tinha um rosto de faceies bem cansado. Ela me olhou e disse:
- Meu pai vai ser cirurgiado. Viemos marcar o dia da cirurgia. Ele é muito novo, só tem cinqüenta e quatro anos e está com muito medo da cirurgia. Ele saiu para não ficar aqui dentro pensando nisto. 
Ela estava visivelmente nervosa, talvez, pensando na possibilidade de perda do pai. Ela acabou de falar e ele entrou, novamente. Ficou me olhando, e, lógico me levantei para dar-lhe o lugar, mas, ele disse:
- Não carece, não.
- E aí?, perguntei querendo dar continuidade à conversa.
- Estou com cinqüenta e quatro anos e já vou ser submetido a cirurgia de safena. É a vida, não é?
- Você sabe, disse eu, que um pouco de tempo atrás nós não tínhamos essa esperança tão abençoada como essa, de uma sobrevida que às vezes é maior do que aquela que viveríamos? A tecnologia nos deu essa expectativa. Podemos viver mais um pouco ou muito mais. Deus nos deu essa nova vida, baseada na inteligência criadora, essa tecnologia linda que nos permite viver mais. Acho muito legal isto. 
Ele ficou me olhando e quase inaudívelmente me disse:
- Poxa, não tinha pensado nisto. É mesmo. A gente pode viver um pouco mais. Obrigado, meu rapaz.
- Vamos pai, é nossa vez. Era sua filha chamando para a ida ao consultório. Ele me olhou com um ligeiro sorriso e entrou. Fiquei ali, pensando o quanto é terrível a gente não ter esperanças, ou mesmo perder a condição de criar expectativas sadias. Senti que estavam me olhando e quando me virei para o lado direito encarei um senhor de aproximadamente uns setenta e tantos anos que parecia querer me dizer algo.
- Você também é candidato a viver mais? Perguntei.
- Fiquei impressionado com o que você falou para aquele senhor. A gente sempre quer viver mais um pouco, não é?
- É verdade, apesar de nós vivermos vivenciando a toda hora a degeneração que culmina na morte, não ficamos quase sempre a pensar no final de tudo. Sempre sublimamos nossos atos e pensamentos da melhor forma possível. Tudo muda quando ficamos frente a frente com a idéia da morte, como é o caso da maioria das pessoas aqui. Queremos viver para sempre. Não basta vermos os netos temos que ...
- Eu tenho seis filhos e minha neta mais velha está com vinte anos. Será que conseguirei ver meus bisnetos? Será?
- Não posso lhe garantir isso, mas, você tem uma enorme possibilidade após essa cirurgia de uma boa sobrevida. Sonhe com isto. Viva intensamente isto, como você tem vivido até agora com seus filhos e netos. Deus vai lhe abençoar nisto.
- Você é psicólogo?
- Não. Sou dentista, mas, tenho uma força que sigo. Deus.
- Sr. Wilson, sua vez, por favor, sala 3. Obrigada.
Era a recepcionista chamando-o para consulta. Ele foi me olhando, sorrindo como que agradecendo. Não sei o que aconteceu ou o que vai acontecer, mas, sinto que houve uma resposta de vida nessas pessoas e em mim também. Preparo-me para entrar na sala do médico. Seja lá o que for, estou animado por ter contribuído de alguma forma para a auto-estima dessas duas pessoas ter melhorado. 
- Filho, já fiz minha cirurgia, estou na sobrevida que você está falando e estou tão feliz...
- Sr. Alexandre, por favor. Sala 4. Era recepcionista novamente.
Levantei-me e olhei para a velhinha sorridente e fiquei feliz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário