sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Hora de recolher.

Sentado na varanda de meu apartamento, deslumbro ao longe, lá no horizonte uma nesga do rio Negro, exatamente no encontro das águas negras do rio Negro com as barrentas, no fulvo de suas águas, do rio Solimões. É uma luta eterna. Faz tempo que Netuno abandonou estas paragens e deixou para os dois rios o resultado da luta. Um não consegue entrar nas águas do outro, numa visão espetacular, que chama os turistas e mesmo os nativos a passearem no lugar, e, que prescinde do tempo como marca. A luta continua dia após dia, anos após anos, numa luta interminável, sem vencedor.
A chuva cai pesadamente. Permaneço lá, sentado, respeitosamente, esperando que a natureza se apiede e não dure muito tempo. Realmente, agora, não se vê nada na distância de um metro ou mais, além da brancura dos pingos compactos neles mesmos, e, que condensam a visão em uma faixa sólida, branca não clara, não transparente. São pingos grossos que fazem barulho no telhado no barracão que abriga a TV, reprodutora de sinal de televisão, nossa vizinha, tão alto que penso ser algo muito grande que está para chegar até o lugar onde estou ou que alguma cachoeira acabou se instalando aqui por perto.
Lembro imediatamente de um hino da igreja batista, onde cresci, que diz:
-“Guarda o marinheiro no violento mar...”
E, lógico, peço a Deus que guarde o marinheiro, onde estiver, no imenso mar, violento ou não, no rio mar, o rio Amazonas, com suas ondas enormes, com mais de quatro metros, quando o rio está iracundo. Nessas horas os barcos e mesmo os navios que passam por lá são sacudidos violentamente por procelas grandiosas, que bramem estrondosas, sentindo a dificuldade que é enfrentá-lo.
Os pássaros contumazes a freqüentar aqui esse lugar, há muito se recolheram a lugares seguros. Aqui e ali, uma buzina de carro anuncia sua presença, na rua abaixo, a outros evitando abalroamento entre eles, e, os jogos de luzes são ativados para a segurança no trânsito.
Um raio corta, horizontalmente, de leste para oeste, o céu inteiro e dá a impressão de cair ali perto. Penso no gnomo a procurar o pote de ouro. No fim do arco-íris tem um pote de ouro. Mais tarde, quando ameniza os pingos de chuva, um arco-íris aparece no céu, cortando-o. Lá no fim deve ter um gnomo procurando seu pote. Um trovão forte, Tupã, cai e grita forte que ele é quem manda ali. Jaci, a lua, timidamente aparece lá longe, na fineza dos pingos que agora são bem amenos, com o abrandamento da chuva, dando a impressão que o lado feminino da natureza se manifesta. A prata de seus raios começa a branquejar as ruas e a moldar os edifícios, como sombras, cinzas, ao longe. Imagino a correnteza do Amazonas, agora, forte neste momento, cortando, agredindo a terra, derrubando tudo por sua frente, inundando impudicamente a terra, debruçando-se, se exibindo como força, derrubando e arrastando árvores que desnudas vão sendo levadas no bojo, no meio da volúpia das águas, entregues, sem questionamentos numa concordância eterna.
O tempo melhorou. A chuva agora está bem fininha. O cheiro da rua, do asfalto molhado, sobe até onde estou. Lá longe as águas continuam a bramir e a correr mais brandas. Um pássaro ousado passa voando desafiando a sorte. Um mini raio cai longe. Penso: é tempo de me recolher.

Nenhum comentário:

Postar um comentário