segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Sem Tempo.

A vida era uma verdadeira correria, não tinha tempo para nada, nem mesmo para o dentista, assim, estava quase perdendo um dos molares que o molestara algum tempo atrás e que por falta do tal do tempo, piorara sensivelmente o dano ocorrido por total abandono.
Reunião atrás de reunião. Negócios das mais variadas tendências e ele lá, duro na queda, escutando, dando opiniões, discordando, ganhando a cada minuto o que um trabalhador ganharia no mês inteiro, a gordura acumulando, por que não tinha mais tempo de exercícios, as brincadeiras de fim de semana com a família há muito desaparecera e agora mesmo, com pequenas pontadas no meio do peito e com extensão para o braço esquerdo, não poderia mesmo, nem que quisesse parar até para qualquer tipo de exames. A dor vinha e ia embora e nada acontecia. A rotina, recheada de falta de tempo, o desligava constantemente do que se imagina vida.
Neste intervalo, entre uma reunião e outra, comendo um sanduíche de carne, ovos, bacon e alface, acompanhado de coca-cola, pensava o quanto Deus lhe abençoara na vida. Há quarenta anos trabalhando e fabricando essa realidade financeira, boa, pois, podia ter quase tudo na vida, isto é, podia comprar quase tudo e completamente consolidado e respeitado por este sestro que se tornara o seu trabalho, a despeito da família, que se resumia em um encontro fortuito no final do ano e apenas por algumas horas, quando não era obrigado a estar em reunião emergencial, ou viajando, e, portanto, cada vez mais longe das pessoas que ele dizia amar.
Pensava na beleza da esposa, mesmo agora depois de todos esses anos, sempre pronta e bela para ele, e, o danado do tempo a roubar-lhe a delícia que era ficar com ela, mas, por outro lado havia uma compensação em tudo isto o que tornava as coisas mais fáceis de aceitar. Ela tinha todo conforto e o que queria da vida, fosse o que fosse. Os filhos, embora não os visse com freqüência passeavam constantemente por suas retinas e se desenhavam às vezes até no meio dessas malditas reuniões como se fora simples filme ou mesmo um sonho. As feições já não eram tão nítidas e nestas horas ele se esforçava para ter a lembrança clara de cada um deles.
A mente retornou os quarentas anos até a noite dentro de seu primeiro iate, onde ela, sua esposa, na época namorada, já o esperava quando chegou. Era um barco grande e desenhado para suportar as águas doces do rio Amazonas. Nessa noite, especial tinha pedido ao comandante uma reduzida tripulação e o retiro para uma das praias no próprio rio Negro, que era o que mais lhe agradava, pois, havia poucos carapanãs, mosquitos da região que em nuvem eram bastante irritantes.
O barco dera uma volta até o encontro das águas, retornara e passara defronte à Manaus, que dali vista toda iluminada, se assemelhava a um grande oásis iluminado, na imensidão do céu escuro fundido com a floresta a seu redor e com o próprio rio tão escuro quanto seu nome.
O comandante o ancorara em uma praia, baía formada por trás do istmo que adentrava a água. Ali o barco estaria seguro não só de tempestades, mas, também de curiosos. O iate estava no talvegue maior, de maneira, que para chegar-se à praia ter-se-ia que ir de canoa. O vento da noite, o som ambiente, o bom vinho, o carinho do namorado, futuro esposo e a comida deliciosa embalavam e empurrava o sonho da moça a se tornar realidade.
Os beijos, contatos, sussurros e gemidos...
De repente, voltando à realidade, sentira a cabeça rodar, seus pensamentos não fixar em nada, a dor aumentar substancialmente, mas, tinha que voltar para a última reunião do dia, depois iria para casa e com sorte ela estaria acordada, tanto que o sanduíche caíra de sua mão e com esforço conseguira colocar a lata de coca-cola na borda da mesa. Levara a mão ao peito como querendo aninhar a dor e queria chamar seu amigo que conversava animadamente com outro, de costas para ele, mas, o som não saíra de sua boca. O sangue agora não mais chegava a contento na periferia do corpo e ele caíra no chão, em lipotimia, desmaiado, fazendo um barulho alto. Os dois outros viraram e rapidamente correram para socorrê-lo e ele que não estava mais raciocinando, e a respiração acelerada e a cianose dos lábios indicavam que ele não estava bem.
Dez dias depois, estava de alta. Fora safenado e a cirurgia ainda incomodava obrigando-o a andar um tanto curvado para frente. Incrível como tinha tido tempo para os exames e para a cirurgia de reparação do infarto que quase o tirara a vida. A confrontação com a morte, pensava ele, o ensinara que nada nímio serve para coisa alguma e que o tempo é a gente que faz.

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