terça-feira, 17 de novembro de 2009

O fila, animal feroz.

A casa era grande em profundidade e em largura. O consultório ficava na sala da frente da casa, precedido somente por outra menor que servia de sala de espera com seu sofá creme ladeado por duas poltronas iguais. No meio da parede, divisória, um quadro de um belo sorriso chamava a atenção de quem entrasse. Uma TV de quatorze polegadas divertia os pacientes, sempre impacientes, esperando a vez de ser atendidos.
Era de tarde e o paciente, uma jovem senhora, da hora encontrava-se pronto para a moldagem, ato que é feito logo após o preparo dentário. Tinha sido um pouco dificultoso, pois, o espaço entre o dente superior e o inferior era quase nulo e depois de muito esforço para não conduzir o tal dente para tratamento de canal, deixei-o totalmente apto para a moldagem.
Começara a separar, junto com minha atendente, uma menina de uns dezessete anos, os instrumentos necessários para os passos seguintes, quando bateram à porta. Como ainda não começáramos os procedimentos ela, sem luvas, abriu a porta e foi perguntada pelo vendedor de gás de cozinha, à sua frente, se estávamos precisando trocar as botijas de gás da casa. Esqueci de dizer que este consultório era em uma casa, pertencente à família de minha esposa, na qual, além do consultório era usada para moradia também.
- Doutor, o rapaz está perguntando se queremos gás.
- Pergunte a moça lá de dentro, ela deve estar lá no fundo, na lavanderia.
Com a resposta positiva de que era necessária a compra das botijas e autorizado pela moça o rapaz transportou duas botijas para a despensa da casa. Quando ele passou por perto de uma árvore, mangueira, enorme, carregada de frutos, o enorme fila começou a querer pegá-lo e pulava desesperadamente em sua direção. O rapaz alocou as botijas em seus lugares e saiu portão afora. Minha atendente, sem imaginar o que estava prestes a acontecer, voltou para falar com a moça que estava lavando roupas, e, passou novamente por perto da árvore onde o fila estava amarrado. Ele começou a se jogar violentamente na sua direção forçando incrivelmente a corrente que o segurava. Ela inocente continuava a dialogar com a empregada, quando de repente, sem avisar a corrente cedeu e o fila, completamente fora de si, querendo resguardar seu terreno, furioso, arremeteu violentamente contra ela. A primeira dentada, com seus possantes caninos e incisivos, penetrou sua coxa esquerda. A dor lancinante e sob o ataque feroz, sob o efeito da brutal descarga de adrenalina na corrente circulatória, fê-la , instintivamente puxar e recolher a perna e coxa numa tentativa de sair daquela mordida. Os dentes caninos saíram-lhe cortando, como a uma manteiga, os músculos até a saída deles na altura do joelho deixando um profundo sulco de carne cortada e retorcida. Os gritos eram ensurdecedores e quando os dentes se libertaram saindo dos músculos imediatamente virou sua enorme cabeça para o outro lado e fez a mesma manobra no lado direito. A empregada desesperada entrou no consultório gritando que o fila estava comendo a atendente e que ela estava se debatendo muito no chão, com muito sangue liberado.
Sai correndo, e, confesso nunca vi tanto sangue na minha vida. Ele me mirava com sangue escorrendo pelos cantos da boca e com os olhos injetados de sangue e de ódio. Os caninos estavam bem salientes e quando me aproximei num momento de indecisão dele, consegui tirar a moça dali e puxá-la pra fora de seu raio de ação. Levei a moça, imediatamente para o pronto socorro, junto com uma paciente, com o tratamento no seu meio, e, anestesiada como estava foi comigo, apavorada, segurando a moça que estava em estado de choque, sem falar e sem mais chorar.
Pensei que a menina não fosse mais andar e que as marcas das dentadas não sairiam e ficariam para sempre em suas coxas, mas, qual o que, a idade que ela tinha, propiciou uma recuperação perfeita e nada de queloídes se viu depois de um tempo, uma regeneração celular perfeita. Só o trauma psicológico de um ataque feroz e quase mortal persistiu ainda por um tempo. Em mim ficou a culpa de uma corrente quebrada tamanha a força, mal calculada, de um animal de guarda que infelizmente era de guarda mesmo. Depois desse fila continuei a criar cães, mas, agora um de raça mais dócil, mais amigo, mas, também de guarda, o Rottweiler, boa raça, bom animal.

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