terça-feira, 27 de abril de 2010

O Cataléptico.

Essa é uma estória que me foi contada por meu sogro e se passou em um município do interior do estado do Amazonas. Um município muito longe e perto da fronteira do Amazonas com o Acre. Contam, não sei se verdadeira, mas, é muito divertida.
A família estava reunida na sala de estar da casa. Na verdade era uma sala grande que servia também de quarto onde dormiam as crianças menores e nos dois outros cômodos dormiam em um o pai e a mãe e no outro as crianças maiores. O motivo da reunião era especial, pois, o pai, um homem alto para a comunidade onde vivia, tivera uma espécie de desmaio e ainda, mesmo depois de quatro horas, não acordara e com as vozes sussurrantes conversavam amenidades esperando o acordar do tal homem.
A mãe caprichara no café que era distribuído em copos de vidro acompanhado de bolacha. Lá fora, no raio até onde a luz alcançava, as crianças corriam e brincavam sem cansar. O desmaiado, espichado no chão perto da velha geladeira, parecia estar completamente relaxado, talvez um olhar mais atento pensasse que o cidadão estivesse morto, sem vida. A mãe em algum momento do dia pensara realmente nessa possibilidade, mas, descartara tal pensamento sabendo da fortaleza do marido. Ele carregava sem cansar duas ou três sacas de arroz e não reclamava de serviço pesado, demonstrando ser muito forte. Nesse mesmo dia ele saíra cedo de casa e remara pelo menos quatro horas indo e vindo na mercearia que ficava uns quilômetros rio acima do local onde viviam.
Ela esperou mais uma ou duas horas e resolveu chamar o vizinho. Para isso mandou o filho mais velho correr até lá. O menino parecia um pé de vento. Correu e logo depois os vizinhos começaram a chegar e de pronto diagnosticaram morte. Alguém entre os presentes observaram que a barba do suposto defunto crescia e também gotas de suor corriam por todo o seu corpo.
- Acho que não morreu. A barba está crescendo...
- Tú não sabe que a barba de defunto crece..., disse alguém.
Dizem que no estado cataléptico a pessoa ouve e vê o que está acontecendo, mas, não consegue se mexer ou se comunicar. O sofrimento então é tremendo. Quando chega a hora do enterro então.
A choradeira começara e logo as crianças se juntaram ao coro dos adultos que não paravam de chorar e lastimar a morte de tão boa criatura. O tempo passava rapidamente. Outros vizinhos de mais longe chegaram e como a demanda de gente aumentara a mãe resolveu passar mais café. Já a madrugada chegara e choque produzido inicialmente pelo notar da morte acalmara. Sussurros e menções à bondade e força de trabalho do morto eram o que rolava nas conversas.
- Ave Maria cheia de graças... Era uma senhora pia que começara a reza. As outras, puxando os maridos pelas mãos se chegaram mais perto do defunto, rodeando-o, fazendo uma roda.
Eram três horas da madrugada e o tempo esfriara. Resolveram levantar o defunto e colocá-lo em cima da mesa. Até para rezar era melhor. Um pai ali perto beliscara o filho esperando que ele se comportasse melhor e parasse de brincar com outro menino.
De repente o defunto que mexera um dos dedos da mão esquerda, mexeu também num movimento brusco a perna direita encolhendo-a. As pessoas entretidas em suas conversas não notaram tais movimentos a não ser o menino danado que implicara com o outro e levara um beliscão.
- Pai, o homem mexeu a perna.
Uma velha lá no fundo da sala balançara a cabeça em sinal de reprovação. O pai nervoso não querendo que o filho servisse de mangofa a ninguém lhe dera outro beliscão. O homem “morto” sem avisar a ninguém, sentou-se à mesa e gritou:
- Boa noite pra todos...
Foi uma correria só. Gente saindo pela porta, janelas, e, um mais afoito, chegando à beira do barranco, do rio, se jogou num ímpeto de sobrevivência, caindo n’água, nadando em direção ao infinito, assombrado pela possibilidade de ser pego pela alma do pobre homem que ficara sozinho no meio da sala sentado na mesa.   

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