segunda-feira, 18 de maio de 2009

Soneto da Solidão.

Este soneto foi publicado umbilicalmente com Canto para Alexandre Neto dormir. Algumas pessoas criticaram o fato alegando que netos e solidão são coisas separadas e que não se misturam. Ah! quem dera que a vida fosse sempre assim, retilínea, sem separações, sem arranhões viscerais, ah! se sempre, como quer o leitor, não houvesse separações... É necessário coração sensível para entender o pouco que nos permitem saber da vida. Infelizmente, tudo é relação, no fim de tudo é perda. Ah! caro leitor, com seria bom se nós pudéssemos publicar separadamente as relações e solidão, seria bom simplesmente poder dizer que não há solidão:


Soneto da Solidão


Já se passaram 57 anos desde o meu nascimento. O tempo passa inexoravelmente sem parar.

Lembro de minha infância com meus irmãos e meus pais, da luta, infinda, pela sobrevivência, a beleza da vida pela frente, a promessa que tudo vai ser bom, a escola, os colegas, as meninas,

 a bebida, o sonho de ser, o sonho de ter, o jogo de petecas, a barra bandeira, a manja pega, a cadeira de balanço na porta da casa, as amigas de mamãe, as tardes depois da aula, os colégios, os amigos, que velocidade, corrida para nada, sonhos para nada, só correria, só querer.

O Rio de Janeiro, 1960, ano bom. Botafogo, senador Vergueiro, as favelas a se criarem,

as gaivotas, o começo do aterro, a Baía de Guanabara, os barquinhos, o vento do mar, cheiro bom de maresia. Sedimento de valores e sentimentos. Tantos anos, a fumaça chegando com o trem,

 o picolé, o gelado da Kibon, os sonhos da padaria, o Cristo redentor, Ilha de Paquetá, as barcas de Niterói, cidade boa de morar.

Faculdade, sonhos mil, medicina, odontologia, a vida, a morte. O olhar, reciprocidade, chamego, namoro, casamento, filhos, netos.

 O rio não pára, a correnteza aumenta dia a dia, tempo de estudo duro, de trabalho, formatura, mercado de trabalho. Pacientes, dinheiro, insinuações, namoros, mocidade, diversão, bebidas, carros, viagens, ponto de chegada, ponto de interrogação.

Tudo se corrompe se degenera, a mente, o corpo, os sonhos, as percepções, o que vale, a ética, a moral, venda de imagem.

 Rosto da madrugada, corpo suado, realidade, meninos, esposa, trabalho, contas. Brigas, acertos de conta, telefonemas, bagunças, vidas atrapalhadas. Decepção, volta atrás, não, para frente é que se anda. Solidão.

Cercado de gente, gente fina, e, gente grossa. Solidão. Não se completou, não encheu a panela. Tanto causo como sou a própria solidão.

 O sol brilha, às vezes, noutro dia a chuva cai sem parar, o motor do barco, o vento forte, as lonas a chorarem, o vento a bater, as ondas, vento forte, chuva, tempo de chorar. Solidão.

Solidão é não ficar sem ninguém um momento sequer, é querer estar e não estar, é estar só.

Um comentário:

  1. Muito intenso. A gente vai lendo e como que vai sentindo a emoção. Gostei muito.

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