quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Barrancos

 Chovia forte.Ele franziu a testa forçando o olhar na direção da outra margem, longe, quase sem visão. O que ele buscava ver? Não sei. Talvez fosse só um vezo, um hábito de procurar, com chuva ou sem chuva, algo não alcançável. O fato era que lá estava ele sentado em seu banco predileto, à margem do rio, sob a forte água da chuva, suportando aquele vento que vinha do meio do rio e que entranhava em seus ossos dazendo-o tremer de frio. Antes já fizera. Pensava nela. A canoa deslizando, oblíqua, teimando em deixar-se levar pela forte correnteza, mas,subjugada e manobrada pela perícia da mulher em manusear o remo esse instrumento que há séculos ombreia, e, ajuda o caboclo em suas viagens e andanças por entre a multiplicidade dos rios amazônicos. A angustia era evidente em seu rosto. Imaginara, naquele momento eterno, a canoa virando, não resistindo ao forte banzeiro, e, a mulher debatendo-se, tentando desesperadamente emergir para a vida, mas, a força das águas imensamente mais forte puxavam-na para baixo, para suas revoltas entranhas. Apesar dos péssimos pensamentos a canoa teimava em vir em sua direção. Agora, revivia a cena. A angustia não existia porque não tinha canoa nem moça, só a lembrança do barco subindo e descendo no topo das altas ondas. Subia e logo literalmente sumia de sua visão engulida pelo vale das ondas. É como se o rio-mar dissesse: agora fico com ela... E rindo deixava a canoa subir na crista da próxima onda para logo deixa-la desabar em busca da próxima, numa brincadeira sem fim.    Era a chuva branca. Tempestade devastadora. O caboclo, encharcado, com seu chapéu de palha deixando sua aba reter água para logo deixá-la cair em cascata em seu rosto, turvando-lhe ainda mais a visão, imaginando quantas tempestades a vida lhe oferecera e a todas vencera obstinadamente, consolidando uma cultura, a cultura da sobrevivência, comum a todos os moradores da floresta indomável.    A moça morrera uns anos atrás durante o parto do neném que chorava na casinha de madeira situada, talvez com fome. Vagarosamente ele levantou-se, olhando o rio seu amigo, e, endereçou-se para a casa. Tinha que enfrentar mais um dia de sobrevivência...    

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

A fluidez do charuto e da vida.

Boa Vista. O céu impecável. As estrelas brilhando, cada uma mais que a outra para si mostrarem, aparecer mais que as outras, o que dava uma visão especial aos espectadores. Mesmo para um amador, os desenhos das constelações apareciam mais nitidamente, e, naturalmente, refletia, e fazia refletir o sentimento da grandiosidade da criação. A graça com que os astros arrumaram-se era de causar muita admiração. Eu, como um desses amadores, conseguia distinguir muito pouco das formações. Deitado na rede via o cruzeiro do sul, as três Marias, algo parecido com a uma formação que eu sabia quem era mais não sabia o nome e depois de um tempo resolvi simplesmente absorver o quadro mágico do céu estrelado. Meu filho, Alexandre Filho, também absorvia este momento mágico, e, através das espirais da fumaça do seu charuto, deixava transparecer a imensa satisfação de simplesmente estar ali. Realmente o cenário é de difícil descrição. Não há em que pensar a não ser no quadro logo ali em sua frente, para quem está deitado como eu. Os dois cachorros, um bulldog inglês e um americam bull, um branco e o outro preto, entendendo nosso momento introspectivo, aquietaram-se, deitados à volta das redes, como fossem partícipes da admiração que o quadro exigia. Lá longe o uivo de um pastor alemão, alto, emprestava à cena um quê de ancestralidade, remontando à uma época bravia, de colonização, longínqua. A lua, toda exibida prateava a cidade, e, tenho certeza, mais o nosso pátio, pois, nenhum ponto do quintal até a entrada da casa estava encoberto de seus raios prateados. Os charutos, cubanos legítimos, pareciam mais ativos e alegres de estarem contribuindo com nosso prazer, estavam na metade e os assuntos, da vida e de projetos, ainda nem pensavam em dar-se por encerrado. - Alexandre, amanhã é um porvir, mas, marcado por nossos passos de agora. O tempo, essa marca mensurável, existente apenas humanamente falando, para nós os poetas e artistas que teimam em pensar realmente não existe. É-nos indiferente...; assim a noite avançava madrugada a dentro. Lá no céu a lua. Aqui o calor prateado do amor. Charutos e conversas. Sonhos a vir. Devaneios das almas. Solidificação de sentimentos. Deus abençoando a cena. Passado, presente e futuro. O bulldog, prognata, com os olhos sonolentos, talvez, desinteressado pela conversa, olhava sua silhueta refletida na enorme parede de vidro que separa a varanda da sala de visitas, deixando o tempo passar. Agora, os charutos quase mortos, nos volviam à realidade. O sono lentamente tomando conta da cena fazendo a conversa ficar mais espaçada, o corpo a pedir descanso, nos lembrava que a mágica do momento terminara e era hora de ir...