quinta-feira, 7 de maio de 2009

Socorrita ou Maria do Socorro Alves da Conceição Silva

Eu e Ela

Estava na faculdade, cursando, ainda, o curso básico da área de saúde, na Universidade Federal do Estado do Amazonas. Eu fazia odontologia, curso que levei adiante como projeto de vida, e, ela medicina. Até então não sabia nada dela. Lá estava ela parada, encostada, com um dos pés descansando numa das paredes, do hall que levava a uma das inúmeras salas de aula da faculdade. Senti que me olhavam. Olhei e nossos destinos literalmente se cruzaram neste singelo ato, a troca de olhares. Momento raro, eternizado depois, pelos filhos e pelos afazeres da vida. Bastou oferecer-lhe uma carona, no carro de meu pai, para que a magia se completasse ouvindo a voz, sentindo o olhar de quem sabe o que quer. Que mágica esta que Deus deu ao homem.

                No dia 25/02/09 fizemos trinta e quatro anos de relacionamento, de casamento, de amizade, de amor. Como o tempo voa. Trinta e quatro anos. Quanta coisa compartilhada. Quantos momentos bons. Quantos momentos ruins. Quanta experiência acumulada. Três filhos maravilhosos, três netos, uma nora espetacular, filha adotada. Como querer mais da vida?

                1978. Ano do nascimento de nosso filho mais velho. Ano, marco do começo de minha carreira como odontólogo. O hospital militar, local do nascimento de Alexandre Filho, e, onde eu trabalhava, enorme prédio situado no bairro da Cachoeirinha, em Manaus, Amazonas, estava pronto, em sua sala de cirurgia, para a cesariana, para o nascimento de nosso primogênito. Eu estava no céu. Um filho. Seria jogador de futebol, médico, administrador de empresas, engenheiro, cadete militar, pastor, ô, meu Deus, qual seria a tendência deste menino? Qual nave errante, lá estava eu a especular, sem saber, por ser impossível saber o futuro, seja o que Deus quiser, mas, que seja para a honra e glória Dele, frase que meu pai sempre dizia para dar importância ao momento. Eu iria entrar para ver e fotografar o parto. Entrei. A adrenalina era forte demais. Controlei-me e resolvi me concentrar nas ações do Joaquim, o médico obstetra. Começou e lá estava eu sem saber me posicionar dentro da sala, preocupado em não atrapalhar a cirurgia. De repente, uma correria, algo não estava a contento. Depois da incisão do útero o neném não se mexera e não queria sair, nas palavras do médico. O auxiliar junto com o anestesista começou, então, uma espécie de massagem, mais pesada, que vinha do tórax para o abdômen, numa tentativa de expulsar o bebê do interior do útero. A minha cabeça, por conta da enorme quantidade de adrenalina jogada na corrente circulatória, rodopiava sem controle.

- Pronto, saiu. Falou o obstetra, tratando de cortar o cordão umbilical e passar o bebê para o auxiliar. Embrulharam-no em pano cirúrgico e levaram a ele para a UTI, pois, o hospital não dispunha de berçário. Quando me certifiquei que a Socorrita estava bem, saí correndo atrás da enfermeira que agora estava quase entrando na UTI.

- De quem é esse bebê? Perguntou o diretor do hospital, um major temido pelo seu jeito enérgico de administrar o hospital.

                A enfermeira parou e disse:

- É do doutor Alexandre, senhor.

- Me deixa vê-lo.

A enfermeira prontamente afastou o pano que estava cobrindo literalmente todo o neném e para meu espanto o diretor falou:

- Leve esse menino imediatamente para a UTI e chame o pediatra do hospital, pois, ele está em sofrimento respiratório.

                Quase o mundo desaba sob meus pés. Olhei e vi uma criaturinha negra, pequena, toda enrugada, choramingando quase inaudívelmente. Amei-o profundamente e senti que Deus, naquele momento, me deu a ele para que, em sobrevivendo se tornasse uma pessoa integralmente relacionada com Ele, para sempre, numa espécie de selo eterno. Isto não bastaria, não seria suficiente, pelos próximos dias. A prescrição do pediatra era pesada. Antibióticos de hora em hora, oxigênio constantemente aberto na sonda nasal e muita observação.  Depois de quatorze noites, sem dormir, aplicando, às vezes, injeções, trocando balas de oxigênio, finalmente, foi dado alta para o pequeno. Emocionante a nossa chegada em casa. Lá estava a guerreira, ainda sentindo o peso de uma cirurgia pesada como é a cesariana. Que experiência passamos juntos. Não dá para, com palavras humanas, descrever a imensa felicidade da cena, da nossa felicidade. Essa mesma felicidade se repetiu em 1979, com o nascimento da Maysa e em 1982 com o da Gabriela, nossas amadas filhas. Nasceram as duas no mesmo clima de expectativa, de felicidade, de muito amor.

                A Socorrita já médica. Já trabalhando na profissão que ela escolheu como sua, como seu projeto de vida. Mostrando ao mundo em derredor que ela nasceu para conduzir, para ser luz, para alumiar o seu entorno. Companheira ideal, aquela que não tem defeitos profundos, desses que derrotam qualquer vida, não, não tem defeitos. Forte como uma árvore plantada junto a águas tranqüilas. Suas juntas não se dobram diante qualquer ventinho,  venha de onde for. Tem a força de mil cavalos juntos. Uma vontade férrea. Um amor imenso a distribuir, com seriedade, com infinita vontade de acertar, de querer bem, pois, sua preocupação sempre foi e vai ser através da vida, os seus mais próximos, filhos, irmãos e irmãs, depois, os carentes, que conhecem bem esse seu lado tão lindo, o de propiciar felicidade a todos outros seres humanos que necessitem de sua preciosa presença, seja clinicando, seja com sua própria presença. Sou testemunha de inúmeros fatos de prestação de serviço aos carentes. A mesma disposição de servir, mandamento maior de nosso Senhor, é o mesmo para os próximos e para os outros.

                Que bom é e será estar casado, compartilhando momentos difíceis e amenos com esta pessoa tão linda e amorosa como ela é.

Amo-te, Socorrita. 

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