quarta-feira, 6 de maio de 2009

Luis Antony, começo da adolescência -1960.

Morávamos na Rua Luis Antony, perto do Bairro do Céu. Esse, era um beco que fora construído em um declive acentuado onde se amontoou uma porção de casas, moradia de muita gente. Era uma rua pacata, onde morava o Sapo, um amigo de rua, que com o passar do tempo desapareceu. Não se ouvia falar de assaltos, de roubos, de qualquer tipo de agressão ou de violação de direitos dos moradores. Para nós, moleques de rua, o que interessava mesmo eram as brincadeiras que podiam ser realizadas na própria rua, em segurança, proporcionada por um movimento muito pequeno, e, o conhecimento que os moradores tinham uns dos outros. Eram todos pobres, mas, conscientes e esperançosos de proporcionarem vida melhor para os seus.

Quando o sol se punha, não totalmente, as senhoras, vizinhas, colocavam as cadeiras de embalo nas portas de suas casas e ficavam esperando os maridos chegarem do trabalho, trazendo pães, doces, algo para mais tarde, à mesa, todos os membros da família comerem um lanche. Como era prazeroso para elas estarem ali colocando assuntos em dia enquanto olhavam os filhos a brincar com os outros da rua.

As brincadeiras eram as mais diversas. Esconde – esconde, manja, bolinha ( bola de gude ),  futebol, carrinho, queimada, corrida etc... Um dia, estávamos brincando de esconde – esconde, e eu corri para me esconder em uma das pilastras que seguravam e davam sustentação à arquibancada do campo de futebol, do exército, um local conhecido, à época, como General Osório. Estava escondido, ansioso, não querendo ser achado, quando olhando para uma carreira de assentos na arquibancada, mais ou menos da minha altura, vi um homem, isto é, a silhueta de um homem em cima do que julguei ser uma mulher. Fiquei espantado com os gemidos e movimentos que os dois faziam. Fiquei ali quieto, sem ser achado, olhando aquela cena até o final, quando as silhuetas se levantaram e se ajeitaram e foram embora aos beijos e abraços. Foi meu primeiro filme pornô. Nunca contei para ninguém. Guardei a cena na minha memória.

Na esquina de nossa rua estava implantado o majestoso colégio Dom Bosco. Era um colégio situado num terreno muito grande, onde tinham construído o colégio propriamente dito, capelas, estacionamento, e circundando todo terreno existia uma grade metálica, talvez, ferro fundido, cuidadosamente desenhado, com suas pontas, como lanças, guardando o interior, protegendo as mangueiras e cajueiros.

Paramos o jogo de bola, para nos deliciarmos com o tamanho de uma manga, amadurecida, nos convidando para ser comida. Só tinha um problema, esta mangueira ficava na interna do terreno, de maneira, que se quiséssemos pegá-la, tínhamos que pular o tal muro, protegido pelas lanças. Em algum lugar da continuidade da grade, existiam pontos de fratura do ferro, de sorte que espremendo o corpo podia-se, meninos, passar e lograr chegar ao outro lado. Assim um por um fomos adentrando ao terreno. Empolgados com as mangas, delícia de fruta proibida, não antecipamos que se um padre chegasse para reclamar o seu direito de ser dono das frutas, não poderíamos todos fugir pelo mesmo buraco, pelo qual tínhamos entrado.

- Lá vem o padre, gritou o Salsicha, garoto alto para idade que tinha.

Corremos, todos, desesperados para o tal buraco. O padre vinha correndo, com seu corpanzil, segurando na mão uma vassoura, com muita raiva, com a finalidade de afugentar os invasores. Graças a Deus, apesar do padre, todos passaram pelo buraco, a tempo, mas, o Sapo ainda sentiu o vento quente da vassoura tocando seu traseiro.

- Seus sem-vergonhas, gritava o padre do outro lado da grade, balançando a vassoura ameaçadoramente sentindo-se roubado. Confesso que era roubo mesmo, porque, sabíamos que era proibido entrar no terreno do colégio para pegar suas deliciosas frutas. Creio que Deus não tenha feito cavalo de batalha, ou sido radical, em não nos anistiar de tal falta, mas, que a manga era gostosa isto era.

O Carlinhos, colega possuidor de vários dons, um dia, construiu uma canoa, de verdade. Foi toda calafetada com breu e navegava como se fôra um caiaque. Ele morava em uma casa, dessas com palafitas, à beira do rio, o que proporcionava uma espécie de carreira naval, local onde foi construído o barco, uma canoa, na verdade. Era uma alegria remar naquele braço do Rio Negro, ele adentrava na terra, vindo do São Raimundo, quando cheio. Era enorme o deleite ver o pôr do sol, dali do meio do rio, marcando a superfície do rio com suas nuances vermelhas e amarelas, refletindo todo encanto que a vida pode ter. Que momentos inesquecíveis.

Depois, era jogar ping-pong na mesa feita pelo Carlinhos, que contava com a ajuda dos meninos maiores, o Salsicha, o Tony, meu irmão mais velho, o Sapo, os quais eram mais robustos. As tardes eram cortadas pelo som agradável da bolinha batendo na mesa, para lá e para cá. Ali aprendi a jogar tênis de mesa, numa mesa de tábua, lixada, polida, pintada de verde por Carlinhos e sua equipe. Às vezes, mamãe, tinha que interferir, pois, as horas tinham passado e mandava nos buscar, senão passávamos, eu e meu iemão, o resto da vida ali.

O papai Noel era um garoto forte e grande para a idade que tinha. Subia rapidamente em qualquer árvore, sem medo de cair, ou de se machucar, o que causava certa inveja no resto da gurizada. Um dia, estava chuviscando e ele teimou em subir em uma mangueira para pegar uma manga. Foi com todo cuidado, subindo evitando galhos mais frágeis, escolhendo os galhos com cuidado, quando, de repente, um deles curvou, sob seu peso, e, tocou nos fios de alta tensão de um dos postes de energia da rua. Foi um tremendo choque. Ele caiu e, claro, morreu da queda. Soube pelo Sapo. Ele chegou triste em nossa casa e avisou. Dia triste aquele. A rua ficou deserta. No outro também, pois, foi o dia do enterro dele. Entrei em contato com a dura realidade da vida, a morte. Nunca mais a vida foi igual. Sempre que queria pegar mangas ou mesmo brincar em árvores, lembrava do Papai Noel, e o tempo tinha que ser de sol.  

Depois mudamos, minha família e eu, para outro canto da cidade. A Rua Luis Antony ficou para trás, a me ensinar que a vida deve continuar, sempre.

2 comentários:

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  2. Tenho orgulho de ter tido a oportunidade de ver e viver esses tempos... Era o irmão mais novo, mas lembro bem das brincadeiras animadas dos meninos e ainda ecoa nos escaninhos da memória o som das cantigas de roda no meio da rua, bem como também, o burburinho das conversas dos adultos em suas cadeiras na calçada. Como dizia o Lilico: Tempo bom, não volta mais....

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