sábado, 14 de novembro de 2009

Rosinha.

Chegávamos cedo ao sítio. O terreno era plano em toda extensão frontal, isto é, o terreno ia plano até certo ponto e depois caia numa descida áspera e íngreme, que terminava no vale, lá embaixo, onde um córrego, represado enchia a piscina de madeira.
Fora construído um enorme barracão com grande mesa, bancos e cadeiras de madeira dali mesmo, na parte plana do terreno. Logo atrás desse barracão tinha uma casa de alvenaria, nunca usada, grande, com grandes quartos e como sempre vazia, servia mais de guarda tudo. Desde vassouras até alimentos, enlatados, carrinhos de mão, enxadas, foices, fios elétricos, camas, quadros, sofás nunca usados, cadeiras, e, tudo que podia trazer conforto, mas, se usava um outro conforto, o da rede, estendida de uma coluna de madeira, acariquara, para outra de sustento do barracão.
No barracão havia inúmeras cadeiras de macarrão, nas mais diversas cores, espalhadas no seu eixo maior, normalmente, colocadas mais perto do fogão e geladeira, talvez, que pela proximidade desses, houvesse facilidade em apanhar quaisquer produtos de dentro, principalmente da geladeira, tanto de noite quanto de dia. A mesa era grande, de uns vinte lugares. Ali se faziam as refeições e reuniões, quando se dormia por lá. Bom era acordar, bem cedo, sentindo o cheiro do café coado e da tapioca sendo feita. O galo lá longe cantando, acordando todo mundo. É hora de acordar.
Chegávamos cedo e logo nos deparávamos com um casal de araras azuis que invariavelmente vinham logo, logo, nos dar bom dia. Era infalível a vinda do par. As penas eram azulzinhas e o casal vinha atrás de comida, servida na mão, e, depois, talvez em agradecimento, ficavam por ali, brincando e se exibindo, um para cada lado, até que numa determinada hora que nunca sabíamos, se reunia e ia embora, primeiro para uma jaqueira próxima e quando menos esperávamos não as víamos mais.
As araras têm um senso familiar extremamente aguçado. Vivem juntos, depois de escolhidos os parceiros, por muitos anos, numa lealdade sem fim, até que a morte de um dos dois ocorra e não demora muito, não, o remanescente logo também desaparece, morre também. É assim tão simples. O companheirismo é tão grande, e, a dependência emocional tão forte, que cria em qualquer separação, uma anulação real de vida no outro companheiro.
A Rosinha, era o nome da fêmea, vinha me receber todos os dias quando chegávamos ao sítio. A minha família ficava admirada da empatia entre nós, o que ocasionava ciúmes na arara, quando eu não lhe dava muita atenção por qualquer motivo e então, nesses momentos ela vinha para perto de mim e me bicava as mãos ou mesmo os ombros quando ela estava nos meus ombros, chamando-me à responsabilidade de tê-la cativado, como queria o pequeno príncipe de Saint Exupéry . Era uma bicada carinhosa, mas, dolorida, a me avisar que aquele momento era para ser dedicado exclusivamente à manutenção de nossa amizade, e, então, o jeito que eu tinha, disfarçando por meu erro de relaxamento, era de oferecer alimento em minhas mãos, o que era aceito por ela, prazerosamente, me desculpando e me ensinando que tudo é desculpável.
O tempo, às vezes nosso amigo, às vezes nosso inimigo, passou e um dia a Rosinha não veio nos receber. A tristeza foi grande. O imaginário trabalhando dentro de um raciocínio dava a certeza de que a Rosinha tinha voado para mais longe, aonde não podíamos ir. O caseiro, então contou-nos que o macho morrera e que a Rosinha tinha desaparecido, ele não tinha achado seu corpo, depois de uma semana de muita tristeza da parte dela. A natureza fazia e realizava seu papel. Não teríamos as araras a nos receber, ora alegres, ora agressivas, ora recolhidas, e, agora nos mostrando que é possível conviver pacificamente e viver intensamente a vida do momento, do agora, do presente, como os vividos, apesar da temporalidade da vida.

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