quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Acalanto para Alexandre Neto.

O bisturi do médico fez um corte reto de uns prováveis vinte e cinco centimetros na barriga pélvica de minha nora, que agora sedada, depois da anestesia peridural, dormitava e fazia força para manter a consciência ativa, mas, a sonolência era grande e possivelmente ela não vira ou sentira o neném nascer. O choro grosso e firme do bebê chamava-a para a realidade e ela sentiu quando a enfermeira trouxera e encostara o recém-nascido em seu rosto. Nossos olhos se encontraram e ela riu depois que disse que era um garotão, o que bastou para que, enfim, ela se entregasse à pressão do sedativo, e, então dormiu profundamente.
Esse fato faz treze anos. Alexandre Neto nasceu e logo após, quando a enfermeira levou-o para a aspiração, peguei-o em minhas mãos e corri para a porta do centro cirúrgico e levantando-o acima de minha cabeça, já à porta de entrada do centro, gritei para meu filho que, alegre, no mesmo corredor conversava com seus amigos:
- Alexandrinho, disse-lhe mostrando o menino, é um menino... A voz embargada, meia rouca.
Voltei e entreguei-o para a continuidade dos procedimentos normais.
A alegria era enorme.
Dias depois com aquele ser tão pequenino no colo ninava-o com uma música que compusera para ele numa noite escura, cheia de cansaço, prenuncio de outras trabalhosas, porém, cheias de amor e carinho:

O sol já foi embora
A lua apareceu no céu
A estrela já brilhou
Dorme meu amor.


Dorme cachorrinho
Dorme cachorrão
Dorme meu bebê
Dorme assim tão lindo
Dorme cachorrinho
Dorme por favor.


Lá fora é escuro
E faz muito frio
Aqui dentro tá quentinho
Dorme meu neném.

Parabéns prá você
Nesta data querida, meu neto querido,
Deus te abençoe e guarde do mal.
São meus desejos e minhas bençãos para você que apesar de estar morando longe fisicamente, no meu coração está bem pertinho, tão pertinho que sinto-o, ainda, pequenino, dormitando, em minhas mãos, como se fosse treze anos atrás, e, você em resposta só rir, lhano, lindo como diz a música...

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Rua Luis Antoni-O Gárgula

À noite todos os gatos são pardos, diz o ditado popular.
O gárgula ataca em noites frias e escuras como essa, era o dito pelos pequeruchos, na casa escura, quando a luz era desligada em toda cidade, pois, nessa época Manaus ainda vivia sob o peso da falta de abastecimento de eletricidade, em alguns momentos. Era comum o desligamento da rede elétrica por volta das dez da noite, e, os pais, das crianças, forçavam o dormir mais cedo o que gerava um descontentamento na criançada que queriam continuar as Oobrincadeiras.
O velho casarão, às escuras, assombrava, nas silhuetas sombrias, e, quando o tempo ameno fazia correr uma brisa fria, talvez, vinda do rio, mais fantasmagórica a casa ficava. Nesse contexto assustador, por ele mesmo, nasceu o Gárgula, uma mistura de héroi e monstro assustador, porquanto, era admirado e muito temido pelos menores. O Gárgula tinha uma agilidade felina. Aparecia aqui e logo estava ali numa demonstração quase de onipresença, o que para a garotada parecia passe de magia. Nascera de uma idéia aterradora...
Naquela noite fria, os adultos reuniram-se no pátio anterior da casa, e, bebendo chá mate com limão, colocavam a conversa em dia, assim, quando a luz fora desligada a cidade inteira mergulhara numa escuridão abrandada por um raio tímido de luar que meio iluminava a cidade, evidenciando as sombras e os vultos. A criançada em vez do contumaz recolher-se corriam e brincavam no pátio interno da casa, inocentemente, e, do telhado da casa, o Gárgula monitorava o movimento de cada uma delas, esperando o momento exato para o ataque. Uma das crianças vira o vulto assombrador do Gárgula passar rapidamente, num piscar de olhos, no telhado da casa. O grito fora mais assustador que a visão. Todas as outras, imediatamente entraram em pânico instantâneo e ao mesmo tempo correram na direção do pátio anterior, onde os adultos, ao ouvir o grito e depois a gritaria de todos, em pé, dispunham-se a entrar na casa, quando a enchurrada dos oito meninos e meninas, gritando e falando ao mesmo tempo os apavorando também.
A idéia do Gárgula nascera dessa necessidade, não sei porque, dos da puberdade, assustarem os mais novos. Tony, meu irmão mais velho o criara exatamente para isso. Eu, conivente, observava os movimentos, principalmente dos adutos, para através de sinais, sons e gestos, avisa-lo dos movimentos.
Dizia que a criançada correndo invadira o pátio anterior e externo da casa. A reação dos pais, sem saber exatamente o que acontecia, era de proteção, e, o mais corajoso, o Veloso, nosso tio, casado com tia Branca, resolvera ir até o pátio interno, foco do assombro. Cautelosamente, pé ante pé, bem devagar, tentando enxergar na escuridão, ia na direção exata onde o Gárgula o esperava com um balde de água, em cima, no telhado. Como o combinado emiti o piado, um som, mistura de apito e piado de pinto. Lá de fora ouviu-se o grito desesperado do Veloso. Era um grito esganiçado, cheio de pavor, um grito de alguém pego na surpresa do ataque. A cena ficara hilárica, o Veloso, encharcado, dos pés à cabeça, irado, parara no umbral da porta que dava acesso ao pátio externo, e, tentava falar com meu pai:
- Manoel, é o Tony, esse moleque me deu um banho de água fria e merece uma lição, bem dada... e, continuou, com seu acento portugues, a exigir uma punição para tal audácia.
Era verdade, mas, quem se atreveria a ir até o pátio atrás do Gárgula?