segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Índia, pureza, sim senhor.


Pintei um quadro, à óleo, de uma índia ianomâmi, com lábios carnudos e provocativos, com cabelos brilhantes e coloridos, e, lógico suas pintas habituais, não de guerra, mas, parecia-me de amor, naquelas danças e festas onde o amor para o indígena é o mais valer. Pintei-a, imaginando a candidez da pureza da índia menina, flor a desabrochar, em meio a sua tribo, lá por volta de seus quinze ou dezesseis anos. Seios pequenos, empinados, uma pele macia como a pele do caju, cadeiras em formação, rosto redondo, com olhos estreitos e os cabelos lisos e pintados, coloridos, nas mais variadas matizes.
- Hei, esta não é uma índia, pelo menos uma índia amazonense. Você, doutor, não entende de índias, me disse um cliente, meio zangado por ver uma índia tão diferente daquela que ele estava acostumado a ver nas pinturas.
O quadro não vendeu. Não saiu comercial. Lá está ele assentado na parede de meu consultório com suas dimensões a chamar para si a atenção de quem entra na sala. Os olhos, grandes, porém puxados, como as das índias, acompanham a gente aonde a gente vai. É uma expressão rústica, do amor, da gentileza e do perdão. Lá está ela a ensinar todos os dias as verdades do dia a dia da gente que não é índio, pelo menos não está na floresta morando em ocas e tabas. São verdades que vêm de longas datas e por isso incompreensíveis para todos nós. São complexos tratados éticos e morais, creditando pureza e sabedoria, passada ao longo do tempo de pajés para pajés, de chefe para chefe, cacique a cacique, tuxaua a tuxaua, morubixaba a morubixaba. É claro que não entendemos tais tratados, tão complexos, simples e sábios, para um entendimento tão sofisticado como nossos códigos e vendas de imagens, impensáveis no universo índio. Lá está a majestade da índia, ainda cunhã, a mostrar o caminho do bem. É linda, tão linda que incomoda.
- Lascívia, é o teu nome, me disse um paciente, cliente, que não entendeu a mensagem da índia. Os lábios carnudos, o possível seio empinado, mostrando as estrelas, a pele de uma cor morena pintada com cor ainda não catalogada, de tão pura e simples, deixam a quem olha o quadro, estático, querendo saber o que significa realmente o todo, o complexo e o simples pôster da índia.
- Não existem índias com os lábios carnudos e tão convidativos, tão charmosos, me disse um outro.
Às vezes, fico ali, quando me dá na sina, observando a minha criação. Penso que quer falar. Conversar. Ensinar-me algo. Disfarço, pensando que eu estou ficando tão besta que penso ser, este quadro, uma grande obra de arte. Depois, fico rindo com os meus dentes de porcelana, que estou a fazer, desenhando-os de um modo mais simples possível para tentar imitar a simplicidade da vida que é ao mesmo tempo tão sofisticada que os índios não conseguem absorvê-la. E fico ali meditando o quanto a gente destrói, nas nossas invenções, e nas nossas maiores incompreensões o que há de mais belo e mais perfeito da criação de Deus, a natureza, simplesmente por querer ser o maior, ser o melhor de toda essa criação.

Um comentário:

  1. Adorei. Ate porque a índia tem todas as minhas caracteristicas e isso fascinou-me.

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