quarta-feira, 22 de julho de 2009

Por-do-sol, Que lindo.

A época do ano que mais gostava, quando ainda era estudante do primário, com transição para o secundário, era de fato, as férias escolares. Algumas delas passadas, no interior de meu estado, principalmente, no Careiro da Várzea, onde as fazendas leiteiras eram responsáveis pelo abastecimento de grande parte do consumo de leite da capital. Às quatro da manhã os barcos leiteiros traziam em seus cômodos milhares de litros de leite, quentinho, recém tirados dos peitos das vacas, que eram então distribuídos aqui em Manaus. Perto da Vila do Careiro existia uma fazenda muito especial e muito bonita, a qual pertencia ao professor Guilherme Nery, na qual muitas vezes ficamos ali bebendo do Solimões, com suas águas amarelas, e cuja correnteza era bastante forte neste lugar, mas, que não impedia das crianças tomarem banho pulando do trapiche para dentro d'água, e, aí começava as admoestações paternais e maternais:

- Cuidado, nadem imediatamente para a beira do trapiche. Subam, imediatamente.

Eram ordens de preocupações, mas, que acabavam caindo no esquecimento porque a gritaria e as brincadeiras manipulavam as atenções. Os pais acabavam sorrindo e se distraindo conversando amenidades enquanto nós outros aproveitávamos para brincarmos no rio. Eram tempos sem preocupações maiores. À tardinha, logo depois do café da tarde, sentávamos no barranco, de frente para o rio e ficávamos horas apreciando a correnteza a levar todo tipo de coisas, produtos, normalmente, do fenômeno da terra caída, eram árvores inteiras, imensas, pedaços dos mais variados objetos, às vezes, corpos de boi, de cachorro que tinham morrido por conta de uma grande enchente ou mesmo de uma grande seca. Lá ao longe, na monotonia do entardecer, o sol se avermelhava e começava e a se por, gerando uma imagem digna de realce em qualquer paisagem universal. A terra parecia se aquietar no seu constante papel renovador potencializando os barulhos quase noturnos, como os pios e os cantos das aves, os macacos, o relinchar dos cavalos, e, o vento trazia aquele cheiro das flores, plantadas na frente da casa principal. Eram cheiros misturados com o de terra batida, estrume de boi, a brisa do meio do rio, cheirando a evaporação da água, etc...

Quando em vez, sentava conosco, os velhos pescadores ou vaqueiros da região, que nos contavam suas fantásticas estórias de aventuras sem fim, por dentro da imensidão do rio, dos lagos e lagoas. Eram estórias de todo tipo. Um dia um pescador contou a estória de uma cobra gigante que ele vira e que passara muito perto de seu pequeno bote, sua canoa, a ponto de ele perceber que o tamanho das escamas da cobra era bem maior que uma tampa de barril de óleo. Uma coisa muito grande que graças a Deus não o vira, a ele e a seu companheiro de pesca. Nessa hora nossos olhos infantis se arregalavam, ficavam enormes, imaginando o tamanho da cobra e como ela poderia ser feroz e letal se pudesse aparecer ali. No outro dia não tinha quem fosse até o trapiche para banhar-se nas águas amareladas, onde a meio metro não se vê absolutamente nada.

Um dia chegou ao porto uma canoa com dois corpos mortos de homens que estiveram brincando a noite inteira em um forró, mas, que a certa altura engendraram uma discussão que resultou na morte dos dois. Um dera uma facada na barriga do outro, que logo sacando um revólver dera uns tiros no outro, resultando na morte de ambos. Lembro de meu pai conversando com os remadores da canoa, talvez, orientando para que levassem os corpos para a vila, um pouco mais acima, contra a correnteza do rio, porque lá deveria ter algo parecido com delegado. A imagem dos corpos ficou gravada na mente da criançada e foi motivo de conversa por uns dias.

Depois de deitados ou em colchões ou em camas, ficávamos algum tempo, tentando achar um jeito para dormirmos e falávamos uns para os outros, numa rima sem pé e cabeça:

- Qué, qué, qué, boa noite, Alé.

- Onho, onho,onho, boa noite Antônio.

- Cai, cai, cai, boa noite, papai.

E assim as vozes iam se apresentando até irem esmorecendo, sinal do sono chegando. Numa noite dessas, quando o sono estava tomando conta de quase todos, ouviu-se de repente:

- Um, doize, e treize, não deu certo nadja. Era a Aldeli uma moça que morava conosco que também queria participar da brincadeira.

Boa noite para todos, digo eu agora, passado tanto tempo, pedindo que Deus, nosso Senhor, nos dê inteligência para preservarmos estes maravilhosos cantos do mundo em todo o seus esplendores, com seus pores-do-sol e o canto melancólico do entardecer.

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