sábado, 9 de maio de 2009

Minha Mãe.

Faria oitenta e três anos agora dia 14, pertinho do dia dedicado às mães. Morreu precocemente com cinqüenta e oito anos.  Lembro dela toda alegre arrumando as maletas, caixas, aparelhos, aladins, latas de bolacha, o rancho em si, uma enorme quantidade de necessidades que ela fazia questão de levar para a fazenda ou a casa de D. Olenka Menezes, na ilha do Careiro, ou o Careiro da Várzea, onde normalmente passávamos nossas férias de final de ano. Eram dias deliciosos, pois, convivíamos intimamente com todos os familiares, inclusive, sua irmã mais velha, a tia Branca, que ia, também, com todos os da sua casa. Cedo, no dia da viagem, com tudo pronto começava uma verdadeira maratona para levar todo trombolho para bordo do barco que nos levaria até lá. Eram horas carregando os pacotes e caixas. Finalmente, a viagem começava e ela, junto com a irmã sentavam, sempre uma perto da outra, e, começavam as infindáveis horas de conversa que terminariam somente quando voltássemos. Quando, por ventura, o vento provocava ondas no rio Solimões, elas começavam a cantar um hino da igreja:

Ó Mestre; o mar se revolta, as ondas nos dão pavor

O céu se reveste de trevas não temos um Salvador

Não se te dá que morramos, podes assim dormir?

Se a cada momento nos vemos, sim prestes a submergir


As ondas atendem ao meu mandar: sossegai!

Seja o encapelado mar

A ira dos homens, o gênio do mal

Tais águas não podem a nau tragar

Que leva o Senhor rei do céu e mar

Pois todos ouvem o meu mandar: sossegai sim sossegai.

Nós crianças, e eu principalmente, apavorado com as ondas, ouvindo a cantoria ganhávamos confiança de que nada de mal assolaria a embarcação, assim, seguíamos viagem até porto seguro. À noite, quando o negror da noite chegava, junto com ela as sombras fantasmagóricas, que se desenhavam nas paredes, vindas da luz do candeeiro, me assombravam ela cantava, e, logo as brincadeiras dos mais velhos, nos faziam primeiro cochilar, depois, dormir embalados por tão visível amor.

Uma vez, me peguei chorando, ouvindo uma dessas músicas que as mães cantam para fazerem seus filhos dormirem.

- Oh! Que saudades que eu tenho da aurora de minha infância querida, que os anos não trazem mais... Era uma poesia de Casemiro de Abreu, que eu, ao ouvir, caia no pranto e dormia cheio da ansiedade que a música me transmitia.

Aos domingos, era rigorosa. Tínhamos que todos, sem exceção, irmos à escola dominical e assistir aos cultos, o que nos deu uma formação fortemente religiosa e depois uma convicção, por livre escolha, do Caminho.

Ela tinha um palavreado todo próprio, às vezes, difícil de entender, como quando ela queria se referir a alguém intragável dizia intra e para algo impossível dizia impó, para outra danada dizia sinistra, e a uma improvável dizia imporoca, e, por aí afora. Morria de rir desses neologismos, próprio de um humor a toda prova.

Obrigado, D. Nadehyde de Souza Cruz Silva, pelo exemplo de vida que você me deu e a todos que a conheceram e tiveram o privilégio de viver com você. 

5 comentários:

  1. Caramba Pai, está emocionante essa crônica, gostaria de ter conhecido melhor a Vovó. Por falar em dia das mães, manda um feliz dia das mães à mamãe, só vou poder ligar a ela amanhã a tarde, pois estou de plantão, ah manda tb para a gabi...

    ResponderExcluir
  2. Pai, esse texto tá mto emocionante e bonito tbm! Que pena eu nao ter convivido muito com a minha avó! Beijos a todos aí

    ResponderExcluir
  3. Bonito e tocante o texto. O amor de mão é para sempre e as lembranças ficam guardadas no local mais precioso para nós : o coração.

    ResponderExcluir
  4. me sinto profundamente grato a Deus por ter me feito filho de dona Nadehyde. Mulher de fibra, extremamente de dedicada ao marido e à criação dos filhos. Gostava de programas ecológicos dos quais já falaste nesse texto. Ainda hoje sinto o gosto do tambaqui à escabeche que ela fazia. Só de lembrar começo a salivar. o espaço é reduzido. Mas minha homenagem, são as lembranças diárias que sempre tributo a minha doce mamãe.
    Prabens pelo texto!

    ResponderExcluir
  5. Muito emocionante e muito vívido, parece que a gente pode ouví-la cantarolando ou conversando usando essas palavras que só ela sabia usar de forma tão peculiar.

    ResponderExcluir