sábado, 3 de outubro de 2009

Relações Eternas.

Daqui de cima, no mezanino, vê-se todo salão do hall. É salão grande, como quer o nome, que funciona como sala de espera na ala de cardiologia da Benemérita Beneficência Portuguesa, em São Paulo. É um hospital muito grande, amplo como os imóveis do afinal do século XVIII, e, começo do XIX. É um salão todo decorado seguindo a linha da época, e, suas poltronas e sofás são de puro couro e com os espaldares altos. Todas as tardes durante os últimos 14 dias lá estava eu neste mezanino, juntamente com outras pessoas a esperar minha vez e a delas, de sermos levados para dentro da UTI coronariana, seguindo as mais variadas faixas coloridas, pintadas no chão. As cores tinham a ver com a direção provável para onde estávamos nos dirigindo. Enfermaria onde os biombos, saletas separadas com lençóis esticados e bem limpinhos, quartos, suítes, luxo, tudo espelhando e chamando atenção pelo luxo e limpeza. O chão impecavelmente lustrado mostrando todo o esplendor da madeira de lei, vinda de Portugal, dava para se ver refletido no chão como se fora espelho. As portas de entrada e de saída, todas em madeira pesada, trabalhadas à mão, entalhadas com motivos tais que pareciam mais provindas de um artista celeste que de um terreno.
Olhava para baixo seguindo os movimentos, mas, um velhinho sentado em uma poltrona me chamou a atenção. Estava cochilando, com sua cabecinha branquinha a ir para frente e voltar trás mais bruscamente, talvez, pelo acordar e ter que tomar uma posição, na minha terra diz-se que o sujeito está pegando traíra. Fixei minha vista nele e durante aqueles dias pude perceber o que o amor é capaz de fazer com as pessoas, deixando-as, ternas e amorosas, e, na idade dele entendendo o fim próximo, porém, vivendo intensamente o dia de hoje, o agora.
- Senhoras e Senhores que vão visitar e vão entrar na UTI, queiram dirigira-se à entrada para as orientações era a moça chamando para a pré-entrada e seus rituais.
Voltei à realidade, e, antes de ir para a pré-entrada, onde se lavam as mãos em água corrente, depois o álcool iodado, as pantufas para os sapatos, a máscara e o gorro, resolvi tomar um café quentíssimo na lanchonete do hospital. Era julho e o frio que começara em fim de junho mostrava para os paulistanos que o inverno ia ser forte, pesado. Retornei e fui direto para a pré-entrada. Depois de tudo feito e pronto me dispus a seguir a linha vermelha que me conduziria até o final da última enfermaria onde estava minha cunhada, motivo de um capítulo mais adiante. Este capítulo se torna necessário para a compreensão de minha estada ali e o começo da história que quero vos relatar leitor, não, não vai ser enfadonho, prometo ser o mais breve possível na dissertação dos fatos.
Passei em frente a diversos apartamentos, sempre seguindo a linha vermelha, e, então, ao passar pela penúltima porta da ala dos apartamentos vi a cena mais linda e que nunca mais saiu de minha lembrança, mesmo agora passado tanto tempo. A porta aberta me deixou ver contra luz o velhinho, aquele da poltrona, em pé do lado da cama onde uma velhinha estava deitada em estado de profundo descanso, comatoso profundo. Só o arfar, o subir e o baixar do peito e abdômen revelava vida. O que me impressionou é que não se podia distinguir nada das feições ou dos detalhes da cama, por exemplo, somente os contornos, impostos pela luz que entrava pelos janelões ao fundo. Ele estava fazendo cafuné, lentamente, nos alvos cabelos da senhora. Pareceu-me, por um momento, que ela entendia e de alguma forma se comunicava com ele.
Fiquei imaginando, ali naquela hora, que se me fosse possível começar a rodar um filme romântico, eu começaria exatamente por esta cena, depois, a câmera fecharia e quando tornasse a abrir mostraria os dois em uma cena retrocedida à época da adolescência dos dois quando este romance começara...
Este é um dos capítulos de um livro que escrevo sobre a eternidade das relações e que brevemente estará no prelo.

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