domingo, 7 de fevereiro de 2010

O presbio.


O presbio andava com dificuldade. Aqui e ali gizava-se uma repentina queda. O solo íngreme, e, ainda por cima esburacado certamente não era o ideal para uma caminhada matinal, mas, o bordão colocado aqui e ali indicava o caminho melhor a seguir. O foco dos óculos não era muito preciso. Dependendo do ângulo olhado ele via com clareza ou não. Às vezes tinha que apertar os músculos da face, ao redor dos olhos, para uma melhoria na precisão do olhar.
- Furunco, gritavam os meninos a sua passagem. Este apelido fora dado a ele em uma época na qual realmente apareceram diversos furúnculos em seu corpo e como eram muito doloridos o seu caminhar e movimentos dos braços tornavam-se notórios e alguns desses movimentos cômicos.
- É a mãe, respondia com certa dificuldade o velhinho, mas, com uma ira notável. As veias de seu pescoço, a jugular principalmente, se tornavam bastante visíveis, demonstrando todo desgosto provocado pela molecagem. A puerícia da molecada incomodava até passantes que raras vezes interferiam chamando atenção dos moleques – dizia ele preia fácil da molecagem.
- Estes, filhas das putas, pensava e vociferava o infeliz. É a mãe, gritava mais alto.
Quase todos os dias era isso. Aposentado, ele vivia com uma prebenda razoável e como não tinha descendentes, sozinho no mundo, como sempre vivera, dava-se essa obrigação descompromissada de caminhar todos os dias pela manhã. Agora os garotos da região souberam do apelido que no começo não incomodava tanto, mas, agora o machucava, por considerar falta de respeito, muito. Deviam estar estudando em vez de numa hora dessas já estarem na rua molecando.
O tempo passou e diariamente, impreterivelmente, a cena se repetia. Um dia a criançada, como sempre, esperava impaciente a passagem do velho. E nada. Esperaram e nada. No terceiro dia resolveram invadir a velha casa. Entraram pelo portão de barras e chegaram até a casa, esta bastante deteriorada. Os mais velhos trepados em caixas de madeira que ali estavam jogados, olharam pelo vidro da janela muito sujo e viram o ancião no chão de ceroulas e imóvel. Morrera na madrugada dois dias antes. Sairam correndo dali, gritando bem alto seus medos, numa incrível velocidade.
- Socorro, socorro, gritavam eles espavoridos pela visão da cena do velho morto ao chão.
O pensamento dos garotos, diante do susto, era comum. Nunca mais vamos apelidar ninguém. Nunca mais vamos implicar com os mais velhos. O velho se vingara e dera uma boa lição, com sua morte, nos meninos e suas danações. 

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